segunda-feira, 30 de junho de 2014

Epifania


(Como quem, entrão, sabendo
que não será proibido, invade
sem pudor um ambiente, tiran-
do a calma de quem ali está)
a borboleta entrou
no túnel.

É um longo túnel.
O trânsito está parado sob aquela gávea azul.
No morro onde se cavou o caminho: verdes, árvores
Nele: fumaça fumaça fumaça
Muita gente a caminho do trabalho, como a borboleta.
Suas asas tão loiras, batendo, são como as rodas do
meu ônibus: incansáveis, desesperadas...
buscando o quê?

ficou pra trás, ignorada por todos.
Suas asas, ao fim, negras como as paredes do túnel?
O pulmão e a vida de todos nós enegrecendo naquele lugar,
enquanto a borboleta desliza seu último vôo
contra um século convulsivo.

João Fernandes

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Lugar nenhum



Exposição Lugar nenhum, do artista plástico Barrão.

Hoje, a partir das 19h na galeria Fortes Vilaça - São Paulo/SP.

Mais informações aqui!

Trovar escuso


I.
o prisioneiro será conduzido
uma câmera colocada no teto esquerdo da sala
outra instalada no centro
depois de meses
aquele será o seu primeiro interrogatório
ele foi treinado.

como sobreviver a um interrogatório
militar
como obter o tom certo
atuar o fardo
encontrar o dizer
(a culpa exige ser dita, não existe se não o for)

na cena do interrogatório
adrenalina
preparar o corpo para o grande esforço
pela colaboração de especialistas
em arrancar
travar
pergunte lentamente
repita repita subindo o tom
silencie o pulmão
e saberá empregar tudo
será perfeito em sua atuação
para cada interrogação
exercícios
um interrogatório será um teatro
(e poderá se passar em Guatánamo, no Oriente ou bem perto daqui)

entoar
uma música
uma unha
gritar
raspar
entregar seu corpo meticuloso à tortura

(ele deverá dizer o que não está mais em seu coração
dizer pelo sofrimento daquilo que deveria desejar
e foi treinado para não dizer dizendo)

repetir antes para a câmera
(sua dócil plateia)
seu corpo de torturador o torturado estará bem preparado
torturar a voz a impostação da voz
o grito
tocar lentamente perfurar em ziguezague
fazer sua língua soltar
percorrer arrastar
atingir o palco puro
silenciar.

II.
aí .... posta no mundo? … ... do sangue?
em seu .... confessa ... mutilação?
a Pátria, … é?

… ..., aí antes da hora ...dito?
pequenos pedaços de mulher? tudo
… é Religião?

me diga... inimigo?... fugiu
... infiltrado? ... não importa?
o Capital, …?

pai… mãe… fantasmas? vestígios?
organização?… mentiu ... digam
as Armas, ah é?

Masé Lemos


Masé Lemos é leitora-colaboradora do Plástico Bolha, e tem outros textos publicados na edição impressa do jornal! 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Curativo


Sangue no rosto,
tapa na cara,
um suor pela testa.
Olha pela janela, sofre o que dá,
fuma o que dá,
cospe no chão.
Sangue no rosto,
corte na boca,
uma mão de apoio no queixo –
e na alma.
Enrola a vida,
finge que vive bem;
enrola o tempo,
fala que ainda tem.
Com sangue no rosto,
um tapa na cara,
um corte na boca
e apoio na alma.

Galego


Confira outro texto de Galego no blog do Plástico Bolha!!

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Tractatus Poetico-Politicus


De novo Junho, sob a espessa névoa,
Quando o Rio a irradia, ou quando escrevo a
Sua insistência, somos. Negais, escravos,
Que ainda tereis de serdes cruéis e bravos
E, pios, colherdes balas de borracha
Como conchas intactas ? Ninguém acha,
Creio, nesta plantação que semeio,
A violência apenas fase, meio,
Trânsito fluindo (e por vinte centavos
a menos) ao que vos abula, escravos,
A condição, e o orgulho da pele,
Digo hematomas belos, vos debele.
Almeja-se outra do rasgo em que vem-se à
Terra, e a fenda chamo violência
Que em saltá-la propõe maior vazio
Pra sofrêgos transpormos, tal Dario
Desmantelado ante Alexandre hilota.
Postulo a violência como rota
De Samarcanda e aos confins da seda
E ao pothos que ao seu largo lhe suceda.

Assim importa, nos colégios, luta
Co'os PMs da consciência absoluta
E mata-se, e há de matar-se mais
No galgar-se estas eras abissais.
Assim, o alvejado de amor entrega
As chaves viciadas, como quem prega
Lenha a lenha de uma armadilha oca.
Assim a minha prosa carioca
Sulcada, cicatriza na vitrola
Onde, pra renovar a língua, a viola.
Assim, que hoje o excesso no ar angarie-te
Entre o limes do monte e o mar, aríete
Batucando a febre aos portões do império,
Mesmo ignoto quem por fim recupere o
Teu destroço, Rio, tribo de germanos,
A pesar se leal aos Majorianos,
Se aos chefes teus brutais, se ainda ao saque
Ou outra alta poesia ; mas destaque
Dado o campo em que és forro e ninguém quis la-
vrar, oh com que soberania legisla
Tua fúria e fome na espera (requinte!)
Da pena em cada mão constituinte,
Das bênçãos que imperadores outorgam...

Se a tua maça sem nome eleita orgão
Executor da máxima censura
Nos devolve a violência que cura
Banco, cartório, jornal, toda triste
Paixão sobre o que deseja e resiste
E amaria e comporia na insurreição
Rapsódia infinda de como reis são,
Assim pare-se o Novo, assim impede-se
O brinco de Sarney, o anel de Médici.


Marco Passini

Segunda


segunda-feira e o prognóstico da semana, o recomeço sempre à espreita, o bote dos dias úteis. o metrô e seu humor negro diário, sua piada de mau agouro. as pessoas paramentadas de bolsas, documentos, rugas na testa. as pessoas e seus itinerários urgentes, intransigentes. as pessoas. ------- eu.



Vivian Pizzinga é leitora-colaborado do Plástico Bolha, e tem outros trabalhos publicados aqui no blog!!

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Um poema de Gabriel Gorini


esse meu parapeito meu inferno
astral que se destaca nas
sucintas imagens celestiais
que se cobre em convulsões
maternas que abdica dos
espíritos primevos que se
fere em deslocamentos
amorosos em paixões
abortadas pela intempérie
já ninguém quer dançar
comigo esse meu parapeito
meu inferno astral que aceita
argumentos solúveis que
silencia os comboios partidos
que não comunga em paredes
encobertas que distancia qualquer
forma de afeto esse meu
parapeito meu inferno
astral que na dúvida retrai
a maré que no medo repele
ladeiras que no ímpeto
oculta os anseios esse meu
parapeito meu inferno astral
que não cessa em preces
convexas que corta o cabelo
curto ainda me pergunta se
eu acredito nas estrelas

Gabriel Gorini

terça-feira, 17 de junho de 2014

Paixão de Cristo é cancelada


3 da manhã. A polícia surge como um bando robótico, andando em uma calma formação de quem segue as ordens sem pensar, sem sentir. Não, não para pra pensar. É só manter o movimento, um, dois, um dois. Enquanto isso, famílias inteiras correm pra salvar o que restou das suas vidas. É, não sobrou casa, não sobrou teto. Não sobrou praticamente nada. Só o medo. O medo e a vontade de vencer.

O que eu vi na madrugada de sexta foi uma covardia sem tamanho. Sem. Tamanho. Dava pra ouvir o choro e os gritos das crianças. Vinde a mim as criancinhas, não era isso que Jesus dizia? Mas hoje Jesus morreu. E seus filhinhos não têm pra onde ir. As pessoas correram para o ponto de ônibus. Queriam ir embora, vamos fugir, aqui não dá pra ficar. Elas iam embora. Pra onde iam? Que diferença faz? O que conta é que estavam deixando o cenário. A digníssima prefeitura. Um prédio: tijolos, vidros e tinta – protegidos por dezenas de guardas. Noventa pessoas: sangue, pernas, amor e lágrimas – atacados e perseguidos por dezenas de policiais. E essas pernas não têm pra onde ir. Elas têm que ir embora, estão sendo expulsas, não te querem, saiam! Mas não podem ir, não deixam que vão. São perseguidas, não acaba, corre, corre, me deixem em paz, deixem elas em paz, só querem ir embora, por que não nos deixam em paz. Corre, viciado, corre, vagabundo. Um riso de deboche, uma bomba de ameaça, um, dois, não pensa, não pensa, um, dois.

Elas não podem ir, não podem fugir, vamos, parem de existir. Respira fundo, pra dentro e pra fora. Vai pro céu, vagabundo, deixa de existir. Teu mundo não é esse, vai pro reino de Deus, e Jesus, o morto, o pobre, o subversivo, o perseguido, o excluído, ele que te acolha.

Horas de perseguição. Pessoas chorando, com medo, com frio, com sede. Perambulando pela cidade escura e inóspita. Essa cidade que só quer cuspi-las. A peregrinação, uma caminhada sem fim, segura tua cruz, vai, segue, não cai, não cai. Chegamos ao destino, a casa de Deus, aqui hão de te acolher, vai, não cai. Mas a casa de Deus fecha as portas. Não ficaram sabendo, a Paixão de Cristo foi cancelada. Não há Paixão e não há Cristo na Igreja do Rio de Janeiro, ela vê os necessitados e lhes fecha as portas. Vai, anda, aqui não é teu lugar. Não, essa não é a morada de Cristo, não vê, ele está lá fora, acampado no pátio. Cristo está ali de novo na cruz, ainda sendo perseguido. A Igreja fechou as portas para ele e sua Paixão. Cristo está desabrigado.

Bruna de Lara

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Fuga de Alcatraz


e de repente a gente arrisca
risca o fósforo sobre a monotonia
tchau colchão
zona de conforto
falsa alegria



Caio Carmacho é leitor-colaborador do Plástico Bolha e já teve outros trabalhos publicados no blog do Plástico Bolha. O poema Fuga de Alcatraz é parte do livro livre-me (Patuá, 2013).

Lançamento Antologia PB na Livraria Cultura



No último domingo aconteceu o 2˚ lançamento da Antologia de poesia Plástico Bolha (OrganoGrama, 2014), na Livraria Cultura de São Conrado, Rio de Janeiro - RJ. Tivemos as leituras de alguns autores participantes: 

- Ana Chiara
- Claudia Roquette-Pinto
- Marilena Moraes
- Maria de Andrade 
- Lasana Lukata
- Rodolpho Saraiva
- Augusto Guimaraens 
- Lucas Viritato

Obrigado à todos que compareceram, e à Livraria Cultura, pelo espaço e atenção!

Veja aqui mais fotos do evento!

Decifráveis versos


Faço vidente e cristalino os versos que escrevo,
Em cabalas rítmicas no variado número de palavras,
Onde as runas já não revelam o próximo poema,
Nem tarôs decidem os caminhos da minha poesia.
Nenhuma delas está nas linhas de minhas mãos,
Mas em ébrios versos, que enganam a enomancia.
São independentes dos tabuleiros de búzios,
E de qualquer interpretação do I Ching.
Faço versos sem mistérios,
Decifráveis apenas pelo belo e pelo despido,
Onde está sempre nua a minha alma.

JAAK BOSMANS

JAAK BOSMANS é leitor-colaborador de Belo Horizonte - MG. 

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Lançamento na Cultura!




No próximo domingo, 15 de junho, acontecerá o lançamento da Antologia de poesia Plástico Bolha, na Livraria Cultura - Fashion Mall.

O evento contará também com alguns dos poetas participantes da Antologia lendo os seus poemas!

Leituras confirmadas de:
- Breno Góes
- Augusto Guimaraens Cavalcanti
- Lucas Viriato
- Maria de Andrade
- Maíra Ferreira
- Rodolpho Saraiva

As leituras começarão às 18h!!

Livraria Cultura – Fashion Mall – Estrada da Gávea, 899 – São Conrado, Rio de Janeiro/ RJ.

Mais infos sobre o evento aqui.

Provador


Eu já expliquei pra minha mãe que não adianta ela me dar uma calça nova quando a velha já não presta mais. Meu namorado vem em uma semana. Uma semana não é nada. Não dá tempo de deixar a unha crescer e muito menos de emagrecer. Estou uma vaca de tão gorda e minhas espinhas brotam no meu rosto como se fossem morangos cultivados por um agricultor. Abri aquela sacola da calça nova... a calça é boa. Demarca bem as minhas coxas grossas e o meu bumbum arredondado. Pena que esmaga a minha barriga. O pior tipo de calça é aquele que faz a sua barriga sobrar em todas as direções. O meu maior pavor foi quando NENHUMA blusa conseguia disfarçar as sobras. Essa flacidez consumindo o meu corpo. Esses quilos a mais transbordando para fora da calça. E o desespero. Uma semana para resolver tudo e agora só dois dias para trocar a calça. Eu prometo ao meu namorado que vou emagrecer. E prometo que esse tratamento para espinhas vai funcionar. Mas ninguem promete pra mim que as calças vão guardar o meu corpo devidamente. Todas as blusas foram arrancadas dos cabides e largadas pelo chão. Eu não suporto essa adrenalina de uma semana para a chegada do meu namorado e ao mesmo tempo eu vou me apaixonando mais por ele, só porque vamos estar juntos. Eu tenho pena por ter me descuidado tanto. 12 calças, um vendedor simpático e um cartão de crédito que eu ainda não sei se vai passar. Quase uma terapia. Eu e a calça, eu e a próxima, eu com pernas grossas e curtas, eu com quadril largo, eu com bumbum grande, eu gorda e flácida, a calça de cós baixo, a calça de pernas longas, a calça que não passa pelas minhas pernas, a calça que briga com a calcinha, a calcinha que se enrola por cima da calça, a calça que põe a calcinha para dentro, a calça larga demais, a calça justa demais, a calça que entra perfeitamente e guarda toda a minha barriga. A calça que está em paz com a calcinha e que ainda assim valoriza minhas medidas. Adeus pulos, puxões e todo o sacrifício para vestir uma calça. Seja bem vinda calça perfeita! Disfarce minha gordice e continue me dando esse prazer de me sentir em forma por não sofrer para entrar em você. Afinal, o mundo é cheio de peitos falsos, magrinhos descolados e gordinhos disfarçados.

Tânia Beniz

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Deste lado


Apesar do trem desta velha cidade ter dois lados
São Cristóvão parece crescer para só um deles e
sozinha

a cabeça de ferro e ferrovia do Zumbi
estende os olhos para o mar, estrada infinita.
nesta cidade-trem onde tempo e espaço são Bonsucesso e o Ano 2000

No dia em que o olhos de Zumbi caminharem pela Zona Norte
por detrás do Maciço
se verá a infinidade o que essa cidade-trem tem de sorte.

Fernando Impagliazzo

terça-feira, 10 de junho de 2014

Curso de extensão em Literatura


A professora mestre Raquel Naveira ministrará dois cursos de extensão em Literatura na USCS: A "Literatura latina: mitos, épocas, autores e reflexões" - mais informações aqui   e "A importância da literatura infantil na formação do leitor" - mais informações aqui.

Dias sufocantes

Atravesso um daqueles dias sufocantes,
Em que me faltam o chão e o ar,
e não há nada para se apegar,
o caminho a traçar,
um lugar para chorar,
nem medalhas para ostentar

Ando pela rua à procura de um olhar
preciso, profundo, próprio
que busco em inúmeras investidas
diretas, dramáticas, dóceis

Pedindo em silêncio um instante...

Solene manhã chuvosa de dezembro
instável por natureza, intempestiva
coberta por olhares rancorosos,
corpos enrijecidos pela leve brisa
e mãos que congelam com um só toque

Tendo então somente palavras
como armas para um exército
Defendo-me por todos os lados
somente com sentimentos escritos

Sufoca-te poeta, sufoca-te

Anderson Estevan


Poema publicado originalmente no livro Cores primárias (Futurarte). Anderson Estevan é leitor-colaborador do Plástico Bolha e tem outros textos publicados em nosso blog!!

segunda-feira, 9 de junho de 2014

O Livro de Antonia - Clara de Góes

Amanhã, 10/06, acontecerá o lançamento d'O Livro de Antonia, da poeta Clara de Góes. A partir das 19h no Teto Solar - Rua Paulo Barreto, 110 - Botafogo, Rio de Janeiro. Assista à Clara lendo alguns dos poemas que compõem o livro!



LUZISOLES


queridolhos encantamorados
caminholindo passopertado
carreganhando os olhos teus
brilhoriso andaluz
luzisoles faroletes

amorolhos são os meus

Ana Noronha

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Pitéu


muito se engana
pensar que nas
mãos levarei
um
bom
bom
um
cigarro
ou
uma
flor
espere

porque quando eu chegar
pularei em cima de você
como quem faz as pazes

Paulo Henrique Motta


Leia outros textos de Paulo Henrique Motta publicados no Plástico Bolha!

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Não


não é ciumes
viu
mas te encontrar
assim
casualmente
com outra
tão bem
indiferente
é como ver
em close
o fim do jogo
do time que perdeu
a copa do mundo
aperto de mãos
é como assistir
a uma tourada española
sorrindo
viu

Paula Neves


Paula Neves é leitora-colaboradora de Lauro de Freitas - BA, e tem outros poemas publicados no blog do Plástico Bolha!

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Ela sentia como sente um vacilante



Ela sentia como sente um vacilante.
Ela sentia a liberdade dos pássaros,
ela sentia as amarras dos passados.
Ela fazia como faz um ator;
atordoava-se em vidas alheias,
suprimindo sua própria vida.
Ela não sabia fazer diferente.
Ela só sabia sentir,
e sentir.
Ela não sabia sentir indiferente.
Então voava,
com os pés fincados no chão.

Jorge Filho


Jorge Filho é leitor-colaborador da cidade de Niterói -RJ.