terça-feira, 23 de junho de 2009

O nascimento de Vênus, de Tânia Tiburzio

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Manhã de domingo, calor. Um leve incomodo no ventre. A noite havia sido agitada: sonhos e pesadelos, medo e excitação.
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Ela se levanta, uma estranha sensação percorre seu corpo, se olha no espelho demoradamente e meticulosamente. Apalpa seu corpo. Os pequenos seios se insinuam pela camisola fina. Os cabelos curtos mostram a curva do pescoço.
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Olha-se no espelho mais uma vez e se descobre bonita. Sorri.
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Os olhos faíscam, o ventre dói e ali no espelho, não mais se vê, é outra. Outras mãos, outros pés, outro ser.
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Vê-se mulher e o corpo se contrai bruscamente. Se contorce com a dor mas sorri e compreende que naquele instante morre uma e nasce outra.
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Morre a menina e nasce a mulher no sangue quente que escorre por suas pernas.
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Tânia Tiburzio
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domingo, 21 de junho de 2009

Retrato de uma Infanta, de Raquel Naveira

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Este é o retrato de uma princesa,
Uma infanta,
Que jamais foi rainha
Mas que guarda
Na palidez da face
Uma tristeza oculta,
Um sofrimento
Que a torna imortal
E santa.
O retrato da princesa,
Pequena infanta
Vestida de negro,
Diz que ela nunca se casou,
Que sucumbiu
No auge da vida
A uma febre,
A uma chama
Que a consumiu
E fechou-lhe a garganta.
O retrato da princesa,
Pobre infanta,
Mostra um corpo frágil,
Uma cabeça erguida,
Uma testa ampla,
Gerada por príncipes,
Talvez das Astúrias,
Há no seu olhar
Um fascínio que encanta.
No retrato da princesa,
Um espelho ao fundo
Devora a sua imagem,
O seu sonho de infanta.
Seria ela Margarida?
Amélia?
Maria?
Teria sido solitária,
Exilada,
Sem reino,
Sem destino,
Decapitada?
O que há nesse retrato
Que tanto me espanta?
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Raquel Naveira
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quarta-feira, 17 de junho de 2009

Uma escrivaninha “abandonada” no museu de Guimarães Rosa, por Fabiano Mafia Baião

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Num domingo do mês de abril, quando estava em Codisburgo, na casa de um grande amigo, fui ao museu de Guimarães Rosa. Acompanhava o Rodolfo e a Ruth, sendo que o primeiro fora até este para pegar sua bolsa, e assim, retornarmos à Belo Horizonte.

Na porta do museu, que é assentado na casa onde o escritor quando menino morou, postei-me a observar sua estrutura física de uma época já antiga, e que remetia aos olhos os tempos de meus avôs e das “molecagens” de Guimarães.

As portas e janelas de madeira, as hastes na parede que traziam luz, o conjunto em si embelezavam a mente na percepção da beldade vetusta, isso, me deixou com um ar de inveja, por só agora ter estado ali.

Já no interior, aproveitei para vasculhar um pouco sobre a vida do autor. Contemplei fotografias antigas na parede, em seu quarto, a cadeira de balanço que embalava sua imaginação, a cama onde muitos sonhos repousaram e na mesinha que avistei ao lado, as gravatas que o engomavam, no outro canto, o armário onde seus ternos descansavam.

Mas coleando pelos cômodos, cheguei até uma salinha onde havia uma mesa, toda de madeira, grande e de extrema lindeza, na parede só pude observar um quadro que expunha o certificado da Academia de Letras do escritor, e a data a qual este virou “imortal”, 16 de novembro (lembro-me bem desta pelo fato de se tratar do meu dia de anos). No mais, nada prendia meus olhos, pois o ar de mistério daquela escrivaninha planava por quatro paredes, e vestígios de ocultação me chamavam à atenção.

Pus-me a rodear aquela mesa, objeto que pertencia a sua biblioteca de seu apartamento no Rio de Janeiro, quando de repente bafejam em meus ouvidos: Foi em cima desta mesa que o encontraram morto! E mais tarde, já em Belo Horizonte, vim a descobrir que ele foi encontrado debruçado e já falecido pela neta, no dia 19 de novembro de 1967 na “cidade maravilhosa”, morte que adveio de um malfeitor anti-literário, o infarto.

Quando fiquei a sós no recinto, e de olhos presos em indagações de tudo que se passara naquela mesa e cadeira, notei que lágrimas escorriam da madeira, mas não eram lágrimas de tristeza pela morte do poeta, mas de saudade dos velhos tempos em que ela e o escritor eram grandes amigos, dos tempos em que os estros de Rosa eram em sua companhia transcritos, dos tempos que servia de aconchego para embalar devaneios. O poeta havia lhe abandonado, estava ali deixada às traças, e nem um outro, ousou até então, lhe dizer um poema, lhe contar uma estória, para acalentar seu pobre coração que aparava-se em desespero e agonia.

De olhos tomados pela emoção, sentia que era meu dever, não podia deixar uma agonia perdurar por mais de 42 anos, então, fui à busca nos bolsos de minha calça de um poema, era impreterível, e na minha mão, meu poema - Guimarães Rosa vive em odoríferas rosas - surgiu, e foi quando comecei a recitar que a grande Rosa, de minha boca, baforejava aquele aroma pelo cômodo e partículas de sua essência poética apascentava-se na superfície da vetusta madeira, e no reencontro com o poeta, enfim poderia viver em delírio.

Retornei para Belo Horizonte com um ar de tranqüilidade, pois o abandono, feito pela maldade do humano, havia sido suprido, não por mim, mas pela poesia que tinha a grande Rosa, pois nela, tinha um pouco de Guimarães Rosa.
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Fabiano Mafia Baião
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segunda-feira, 15 de junho de 2009

cadente, por Danilo Maia de Oliveira

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Eu fui às asas e o voou
cadente
Fui caminho entre rios
perdidos
Fui a jornada e o abrigo
Da escuridão
Ferida e consolo
Das velhas chagas
Fui mistério e desvendado
Em sua mente
Fui veneno e poção
Para teus filhos
Fui à guerra e a rendição
Da massa
Sangue lagrima e lamentação.
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Danilo Maia de Oliveira
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brincando de nada

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saltita no lago
a pedra depois submerge
dois olhos no vago
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Octávio Roggiero Neto

quarta-feira, 10 de junho de 2009

DESAFIO POÉTICO: haicai por Marcos Queiroz

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Além da fronteira
Continua sempre o mesmo
O Verde sumindo
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Marcos Queiroz
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sexta-feira, 5 de junho de 2009

Henry Miller, novo poema de Luiz Coelho

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entre as pernas, dínamo,
e diante de si, em suor, a 66,
além do desejo de atravessar,
aos arranques, a fronteira
que me traz de volta ao Pacífico,
mesmo que o meu mar esteja
vermelho (ou seja isósceles o triângulo
da bermuda de velcro e os quebra-molas
provoquem cancros) lubrifico teus trópicos
pronto pra romper primeiro
o áspero asfalto dos anos
a seco.
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Luiz Coelho
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terça-feira, 2 de junho de 2009

segunda-feira, 1 de junho de 2009

pro seu baile à fantasia, de Valquíria Rabelo

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subo escadas pra cuspir do alto
do mais alto que puder
e não sou homem,
e não masco tabaco

escavo a descida escarrando alturas
até doer
até ser delícia

amarro meu pé em minhas meias
passo boca no meu batom
pra cair na sua piscina
de terra seca e azul
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Valquíria Rabelo
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