terça-feira, 11 de junho de 2013

Entrechocados

                
                Para que algo em nós possa nascer a cada dia, uma parte nossa precisa também, a cada dia, morrer. Não haveria espaço se fosse de outro modo.  Nós somos um campo de batalha. Tudo em nós luta para nascer, para perpetuar-se, para morrer. Os nossos átomos lutam entre si, sem cessar, chocam-se e as faíscas são sentidas por nós, às vezes mais, às vezes menos.
                Um dia eu me vi, atônita, perguntando o que é isso que permite aos corpos se manterem eles mesmos, eu achava que o natural seria tudo se desintegrar, nenhuma partícula deveria manter-se unida a outra. Os físicos, claro, apresentam suas teorias para explicar o que é isso, mas nenhuma delas tira o espanto deste momento: olhar um mísero copo e ele ser ele, formar um corpo. Ele está unido ao todo, mas  mantém uma individualidade em relação aos outros corpos, não se desintegra.
                Algo muito assombroso acontece no interior da matéria deste copo. E no interior de um ser vivo que se degrada e se cria a si mesmo constantemente, o mistério é ainda maior. Meu coração pode disparar a qualquer momento e também pode parar; cada célula minha tem um tempo de duração, precisa morrer para dar chance a outra que quer nascer; com uma forte emoção, provocada, por exemplo, por uma música, os meus pêlos eriçam-se, tal como acontece com os de um gato. Quer dizer, não sei como se emociona um gato, talvez ficando irado. Ele jamais esconde seu medo.
                A nossa luta atômica é bem mais violenta que a deste copo que agora vejo belo. Tanto é que as montanhas morrem se degradando por fora, erodindo; e nós, por dentro. Não é um tiro no peito que nos mata, é o nosso peito.
                Sim, têm horas que a tensão é tanta que o nosso peito explode, não se aguenta e degrada a si mesmo. A emoção, um pensamento, é um paroxismo, a duração estendida de um instante terminal. É o aborto da morte que vive eternamente em cada menor partícula de cada um de nós. O arrebatamento é a consciência da morte, uns a assumem mais, outros, menos. As partículas não mentem.
                Mas o pensamento, uma emoção, convoca toda a sua ação, mesmo sabendo que vai então sucumbir. Reúne toda a força da sua morte para agir. Quanto maior a morte em mim, maior a vida que vibra dentro e fora de mim. E pelos quatro cantos do vento batem forte as asas da nossa morte.

Bianca Vilhena



Bianca Vilhena é nossa colaboradora e mestranda do curso de Filosofia da PUC-Rio.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Ocasião


Procurava na praias, nas estradas, nas calçadas
mas foi entre uma janela, um corredor e uma escada
que avistei casualmente minha outra suposta alma

no cabelo trança, no corpo sardas dentro de um vestido azul
tão bonita que para certos trouxas, quase imaculada
com olhar periférico para pessoas apaixonadas

Não era difícil deixar-se levar por sua filosofia barata
de havia um sentido para cada acaso
e que existiam mais respostas aqui na terra do que em todo o espaço

mesmo resistindo
minha razão por completo imergia
na fábula sentimental que ela criara

Capturado através de métodos
do qual um homem não pode fugir
naquele dia me tornava mais um

vulnerável aos caprichos de uma mulher
e imune aos enganos do amor

Fernando Maia



Fernando Maia é nosso colaborador da Ilha do Governador, Rio de Janeiro.

sábado, 8 de junho de 2013

Sobre meus amantes


Após muito pensar percebi que sou uma mulher de muitos amantes. E isso me faz quem sou. Eu não me importo com o que dizem as más línguas, afinal a vida é minha. E, apenas me entrego aos meus pequenos devaneios que me levam ao desfrute do meu pensar. Pois, nos meus domínios eu sei que se estiver com um pela manhã, quando o devoro, brevemente, sei que estarei livre e, logo, terei outro. E, neste vício, à tarde já serei de outro.

Eis-me inconstante nesta minha fome insaciante que alimenta loucamente meus delírios. E, aquém dos meus desejos fartos, logo encontro outro amante. Essa loucura permanente me conserva a sanidade alimentando este desejo insaciável de colecionar amantes. E sim, é muito recompensável sentir meu vício sendo saciado à medida que minha mente se alimenta com furor da vitalidade do que me sacia. Porém, não penses que me entrego à promiscuidade do sentir enlevada pelo prazer da carne. Este meu vício é simplesmente uma febre que mata minha sede.


Não antecipe o seu pensar por eu falar abertamente de minhas aventuras (errantes? Creio que não) elas são apenas uma parte vibrante de mim que se sobressai no meu eu. Meus secretos e secretos amantes, embora se amontoem, não reclamam deste meu vício entorpecente, pois eles ganham vida, justamente, quando se entregam a mim e, assim, eu ganho muitas vidas ao mergulhar sem receios nas páginas de suas histórias viciantes. E, em cada página eu encontro um motivo a mais para continuar colecionando meus virtuosos amantes a cada livro que possuo.

Elãine Fernandes



Elãine Fernandes é nossa leitora e colaboradora de Arapiraca, Alagoas.

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Curta o Plástico Bolha no Facebook!



A página oficial do jornal literário Plástico Bolha no Facebook acaba de ultrapassar os 1000 seguidores. Para comemorar a marca, nada melhor do que continuar o trabalho de publicação de prosa e poesia nas mais variadas midias. Curta, siga, leia. Escreva, envie e participe!

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O copo está caindo...


O copo caiu. O trânsito estava insuportável como de costume. Elogios em meio um paraíso automobilístico, com a paisagem vibrante da cidade cinza. Chegou em casa e, com gotas de suor ziguezagueando pelo corpo adentro e afora, só pensava em tomar um banho, bater um prato de arroz com feijão e procurar sua mulher. Porém, o que encontrou foi uma louça suja, baratas rondando a mesa e uma pilha de contas. Sentou-se. Colocou gelo no seu copo de pinga. Ai que alívio. E fechou os olhos que se misturavam em meio aos delírios de um bicho cansado.

O copo caiu. Deu início a uma tremedeira, suor, suor, palidez, e aos poucos pernas, braços, corpo foram ficando fracos, bambeando e resistindo os últimos segundos. Era uma terça à noite. Não tinha ninguém em casa, pois já havia perdido todos os queridos por conta das agressões e surtos. E assim, foi perdendo os últimos motivos para continuar vivendo o que lhe restava. O copo caiu. Os gritos eram gritos de silêncio, ou pelo menos as almas que habitavam o prédio silenciavam os gritos do Homem. O socorro já lhe era inútil. O copo caiu. Assim já estava totalmente travado, agora todo o ódio e o rancor que guardara por anos tomava seu corpo e o imobilizava como uma criança sendo entrelaçada por um enorme rolo de fita isolante. O copo caiu. O copo quebrou, se estilhaçou e o Homem também caiu, quebrou-se e estilhaçou-se.

Felicio Dias

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Inquilino do sol


a sombra que se gasta
a morte não me basta
inquilino do sol
procuro a chuva
para fundir o poema
em complexa elisão de astros
que se desbastam no solo
ventre aberto, exposição
de palavras ao vento
recolho com a vassoura
as folhas-metáforas
que engolem a chuva
no dorso da terra
primordial sono
na boca da esfera
em correntes de letras semiabertas
para o sopro do universo
planetas giratórios
fazem festa no papel do artífice
em estrutura interiorizada
qual pérola dentro da concha
delicada veste esconde
uma armadilha
para os pássaros famintos
que voam sem direção
para as mãos
do inquilino do sol


Alexandra Vieira de Almeida

A Fisioterapeuta


Seus ombros, um pouco finos e um tanto quanto largos para sua estatura baixa, pareciam carregar um daqueles antigos vestidos usados nos anos sessenta, muitas vezes confundidos com os clássicos uniformes de empregada, branco e preto, justamente por serem amplos nos ombros e nas ancas de suas portadoras, mas que, afinando delicadamente a cintura, dava um ar de sensualidade, como a mulher violão do poetinha; não clássica e divina como um Stradivarius, nem pesado e grave como um violoncelo, mas sublime e poética como um violão.

Seus olhos, embora castanhos, possuíam um brilho de um diamante negro recém forjado que condenavam muito mais do que os próprios olhos, chamados por muitos de janelas da alma, poderiam, ou deveriam, demonstrar naturalmente. Condenavam, por trás de toda a segurança de uma mulher no cimo de sua maturidade, uma fragilidade infantil que suplicava, através do forte brilho, como uma criança recém nascida que só tem o seu choro para exigir o quinhão de leite, por um socorro, um abrigo, ao menos um colo onde pudesse repousar sua angústia. Como o brilho encarregara-se de exibir suas aflições, seus olhos, em segundo plano, ficaram responsáveis de demonstrar, através de sua bela e singela silhueta, não só a força de uma mulher sonhadora, movida pelo mais puro sentimento cristão, mas também a imagem de uma mulher sentimentalmente firme. E para provar esta firmeza, aliava-se a eles um lindo e inerte sorriso. Inerte, não por uma falsa simpatia geralmente vista nas atrizes diante das câmeras jornalísticas, mas por uma serena chama de esperança que nunca lhe faltara oxigênio.

Sua voz, nem grave e nem aguda, mas branda, como se servisse de base a uma grande orquestra de Mozart, fazia-me entrar numa espécie de encantamento do qual nasciam os sons dos demais instrumentos, e assim, fazendo completa a orquestra. Rica em parciais harmônicas, sua voz se tornou uma peça principal em minha orquestra vital, pois eu obedecia ao menor sopro dado por ela, copiando os demais instrumentos de um concerto que se afinam ao comando de um oboé.

E foi exatamente assim, naquela pequena sala de espera do terceiro andar do instituto Geni Faria, que eu me senti completamente enaltecido ao conhecer a bela fisioterapeuta que me atendera, logo após ser chamado a sua sala de atendimento. O dia agitava as cortinas, e entre as arestas formadas pelas suas longas camadas, o sol tentava, com seus raios de luz, admirar toda a beleza daquela mulher. O atendimento foi rápido e prático, como toda a primeira consulta de avaliação de um paciente. Quando sai de lá, senti um grande prazer por tê-la conhecido, misturado com uma imensa dor, causada pelo medo de que o destino, por algum acaso infortunado, impedisse-me de vê-la novamente.


Voltei à rotina de meus dias insossos, mas não mais vagos, pois quando lembro-me de tudo, principalmente dela, este antigo vazio é preenchido com a sublime suíte número três em ré menor de Bach, que começou a tocar desde o primeiro momento que a vi, naquele hospital e que, ironicamente, parece ter “concertado” a minha máquina de sonhos...

Augusto Procópio

terça-feira, 4 de junho de 2013

Liberdade vigiada, liberdade escravizada


“Sorria, você está sendo filmado” – alerta o sarcástico sorriso amarelo. Por vezes ao ler o aviso questiono-me se de fato somos livres ou se o conceito de liberdade não passa apenas de uma doce e mera ilusão. Se por um lado escravidão é a ausência de liberdade, por outro, a ausência da escravidão em si não nos torna, necessariamente, livres. A nova escravidão não carrega mais consigo correntes e grilhões, ela entra sorrateiramente em nossas vidas disfarçada de “Grande Irmã”.

Tenho a infeliz oportunidade de presenciar a concretização do presságio orwelliano e ver o seu grande vilão – Big Brother – tomar forma e cor no mundo real. Não refiro-me aqui ao deplorável reality show idealizado pelo holandês John de Mol, cujo formato se alastrou feito praga pelos cinco continentes, incrustando-se, ao que parece, em nossa televisão brasileira há mais de uma década.  Refiro-me sim a um dos maiores personagens de ficção criados pela literatura britânica. Trata-se do brilhante romance, com viés político, intitulado “1984”, de Eric Arthur Blair sob o pseudônimo de George Orwell.

A obra produzida em uma época (1948) em que a Europa e Ásia eram dominadas pelos regimes totalitários de Stalin e Hitler – aliás figuras de inspiração para a produção da mesma – busca alertar seus contemporâneos e futuras gerações para os perigos do totalitarismo. Orwell retrata uma sociedade, cujos cidadãos são vigiados em tempo integral e em todos os locais através das teletelas (aparelhos que transmitem e captam som e imagem) sob a liderança do onipresente “Grande Irmão”, sendo constantemente lembrados pela frase propagandística: “O Grande Irmão zela por ti”.

Diante da realidade que vivemos hoje podemos dizer, sem hesitar, que Orwell foi acima de tudo um visionário da sociedade contemporânea, que vive em meio a uma liberdade vigiada. Por causa de um poder público inoperante, que não consegue combater as ações criminosas e violentas garantindo assim a segurança dos cidadãos, tornamo-nos condescendentes com o uso de uma tecnologia que propicia a vigilância total de nossos atos, aceitando inclusive a invasão da nossa privacidade. Somos vigiados nos estabelecimentos que frequentamos, nos condomínios que moramos, nossas conversas podem ser gravadas, nossos veículos monitorados, tudo em prol da própria segurança. Esta vigilância constante expõe justamente as condições de insegurança às quais estamos sujeitos, vivemos a era da desconfiança absoluta, cujo maior inimigo é o outro.

Diferentemente da ficção de George Orwell, o nosso inimigo não é visível e pode ser qualquer um ao nosso redor. Temos assim, como consequência mais desastrosa, um isolamento crescente do indivíduo, propiciando um comprometimento das relações sociais. Vivemos a era da globalização, não há mais fronteiras nem limites para comunicação e veiculação da informação, entretanto, paradoxalmente nos tornamos cada vez mais solitários.

Somos constantemente bombardeados por notícias de violência que acabam alimentando mais ainda os fantasmas e temores da insegurança física e emocional que nos assola. Criamos as nossas próprias “teletelas” com a intenção de zelarmos por nós mesmos, o grande problema agora está em se enxergar a linha tênue que separa a (falsa) ideia de proteção, da violação e invasão de privacidade.

1984” serviu para nos alertar sobre as consequências que um Estado totalitário pode acarretar, resta-nos saber quais são os efeitos que uma liberdade vigiada pode causar em uma sociedade como a nossa.

Liege Karyj

Evento na Casa de Cultura Mario Quintana



Sábado, 11 de maio de 2013, 16h

Casa de Cultura Mario Quintana
Rua dos Andradas, 736 – Centro
Porto Alegre – Rio Grande do Sul
Brasil

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Plástico Bolha em Miracema - RJ


Estas são algumas fotos do jornal Plástico Bolha sendo distribuído em Miracema, no interior fluminense. Em uma parceria com os amigos Paulo e Giselle do Ponto de Leitura Barraca das Letras, os exemplares do jornal ficam a disposição do público, sempre interessado em conhecer novos autores e escritas. Valeu, Miracema!





Imagens secas (dez por um)


Dos corpos sugados pela paisagem ensolarada e inimiga
Dos corpos, o sangue ausente por culpa do rei...
Dos corpos que compõem a paisagem pálida, sem vida
Do império do espaço sem expectativas
Do horizonte ameaçador do amanhecer
Da penumbra tristonha e esperançosa ao entardecer
Da secura dos olhos mesmo ao chorar
Da amargura na boca sempre suplicando
Do ar quente enchendo os pulmões sem misericórdia
Daquela pele cinzenta em cima da carne sem vida

Do silêncio atormentador dessa vida
Das imagens ilusórias de fartura na falta
Do caminhar na direção dessa falsidade
De pedras até por água suplicantes
Do céu azul sem a graça de alguma divindade
Da fé concentradora das últimas energias para salvar-se
Daquele punhado de nada e comê-lo sorrindo
Do cantar solitário (grito?) da asa branca de triste
Da fina poeira levantada da realidade

Da formiga carregando esperança no seu libertário tempo
Do cacto sem fé, mas resistente ao terreno difícil
Da nuvem cheia passeando com essencial de se viver
Do vago estômago debruçado e fraco na terra
Da falta de tudo do que nasceu...
Do descrer de todos os animais perante o criador
Do sol-rei desassossegado com o calor desse mesmo
Do ser humano com ar frágil e singelo
Do olhar fixo num horizonte perdido
Das imagens secas contra a imagem vívida e esperançosa desse poema...

Ruberval Silva

domingo, 2 de junho de 2013

Story 3 — poema de Luiz da Franca


Um sotaque francês
Ela pede chá
Ele diz que é noir

Ele, bem carioca,
quer café
Expresso?
Não, não... Pode vir com calma

Luiz da Franca

sábado, 1 de junho de 2013

Lançamento de "O Brasil em Uníssono"


Convidamos nossos leitores e colaboradores para o lançamento do livro "O Brasil em uníssono — e leituras sobre música e modernismo", da nossa saudosa amiga e colaboradora Santuza Cambraia Naves. Será na próxima terça-feira, dia 4, no POP, no Jardim Botânico. O evento ainda contará com uma conversa com Helena Bomeny e Eduardo Jardim.


Última Carta


E se eu te disser, meu amor
[amor, sim, amor-amor, impuro, verdadeiro, amor até a última casca de futuro, até gastar o]
, que a manta negra que nos cobria
[nos empurrando para o penhasco das palavras duras que não querí]
, se eu te disser que: tudo pó? Ou: nem pó, fumaça?
[não, não, não, o calor sólido dos corp]
Fumaça luzidia e preta dispersa na fuligem dos ônibus e no gás metano das vacas e no escape dos banheiros públicos; bem-casado de vapores no veio sujo das cidades.
[o nosso para-sempre numa nuvem de mort]
E sem nem isso? Nemisso soprando mudo no cabelo imóvel da menina.
[mas... era... havia...]
E se eu nem disser?
[... amor.]

Vivíamos um fim de tarde: bonito e fadado
[um para-sempre solar, um caldo grosso de delícias, um estrondo desmedido, um]
, uma morte aquém-túmulo.

Pois eis o túmulo:

.

Ana Maria Vasconcelos Martins de Castro


Ana Maria Vasconcelos é mestranda em Literatura Portuguesa pela UFRJ e conheceu o Plástico Bolha através da Revista dEsEnReDoS

O blog do Plástico Bolha está de volta!


Depois de um período de recesso, o blog do Plástico Bolha está de volta a ativa! Em breve, você voltará a ler aqui os melhores contos e poemas da nova geração de escritores. E, também, ficar sabendo das últimas novidades sobre lançamentos, eventos e atividades do nosso jornal!