sexta-feira, 11 de julho de 2025

Paixão


Um cano d'água arrebentou
e está alagando a casa inteira.


André Giusti

quinta-feira, 10 de julho de 2025

Saudade


O sol
em faca
em foco
invade a casa pelo furo.
Tudo se torna visível
qualquer dor ou poeira
Corro.
Clareio nele
o poema que fiz
para as minhas avós
que nunca vi.
Será que o sol,
ou elas descendo do céu?


Edison Veoca

quarta-feira, 9 de julho de 2025

Rascunho, poema de Laura Assis


...e o lápis correndo agora no papel
traçando aos poucos nos seus cabelos
detalhes no plano do nosso desejo

dizendo:

ninguém predestina o desencontro,
há sempre outra página,

o epílogo.


Laura Assis

terça-feira, 8 de julho de 2025

teatro — poema inédito de Lucas Viriato

quando estamos
no teatro contemporâneo
no melhor dos cenários
pelo feitiço de um período
não estamos no Rio
nem em Sampa nem em BH
não tem aqui nem acolá
quando estamos no teatro
estamos apenas

(estamos sempre
em Atenas)


Lucas Viriato


 

segunda-feira, 7 de julho de 2025

“Prima Facie” expõe a equação imprecisa entre cumprir a lei e fazer justiça, por Mauro Ferreira

                                                                 foto de João Caldas Filho


N
o centro do palco, no jogo cenográfico de cadeiras e mesas, uma cadeira se impõe, alocada bem ao alto, solene, soberana. A cadeira elevada na cena de Prima Facie representa a autoridade austera de um juiz, senhor da razão e das decisões sobre vidas alheias. É sobre a Justiça — ou melhor, sobre o desequilíbrio da balança imprecisa da Justiça — que a dramaturga e advogada australiana Suzie Miller discorre no texto que estreou em Sidney em 2019 e que, desde então, vem arrebatando plateias e conquistando láureas mundo afora, inclusive no Brasil.

A peça arrebatou plateias inglesas e norte-americanas em 2022. Em palcos nacionais,
Prima Facie se tornou um dos acontecimentos teatrais de 2024, impactando o público e alçando a atriz Débora Falabella ao topo do ranking das atrizes mais premiadas do ano passado. A ponto de o espetáculo continuar em cartaz com fôlego neste ano de 2025, no momento com sessões que vêm lotando o Teatro Clara Nunes, na cidade do Rio de Janeiro (RJ), em temporada que se estenderá até o fim de julho.

Em cena, sob a direção de Yara de Novaes, Débora é Tessa, advogada implacável na defesa de homens acusados de agressões sexuais contra mulheres que Tessa, impiedosa, descredibiliza diante de um tribunal geralmente masculino com a frieza dos profissionais puro-sangue do Direito.

O
turning point da dramaturgia de Prima Facie acontece quando Tessa deixa de ser a advogada calculista e invencível para virar a mulher vítima de estupro que busca justiça no tribunal, lutando para condenar o colega de trabalho que forçou uma relação sexual, usando inclusive a força física, no desenlace trágico de uma noite de bebedeira.

Quando o jogo vira e os papéis se invertem, Tessa personifica a própria “Girl on fire” do título da música de Alicia Keys, que se impõe na trilha sonora do espetáculo. É quando Tessa passa a sentir na pele e na alma machucadas os efeitos cruéis da equação imprecisa entre cumprir a lei (usando todas as brechas dessa lei para inocentar homens culpados, como ela sempre fizera com alardeado orgulho) e fazer justiça.

Quando uma mulher é ouvida em tribunal como vítima de crime de natureza sexual, a balança da Justiça pende sempre para o lado dos homens. Porque o sistema é patriarcal. Porque uma mulher terá sempre que provar inocência mesmo quando é ela quem acusa um réu já previamente absolvido pelas convenções machistas.

Algo tem que mudar, reconhece Tessa, dando a moral da história de
Prima Facie, quando a advogada tornada vítima tem a certeza de que o jogo está perdido para uma mulher que busca reparação judicial após ter sofrido um estupro ou qualquer outro tipo de agressão sexual. E, sim, esse jogo está sempre perdido quando o réu tem dinheiro para contratar os advogados puro-sangue da raça a que um dia Tessa pertenceu.

A cenografia soturna e imponente de André Cortez acentua o papel opressor da Justiça. Tessa, que antes apequenava mulheres no tribunal para não “chegar em segundo” (eufemismo usado por ela para perder uma causa), agora sente o peso de se ver minimizada, esmagada, pelo sistema que usara com força. Mas a indignação de Tessa a engrandece aos olhos do espectador, cúmplice da dor da personagem interpretada com intensa veracidade por Débora Falabella sem qualquer ranço de melodrama ou sentimentalismo.

E é aí que
Prima Facie se agiganta como dramaturgia. Ao fim de um jogo bem armado, o texto escancara as cartas marcadas de uma Justiça feita para absolver homens e condenar mulheres que, recusando o discurso intimidador da vergonha, se encorajam e ousam apontar o dedo na cara de estupradores e abusadores. Mulheres em busca de Justiça. E, sim, algo precisa mudar com urgência no sistema judiciário para que a balança não penda descaradamente para o lado dos homens mais ricos e mais canalhas.


Mauro Ferreira



Ficha Técnica

Texto: Suzie Miler
Direção: Yara de Novaes
Tradução: Alexandre Tenório
Cenário: André Cortez
Figurino: Fabio Namatame
Iluminação: Wagner Antonio
Trilha Sonora: Morris
Consultoria jurídica: Maria Luiza Gomes e Mateus Monteiro
Assistentes de direção: Ivy Souza e Renan Ferreira
Coordenação administrativa: Coarte
Assessoria de Comunicação: Pedro Neves e Lucas Viriato / Clímax Conteúdo
Produção Executiva: Catarina Milani
Direção de Produção: Edson Fieschi e Luciano Borges
Realização: Borges & Fieschi Produções e Antes do Nome


PATROCÍNIO: @ILOVEPRIO



domingo, 6 de julho de 2025

despir-se


escrever é o ato público
mais íntimo
porque as letras tocam apenas
quando a pele se faz eu lírico
só o poeta nu 
escuta as flores


Bruna Escaleira

sábado, 5 de julho de 2025

Verão


flamboyant desembainha sua raiva
nas flores vermelho-vivas;
agressiva ergue-se a garça
como a chama que se alteia.
albízias vão em busca de narizes,
raízes não esperam pelas águas.
desce trigo na minha líquida esperança.


Lasana Lukata

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Prima Facie: espetáculo imperdível com Débora Falabella, no Shopping da Gávea - Rio


 

Azul, de Cláudia Roquette-Pinto


"É fácil saber se o envenenamento foi causado pelo cianeto" — disse o alto funcionário do Ministério da Defesa Americano, ao negar a responsabilidade pelos ataques — "com as bombas que fabricamos, os corpos ficam com os dedos azuis".


Cláudia Roquette-Pinto

quinta-feira, 3 de julho de 2025

The road not taken


Momento límpido,
momento túrgido
de gestos nítidos,
fatais, cirúrgicos —

decepcionei-te:
não te colhi.
Provei teu leite,
mas não bebi.

Segui em frente
covardemente.
Queimei meu crédito.

(A covardia,
em certos dias,
tem lá seu mérito.)



Paulo Henriques Britto




quarta-feira, 2 de julho de 2025

Um poema de Paulo D'Auria


um haicai é um golpe de katana
poema curto, um tiro
um poema longo é uma batalha
poetas são guerrilheiros cegos
suicidas anônimos pela vida
a poesia é uma guerra
travada nos escuros do dia
a poesia é uma guerra
quase
quase perdida


Paulo D'Auria

terça-feira, 1 de julho de 2025

Doses


Anorexia de um cérebro gordo 
Paradoxo invertebrado
Com cheiro de bolhas vertebradas 
O caos precede o Caos
A morte precede a morte
Gritos em cortes
Pérolas do abismos surdo
prefiro ajudar com minha distância
E invisibilidade
Mas acabo visto
Dentro de órgão
Transplantado telepaticamente
Para fora de mim
Eu precedo o caos
Eu precedo a morte
Eu precedo eu
Em você


Mr. Oculus