Começaram a cavar um precipício entre nós
[mais do que nunca o wifi cria ilhas no lugar de redes]
e o buraco é alimentado agora por nossas próprias mãos
se servindo de memes e de “lacração”
Urge ri da desgraça
saber tudo é imperatório
ser inteligente e engraçado soa mais curtível
do que abrir a cortina
do que combater a confusão
Cada qual do seu lado do precipício
dá ao mundo uma mostra
do quão eficaz é manusear o medo
o desamparo, a afetação
Viva o mal entendido!
Alucinação acima de tudo!
Não importa o quanto isso custe
é vital o gozo da presunção
Das mãos e bocas cheias de goiabas
[e laranjas]
as respostas já vem prontas
Control C - Control C - Control C
Tudo está sob controle – indicam em gestos e sinais
enquanto esbanjam sorrisos e cochicham:
“eles já não enxergam as pautas, não escreverão nada mais”
e gritam aos quatro cantos
[e contas e contos]
que serão visíveis as imprescindíveis mudanças
Nesse grande acordo nacional
nossas ilhas e mínimos salários e barulhos
[curtida não se mede em hertz ou decibéis]
casam bem com os máximos privilégios dos que circulam no tribunal
julgando quem merece e quem não merece
ser cidadão de bem ou do mal
Renata Rosa
Nossa, muito bom!
ResponderExcluirGostei bastante, principalmente da forma como foi exposto.
Presépio, precipício... wifi, memes, lacração. Do arcaico ao tecnológico, algo cai nesse espaço pronunciado: o próprio laço. É curioso como o texto apresenta quebras rítmicas a cada nova estrofe, que de certo modo bem caracterizam, senão a atualidade em si, os restos de alguma subjetivação que lhe é própria. Essa "computadorização"/mecanização da vida, talvez uma nova "Laranja Mecânica", com seu imperativo de ajustamento, onde prevalece, acima de qualquer ordem, um ordenamento de privilégios.
"Viva o mal entendido!
Alucinação acima de tudo!
Não importa o quanto isso custe
é vital o gozo da presunção"
Diante do medo, duas forças não explicitamente enunciadas, mas cuja inferência se faz facilmente no contexto atual, circunscrevendo o mesmo buraco; este que, cedo ou tarde, vamos todos pagar o preço da escavação - não sei até que ponto com a mesma moeda.
Belíssimo poema! Crítico e certeiro, questiona as ilhas que estamos nos tornando, vazios continentais, os quais coletivamente parecem levar cada um ao mesmo buraco, devido justamente a falta de coletividade.