sexta-feira, 3 de maio de 2024

Entrevista: Isabel Diegues — leitura, palavra e a delicada arte da edição

 por Romanita Santiago e Gabriele Santiago 

foto por Simon Schwyzer


Isabel Diegues é escritora, editora e cineasta. Formada em Letras pela PUC-Rio, é hoje Diretora Editorial da Cobogó e atuou como roteirista, produtora e diretora de cinema. Organizou publicações como Adriana Varejão – entre carnes e mares (2010), 5 x favela (2010), Pintura Brasileira Séc. XXI (2011), Gerald Thomas – Arranhando a superfície (2012), Paulo Nazareth, Arte Contemporânea/LTDA (2012), a série de entrevistas com Hans Ulrich Obrist (2010-2021) e ainda as coleções O livro do disco (2014-2023) e a Coleção Dramaturgia (2012-2023). Em sua produção cinematográfica, destacam-se os premiados curtas-metragens Vila Isabel (1998) e Marina (2003), dos quais foi roteirista e diretora. Em 2016, lançou o livro Diário de uma digressão (Uma viagem ao sertão do Piauí da Serra das Confusões até o mar), parte do Projeto Piauí, viagem que resultou em uma exposição de mesmo nome, e Arte Brasileira para Crianças, livro de atividades escrito a partir de artistas brasileiros, em conjunto com Mini Kert, Priscila Lopes e Márcia Fortes. Reside no Rio de Janeiro, onde, em 2006, também foi uma das fundadoras deste intrépido jornal Plástico Bolha.


1) Como a Literatura entrou em sua vida e como você se relaciona com ela hoje?

Leio desde criança. Primeiro através da leitura de clássicos infantis, através da minha mãe, que lia para mim e para o meu irmão Francisco. Depois, uma amiga querida, um ano mais velha e minha amiga até hoje, a Silvia, aprendeu a ler antes, e lia tudo pra mim. Passávamos horas lendo juntas, ela em voz alta. Em alguns momentos da vida li muito, noutros menos. Mas os livros sempre fizeram parte da existência, da minha vida. Não sei viver sem eles.
 
2) Sendo uma profissional da palavra, o seu olhar está sempre afiado, ou você consegue ser uma “leitora amadora”? Há um botão de liga/desliga?

Sou uma pessoa só, com interesses e desejos diversos e leio sempre com prazer, curiosidade, mas cada leitura pede uma dedicação diferente. Quando estou editando, estou atenta a questões que surgem na minha leitura avulsa, de títulos publicados por outras editoras, e aquilo que encontro que me parece fora de lugar, desestruturado ou passível de ser lapidado vai seguir como está. Mas confesso que por vezes faço umas marquinhas de revisão em livros que estou lendo pessoalmente, não como profissional. Mais que um vício, gosto de apontar caminhos, frases belas, ideias instigantes e trechos que gostaria de voltar com facilidade no livro.
 
3) Em todo verdadeiro artista, a arte e a vida são uma coisa só. O que você acha dessa afirmação? Há separação?

Não há regras. Pode ser de muitos jeitos. E essa é a graça da vida e da arte.
 
4) Quais os livros fundamentais na sua formação? O que está lendo agora? O que indica como leitura para o momento atual?

Não tenho um livro preferido dentre todos. Os mais importantes mudam também ao longo da vida. Mas alguns autores me acompanham, como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Clarice Lispector, Paul Auster, Mario de Andrade, Orhan Pamuk, Octavia Butler, Ana Maria Machado. São muitos os autores que me formaram. Gosto de ler meus contemporâneos, e principalmente os brasileiros, Jeferson Tenório, Carola Saavedra, Grace Passô, Daniel Galera, Marcio Abreu, são muitos.
 
5) A Literatura é, por vezes, considerada como escape da realidade e, outras, como forma de abrir nossos olhos para suas sutilezas. Como lida com essas percepções em sua própria escrita?

A literatura, assim como a arte, nos sensibiliza, diverte, ensina, alerta, assusta, é um aspecto da vida, fundamental para a existência humana, e para nos compreendermos no nosso tempo e em perspectiva.
 
6) Em qual momento você soube que queria trabalhar como editora de livros?

Até ser convidada pela minha sócia Márcia Fortes a montar uma editora, jamais havia pensado a respeito. Assim que comecei a entrar nos textos, descobri que eu já editava, há muito, trabalhos e criações de amigos próximos com quem discutia o meu trabalho e os deles. 
 
7) De todos os livros que você já editou, existe algum com o qual você se identifica mais e por quê?

Os livros fazem parte de determinados momentos da nossa vida. Alguns são especialmente gostosos de fazer não apenas por seu texto, mas também pelas discussões que suscitam, pelas pessoas com quem se pensa junto as eventuais soluções, ou apenas porque são belos e nos tocam. O primeiro livro que editei foi muito maravilhoso de fazer, Saga lusa, o relato de uma viagem, de Adriana Calcanhotto. O texto ia me chegando aos poucos, por e-mail, antes mesmo de ser um livro, e fui juntando os pedaços dessa que era uma viagem de turnê, mas também um perder-se de si, que recobra a lucidez através do próprio texto, da literatura. 
 
8) O que você leva em consideração ao publicar um livro? Quais são os seus critérios para a seleção dos livros que edita?

Publico o que acredito que precise ou mereça ser lido. E, claro, levando em conta a viabilidade dos projetos. Faço livros porque amo livros, mas vivo de vendê-los.
 
9) Você já se arrependeu de algum livro que editou? Caso sim, qual o motivo?

Nunca me aconteceu.
 
10) A Editora Cobogó está em um projeto interessante de entrelaçamento com o Teatro. Como está sendo a experiência de publicar a dramaturgia brasileira contemporânea em livro?

Tem 10 anos que publicamos dramaturgia, e já são mais de 90 títulos. Esta é uma coleção muito cara para mim. Tem muito a ver com os meus interesses não apenas no teatro, mas na performance do texto, na performance da leitura, seja individual ou coletiva. É onde publicamos na Cobogó o que podemos chamar de ficção. Ainda que muitas delas sejam verdadeiras teses ou ensaios. É onde discutimos a força e a singularidade do texto, e tantas outras questões que muito me interessam. Temos autores fenomenais.
 
11) Quais as qualidades de um bom leitor?

O bom leitor é aquele que se interessa pelo que está lendo. Que não tem medo de abandonar o texto quando não lhe interessa mais, mas também tem a persistência de seguir adiante, brigar com uma eventual preguiça de continuar a leitura, e que se propõe a se confrontar com as questões do textos, se dedicar a ele. O bom leitor é aquele que se oferece ao texto, e faz um pacto de cumplicidade que pode, ou não, acabar ao final da leitura. O bom leitor é aquele que, acima de tudo, se apropria do que está lendo.



Esta entrevista foi realizada como parte das atividades de práticas extensionistas realizadas junto aos alunos da graduação em Letras da PUC-Rio, sob a supervisão da professora Helena Martins e com a coordenação de Suzana Macedo e Lucas Viriato. 

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