Era um dia ensolarado na floresta
Eu caminhava, distraído
Via o sol atravessar as folhas.
Os pássaros piavam, cantavam,
Lembro bem.
Recordo os dias de infância
Quando eu circulava entre essas árvores, corria e brincava
As folhas ainda úmidas das chuvas da manhã
Naquela época, o mundo me parecia muito mais agradável,
Puro, muito mais sincero e verdadeiro
Eu tinha tudo que queria
Um sol brilhante, um céu do azul mais azul
De repente, num susto, parei
Bem à minha frente,
a árvore que tanto amei
O carvalho gigante da floresta
Jazia ali, inerte sobre a terra
Como, pelos céus, uma árvore como essa pode morrer
Seus galhos, antes grossos e poderosos, agora estão secos
Quantas flores surgiram de seu humus
Quantos pequenos animais da floresta sua força alimentou
quantos pássaros, assustados por tempestades e trovões, ali
se aninharam?
Naquele momento ficou claro
Em uma noite de tempestade sombria
Que esse gigante com tal poder,
Pode ser arrancado com raiz e tudo
Que chances tenho de sobreviver
Neste mundo rude
Cheio de ódio e erros?
De repente, meus pensamentos mudaram
Minhas lembranças do passado desapareceram
E comecei a pensar na morte
E então me perguntei
Estou preparado para enfrentar a morte?
Serei corajoso o bastante para morrer?
Ou, apavorado, vou chorar, soluçar
No meu último momento?
Covarde?
Não, não serei.
Não, não vou enfrentar minha última hora como o descanso
Um descanso tranquilo, há muito desejado.
Vou atraí-la,
Fazer dela convidada,
Tratá-la com delicadeza e
Talvez oferecer uma visão clara da vida
Vou me tornar seu amigo
Um amigo inesperado, inseparável
Que vai levar-me com mão forte e firme até o fim
Ela marcará minha hora precisa no cronograma da Morte
Mas espere: que nuvem negra encobre meus pensamentos e
bloqueia minha mente?
O que interessam os pensamentos
Se meu destino já foi traçado?
Devo deixar a vida abraçar-me com vigor,
Pois a Morte não quer ser amiga de ninguém
Ela jamais faltou a um encontro!
Que nuvens negras cobriram meus pensamentos, que morbidez
dominou minha mente
Em um dia ensolarado de primavera nesta floresta?
Continuo meu passeio, distraído, por entre os feixes de luz
Que atravessam as folhas.
Ouço os pássaros que cantam,
Os pássaros que cantam sem parar
Marilena de Moraes
O poema original pode ser lido aqui.
sexta-feira, 7 de maio de 2021
Tradução do poema de Max Schhmoll - Por Marilena de Moraes
Um poema de Max Schhmoll
In a sunny
day in a forest
As I went
on carelessly strolling
Through
filtered sunlight and tweeting birds
Tweeting
birds I remember
The mind
goes back to my childhood days
When I
through this forest use to wander, running playing
The trees
with it’s leaves still damp from early rains
To me in
those days the whole world seemed much nicer
Pure much
sincerer and true
I had all I
wished for
A bright
sun a sky of the bluest blue
Suddenly a
shock, I came to a stop
In front of
me stood
The dear
beloved tree I much loved
The
forest’s giant oak
It lay on
earth, inert
How for the
high heavens can such a tree die
So thick
and powerful branches go dry
How many
flowers grew from its hummus
How many
little beasts of the forest by it’s strength were nursed
And how
many birds by storm and thunder frightened nestled
That moment
I clearly understood
In a dreary
storm night
If such a
giant with such a might,
Can so
easily be torn from its roots
What
chances have I
On this
crude world
Full of
hate and errors to survive
My thoughts
had rapidly changed
My
childhood past remembering quickly vanished
And they
came to rest upon death
And so I
asked myself
Am I
prepared to face death?
Will I be
courageous enough to die?
Or will I
be hysterical, crying and sobbing
In the last
hour when I expire?
To be a
coward
No I will
not
No I will
not I’ll face my last hour as of the rest
Long calm
wanted, rest
I shall
invite her
I shall
make her my guest
I’ll treat
her gentle and
Maybe give
her a view clearly of life
I shall
make her my friend
A sudden
friend inseparable
That will
lead me with strong and firm hand until the end
She will
mark my hour exactly in the Death timetable.
But wait,
what dark cloud cover my thoughts and
blocks my mind
Why bother
with thoughts at all?
If my fate
is ready traced
I shall let
life, lusty embrace me
For Death
wants no friendship at all
Has she
ever spared one at all?
What dark
clouds covered my thoughts what morbidity traced my mind
In such a
sunny spring day in this forest
As I go on
carelessly strolling
Through
it’s filtered sunlight and tweeting birds
Tweeting
birds as these.
Max Schhmoll
A tradução do poema, por Marilena de Moraes, pode ser lida aqui.
sexta-feira, 30 de abril de 2021
Luas sem véu
Fogo branco, a fé pelas cinzas
atravessando meu pecado
por entre as vozes ardentes que
se mantêm na fome eterna,
tantos lumes que só abrandam
à noite cheia, ante seu corpo
onde desabo, desafogo entre
seus laços num solavanco, atrás
de seus cachos, os tons num
brilho por se entregarem quietos,
deixam-me implorando,
largado nu nuns sorrisos bobos,
seus lábios que quase logo retribuem,
mas não diz, adivinhe, aquieta
meu gosto pelo risco ligeiro do eclipse,
a emancipação da minguante humana,
manancial de tesouros livres no peito,
prende-me aos restos da natureza em flama,
trajando na pele um terno estapafúrdio
ao penetrar por suas coxas
hirtas, pressionando aflito com palma
cheia o fio que queima,
arde, quero, teima, treme nas trevas
até que, dócil, doo-me
ao peso das provocações,
mas abraçado pelas estrelas
num losango triangular
de lâminas luminosas, fachos
cujo centro implode só,
pérola prata, lua de nada
Árion Lucas
terça-feira, 27 de abril de 2021
O sistema
Velhas paredes
De velhos prédios
De velhas cabeças
Trabalhando em velhos sistemas.
Luiz Ricardo
terça-feira, 20 de abril de 2021
Coruja (incensário)
atenta ao fogo
descamando bravo em sinuosos sopros
por sobre minha cabeça
e olhos que (quase) tudo alcançam
a brasa e o aroma de alecrim se encontram
numa saturnália grave e acesa
Daniela Cassinelli
quinta-feira, 15 de abril de 2021
Um poema de Maria Carolina
história escrita à lápis
não sou eu quem me escreve
danço no papel desenhando
das letras às palavras
dos sonhos às tristezas
esperando um ponto final que me leve
Maria Carolina
terça-feira, 13 de abril de 2021
Um texto de Clara Luz
fui desmontada uma vez — lembro bem, era 2006, fiz o trajeto tijuca–ilha do governador apertada entre a cômoda e a cama. me reergueram no segundo andar de uma casa rua professor veríssimo da costa. ali fui leve, colorida, movimentada. ali o tempo passou rápido, acabou abruptamente, tudo aquilo que habitava as minhas frestas me foi retirado, guardado numa caixa, e eu (outra vez desmontada) guardada noutra.
quando
fui ver o sol outra vez já era 2015. fui parar numa quitinete na ilha da
gigóia, meu peso se tornou outro. já não era mais remexida com frequência —
agora era cuidadosamente catalogada, mais pesada, as cores mais sóbrias. vez ou
outra adicionavam mais um à minha coleção. vez ou outra vinha alguém à casa,
tomava um café, tirava um de mim e partia.
hoje
vivo em copacabana. não fui desmontada no trajeto. a proximidade com o mar me
enferrujou, não sou mais desmontável. sou cada vez mais pesada. quase não cabe
mais nada em mim.
Clara Luz
quinta-feira, 8 de abril de 2021
Tênis
Eu sigo os seus passos onde quer que cê vá
Te aqueço no frio, estou sempre aos seus pés
Corro uma maratona com você se preciso for
Já passamos por coisas, que ó… Só o Senhor!
Nem tudo são flores, nós sabemos bem
Às vezes desfaço o laço que dou
Tropeço na rua, mas quero o seu bem
Fui feito para te trazer conforto e não dor
Só peço que olhe os caminhos que vai
E cuide de mim pelo tempo que for
Menina, você me calçou muito bem
Assino, seu tênis, com todo amor
Hellen Otaviano
terça-feira, 6 de abril de 2021
O poema da missa
O que importa é amar a todos
O que importa é amar a todos
O que importa é amar ao próximo
O que importa é amar a Deus
Cantavam todos em coro,
Porém ao saírem
Comentaram,
Viram a roupa de Maria?
Ridícula, não?
Luiz Ricardo
segunda-feira, 5 de abril de 2021
sexta-feira, 2 de abril de 2021
Procissão da Santa adormecida
No andor se revela a razão da velha
bruxa vir ver as flores
toda hora nesta tarde,
longe de casa, na clareira que desce
Afinal, por ali passam monstros antigos,
o réptil labiríntico que
lhe recobre as decisões,
serpente do átrio que a fere na face,
seu demônio cortado engrandece-se
das outras, vampiro
de sangue velho,
derretido a cada falso perdão repetido,
assemelhado à cara da lembrança estuprada,
sua droga no bolso estragada
pelas garras fétidas,
vil espinhento com dentes corrosivos,
predador nas tocas, canta, depois arrota,
ele a engana, engata
mas ela vomita, esgana, e,
na lâmina, a carne podre do macho à cama
Árion Lucas
quarta-feira, 31 de março de 2021
Parto
terça-feira, 16 de março de 2021
Luto
O homem do meu tempo
é um maléfico animal bélico e irracional.
Movido por maquinações
abusa mulheres e crianças
pulsa dentro de si um coração recheado de insensibilidades.
No lugar de cérebro
Um cemitério de gárgulas à espera da carniça
do primeiro a desistir dessa guerra sangrenta pelo poder.
Abafada está a voz de Deus pelo homem bomba
que respira guerra, ingere balas e as vomita na boca de inocentes.
Somos todos rebanhos à espera da sangria.
quinta-feira, 11 de março de 2021
Habitado
Não habito
meus fantasmas
escondidos em armários
com portas e chaves
habito o desconhecido
álibi em criminosas
cenas e me afasto
na chegada da polícia
habito o hálito inconfundível
do demônio e o histrionismo
do ator entre cenas
habito o espaço
das paixões
arvoradas: assobio.
Pedro Du Bois
quarta-feira, 10 de março de 2021
Poemarço em Salvador!
POEMARÇO, a festa
A literatura, talvez por estar tão atenta ao presente, pode até adivinhar o futuro. E, assim, a pessoa que faz poesia é uma anunciadora dos tempos. Na cosmologia iorubá o orixá Exu é o instaurador de agoras. A ialorixá Stella de Oxóssi disse certa vez: “Exu quer só estar se movimentando, fazendo tic, tic, tic no ouvido dos outros”.
Se pensamos a/o poeta como quem inaugura agoras, esse tic, tic que ela/ele produz em nossos ouvidos são os chiados do nosso tempo. Poemarço existe para celebrar a poesia. Para celebrar a vida das pessoas que trabalham essa linguagem nos anunciando esperanças, delatando crimes, expondo feridas, sussurrando amor. Esse movimento de agoras é poesia e merece ser festejado.
Entre outras coisas, a arte é uma elaboração estética das linguagens em associação com uma compreensão política do mundo. E essa primeira edição de Poemarço é virtual por atenção ao nosso tempo. Vivemos no Brasil uma pandemia. Os movimentos para sair dessa situação são mínimos. Este evento acontece como uma cena artística que deseja ofertar vida em meio a esse caos. A arte pode oferecer, quiçá, algum breve equilíbrio ao mundo. É nesse mortal mundo pandêmico que Poemarço acontecerá como um lugar de encontros e trocas de vida.
É na poesia concreta, na poesia experimental, na poesia oral que buscamos inspiração para compor nosso evento. O poeta baiano Almandrade é o homenageado da festa. Os títulos das mesas, com poetas, tradutoras, tradutores, editoras e editores, os títulos das apresentações de poesia visual e das gravações de poemas, do sarau e da conferência de abertura são versos ou referências, e até mesmo títulos de livros dos poetas Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Gilberto Gil e da poeta Stela do Patrocínio.
As poetas e os poetas que participam dessas mesas e apresentações não têm necessariamente relações estéticas com essas e esses autores. A proposta do evento é exatamente estabelecer trocas e privilegiar a diversidade.
Poemarço se sustenta como uma festa atenta a discussões de gênero e raça e da presença e visibilidade de pessoas e de temáticas LGBTQIA+. Da festa participam mais de 40 poetas. Desse número, 75% são mulheres indígenas, brancas, e as negras são a maioria. Pensamos Poemarço como uma festa atenta a complexidade e diversidade das definições identitárias no Brasil. E que estabelece diálogos com a produção contemporânea de países de língua portuguesa, como Moçambique e Portugal. Do Brasil temos convidadas do Ceará, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Santa Catarina, Paraíba, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Com mesas de conversa, oficinas, videopoemas e sarau, Poemarço oferece cinco dias intensos de encontros com a palavra, nossa grande homenageada.
A festa tem apoio financeiro da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e da Fundação Pedro Calmon (Programa Aldir Blanc Bahia) através Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.
Luciany Aparecida e Mariângela Nogueira (Curadoras)
Mais em: www.poemarco.com
quinta-feira, 4 de março de 2021
Um poema de Yasmin Barros
o volume das horas diz que é tarde
mas o olhar ainda traz algum alento.
o copo de cerveja acaba lento,
a cachaça na boca já não arde.
o assunto na mesa se reduz
a fumar um e mais outro cigarro.
o silêncio sepulcral jaz no carro,
e a bebida, mais que eu, nos conduz.
nítido desejo, pulsão de morte.
não sei se na intenção de prolongar-me,
ou de adiar o momento maldito –
atiro-me aos braços de minha sorte,
em êxtase, a ponto de afogar-me:
o impossível queda no não-dito.
Yasmin Barros
segunda-feira, 1 de março de 2021
Que tempos são esses, Ignácio de Loyola Brandão?
quinta-feira, 10 de dezembro de 2020
Conta-se o conto até a última gota
Tudo começa e termina na vida com aquele som. O som líquido, aquático e cursivo comum às palavras. Do despertar nostálgico à indefinição confusa e infinita que compõe o léxico do existir. Às vezes me pego lembrando. Espera. Não. Sempre.
Tudo começa e termina na vida com aquele som. O som doce e molhado da sua voz. Acho que ali você nasceu. Gotejava palavras lânguidas como longas lambidas da língua. Linhas não são suficientes. Eu sempre fui um. Em algum momento fomos dois. Lembro do medo e de desconfiar que pudéssemos ser três. Ai, não. Espera. Há muito perdi a conta. Mas o que é que estava contando?
Algumas palavras gotejam na minha mente. Latejam sempre. Tanto, que as vezes me pego cantando. Espera. Não. Cantando o quê? Não, não, não. Tem que contar direito! Eu sei que você começou para mim em algum momento. Me lembro que éramos dois. Não. Três, finalmente. Acontece que nunca gostei de lugares cheios, mas tudo sempre começa e termina com aquela música. Qual era mesmo? Uma que você cantava e que me fez dançar também! Não, não. Espera. Já não consigo mais contar quantos cantam. Seríamos só nós dois?
Às vezes me pego lembrando. Mas quem era você? Não me vem à mente agora. É falha a memória. Talvez depois. Não, não, não. Espera! Lembro sim de um som. Era o som áspero e atordoante das suas novas palavras. Não consigo me lembrar o que você gritava. Você jorrava no ouvido. Doía. Doeu bem forte. Doeu duro. Profundo. Ali sei, naquele momento, que éramos dois. Dali sei que só restou um. Há muito perdi a conta. Mas, afinal, o que é que estava contando mesmo?
Às vezes me pego tentando lembrar onde você começou. Bem, não importa mais. Você escasseou e eu agora terminei.
Daniela Suarez Pombo
quarta-feira, 9 de dezembro de 2020
Três Riscos, poema de Arthur Henrique Martins
risco I:
se tu és o penhasco,
não desejo outra queda.
risco II:
entrastes em minha casa
e contigo toda poeira da rua.
mas viestes com espanador em mãos.
risco III:
corpo rijo em pendulares.
de um lado a outro, tu no meio.
conservado o movimento em newton.
até que o tédio dos ângulos opostos rompeu a corda.
o mundo não tem braços.
Arthur Henrique Martins
terça-feira, 8 de dezembro de 2020
Um poema de Leonardo Janeiro
o destino talvez não venha bater à porta
nenhum movimento que o anuncie
nada a que se chame instante
entre antes e além
o destino muito provável que seja isso
eterno estar aquém
à deriva sempre sem início
onde chegar não tem
quinta-feira, 9 de julho de 2020
Série de Leituras Abertas no insta do PB
segunda-feira, 4 de maio de 2020
Publique no Insta do PB!
terça-feira, 21 de abril de 2020
O papagaio
Uma vez ao meio-dia forte o meu fracasso ardia
Entre os livros tão banais que invejo não fazer iguais.
Como estava quente! e a luz do sol queimava Santa Cruz;
Quando o sono me é demais, escuto a impor os sons boçais
Golpes nunca assim cabais, à minha porta, os sons boçais;
Isto só - e nada mais!
Certo lembro-me era março - já sem grana nem disfarço -
Lia as críticas finais aos meus poemas tão formais...
Todas dizem - todas, sim! - que sou poeta bem ruim:
Meus fracassos são brutais, e agora ao ver vexames tais,
Todo um ego cai p'ra trás ao ver os seus vexames tais!
Golpes ouço - e nada mais!
É a dona de onde vivo - assim sussurro sem motivo -
"Ela deve ser, atrás de mim de novo, em dons astrais,
Quer as contas que eu não pago e sem carinho, sem afago,
Bate à porta em formas tais: batidas altas, sempre iguais,
São os sons que vêm mensais querendo quase mil reais";
Ela só - e nada mais!
Velha astuta, sente o cheiro quando ganho algum dinheiro,
Quer me dar lições morais - lições que julga vir dos pais -
Puto eu abro a porta, e o riso então agudo e sem juízo
Cai-me como nunca mais: na porta estava ali detrás
Seu José gemendo os ais de Cristo ao ler os seus jornais;
Seu José - e nada mais!
"Boa tarde, Seu José!" - lhe disse a rir, zangando-o até -
Nem responde e aqueles ais, ranzinza, geme a ler jornais!
"Quer ouvir poemas, Seu José, algum poema meu?" -
Ele apenas lê jornais e geme aqueles chatos ais...
Prosa tola ali detrás - e os sons agora aumentam mais!
Prosa tola ali detrás!
Para o quarto, então, voltando, sinto ainda os sons vibrando,
"São vulgares animais que batem na janela mais..."
Deles rindo agora, aos tombos, digo: "São aqueles pombos
Cujas caras desiguais se batem na janela mais -
São vulgares animais que têm as caras desiguais!
São os pombos, nada mais!"
Frente, pois, a tal janela, abrindo-a sem qualquer cautela,
Pronto, vejo ali detrás, no parapeito, em tons reais,
Um divino papagaio, que me olhando de soslaio,
Entra logo como um ás no quarto, e pousa bem atrás
De uma vela aos orixás - e, assim, dali não sai jamais;
Entra - e pousa - e nada mais!
Senta ali enquanto escrevo, e num arroubo assim me atrevo:
"Louro, as plumas tem reais, e certo ilustres ancestrais!"
Mesmo que isto não se faça, digo: "Qual a sua graça,
Louro de épocas reais?" Dourado e verde até demais,
Ele, de épocas reais, não vai me responder jamais!
Diz o louro "Quero mais."
Quanto gosto ouvir seu nome, enquanto o tempo se consome,
Já que um nobre aos serviçais não fala frases pessoais!
E esse louro fala-me algo que não diz nenhum fidalgo:
Fala o próprio nome e mais, o louro de épocas reais,
Pois ninguém ouviu sem ais de um nobre nomes tão vitais,
Quanto o nome "Quero mais."
Não se presta a movimento algum enquanto ao pensamento
Vêm-me as críticas finais dos meus poemas bem formais -
Eu murmuro alguns dos versos, vendo como são perversos
Esses críticos - e mais murmuro os versos bem formais:
Olho a vela aos orixás, e quando vejo ali atrás,
Diz o louro "Quero mais."
Tão surpreso com a fala que uma dúvida me estala:
São respostas usuais que seu senhor lhe disse tais,
Desse mestre, que corrupto, o tempo teve ininterrupto
Para lhe ensinar as tais palavras - tramas usuais
De um político que mais deseja verbas ilegais;
Tramas são o "Quero mais."
Para toda a minha cisma não olhar em um só prisma
Alto leio verso atrás de verso - e versos ancestrais -
Para a vela que me assombra, de onde vem do louro a sombra;
Pois espero instantes tais aflito como nunca mais,
Pois espero instantes tais olhando-o como nunca mais!
Diz o louro "Quero mais."
O ego se infla novamente, existe um louro que me sente;
Quem me criticou demais, o louro de épocas reais,
Dá na cara e pede bis - bem feito para os imbecis!
Meus poemas ancestrais eu leio todos sem rivais.
Quando findo os recitais, e não possuo um verso a mais,
Diz o louro "Quero mais."
Ora, louro, já lhe li aquilo tudo que escrevi,
Pede, pois, ainda mais daqueles versos ancestrais!
Não possuo e não consigo novos versos, louro amigo,
Vê agora que não mais possuo versos bem formais,
Vê agora que não mais possuo versos bem formais?!
Diz o louro "Quero mais."
Todos já lhe foram lidos - louro de hábitos polidos -
Pois, pergunto: "Foram mais mentiras brancas, cordiais,
Só falou palavras boas que esse mundo de pessoas
Já me disse tais e quais, de meus poemas ancestrais,
Pelas redes sociais; que quer de meus poemas tais?!"
Diz o louro "Quero mais."
Nessa frase encerra a fraude, o mundo finge quando aplaude,
Só palavras cordiais que desonestas são iguais!
Como ao Face me elogia numa frase tão vazia,
Diga lá, em tons reais, que quer nas falas cordiais?!
Diga lá, em tons reais, que quer dos versos ancestrais?!
Diz o louro "Quero mais."
Basta de cordialidades - nem mentiras, nem verdades -
Sejam as palavras tais, palavras pois então finais!
Não esqueça a sua pluma, mas não lembre estrofe alguma
Desses versos ancestrais, pois não possuo um verso a mais;
Vá, enfim, me deixe em paz, que exausto não aguento mais!
Diz o louro "Quero mais."
Sua sombra qual ruína - ou glória - vira a minha sina:
Quer os versos bem formais, e ao chão me pede mais e mais;
Pois agora bate palma, e quando quase não se acalma,
Para o chão me puxa mais, e em gestos sempre cordiais
Pede bis, e pede mais, e a minha vida leva e traz,
E esse bis - não quero mais!
Guilherme Ottoni
domingo, 19 de abril de 2020
Arquivo, poema de Frederico Spada Silva
Colecionava miudezas,
pequeno e íntimo
museu de fragmentos
coletados ao acaso —
como a própria vida.
Frederico Spada Silva
sábado, 18 de abril de 2020
Três poemas de Vinni Correa
Erotismo motivacional
mesmo com a imensidão
são as pequenas coisas
que crescem com o tesão
Milf
mama mia
mama tua
mama todos
Matador alfa
já que touro alvo
o corpo é a arena
o buraco é o alvo
Vinni Correa
sexta-feira, 17 de abril de 2020
Um poema de Alice Sant'Anna
quando faltou luz
ficou aquele breu e eu
com as mãos tremendo
morta de medo
de tudo se iluminar
de repente
Alice Sant'Anna
Alice Sant'Anna (Rio de Janeiro, 1988) começou a escrever com 16 anos. É autora de "Dobradura". "Pingue-Pongue", "Rabo de baleia" e "Pé do ouvido". Atualmente mora em São Paulo.
quinta-feira, 16 de abril de 2020
Guia, poema de Adalberto de Queiroz
A minha solidão desperta-me, convocando
a um retiro longo e silente —
no mar Cáspio, diante do imaginário.
Trama transporta-me célere
ao deserto de Owami. Sozinho, posso ver
as vidas dizimadas em aldeias africanas —
naufrágios variegados,
embarcadiços da Esperança.
Imaculee Ilibagiza segredou-nos
o desastre — salvados somos
Tu e eu, leitor irmão, à imaculada
Madonna Nera clamamos:
— Vinde Mãe Santíssima, em nosso socorro,
Valei-nos, Nossa Senhora da Guia!
Adalberto de Queiroz
Adalberto de Queiroz é autor de "Destino Palavra", Goiânia, 2016.
quarta-feira, 15 de abril de 2020
mulher de malandro, poema de Angélica Freitas
mulher de malandro
malandra é
vai dizer que não pode
ser verdade
os dois, marido e mulher
vivendo na malandragem
na maior malandragem
permitida pelas engrenagens
do sistema capitalista
não são zen, não são budistas
não tem trabalho à vista
e se têm, fingem que não veem
hoje não fazem nada
amanhã vão passear
e nem sabem quem foi o henry miller
Angélica Freitas
terça-feira, 14 de abril de 2020
matrioshka, poema de Caio Carmacho
você é como uma boneca russa
dentro de outra boneca russa
dentro de outra boneca menor
e russa
quantas personalidades uma mulher
pode ter?
só os futuros cientistas
poderão saber
em uma autópsia exata de sua psique
mas não saberão de ti
o que sei
o estrondoso momento
que precede os dias sangrentos
Caio Carmacho
segunda-feira, 13 de abril de 2020
Pneumonia, poema de Carlos Cardoso
Há em meu peito uma praga!
O que em meu ombro pousa
não é uma chaga que repousa
nem um filho mau
que advém da graça divina.
Em um lado do peito o catarro infiltrado
encrosta em minha imunossupressão
e me deixa artifícios para uma noite morte.
Quão assim sou elevado estranho?
Tamanha é a dor que revolta e me ilude
com a vicissitude de que a morte chegue
e com ela o deslumbrante alívio.
Tenho que dizer-te que viver para mim
é quase sempre um tormento.
Há quem comigo conviva
que diga que sou a própria morte,
pois, por tanto amar a vida,
quando ela, a morte, me convida,
em face do sofrimento que finda,
eu parto agradecendo a sorte.
Carlos Cardoso
quarta-feira, 18 de março de 2020
Novo Jornal Plástico Bolha: Edição Latino-americana n° 2
Barbara Brunbauer
Thiago Ferreira
Demetros Gomes Galvão
Gloria Regina Bandeira de Araujo
Thassio Ferreira