sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Cidade vigiada


A cidade vigiada
tem seus medos
e angústias.

As largas avenidas e ruas
e sua l’architecture francesa
se despem à noite
aos ratos, fantasmas e bêbados.

Os currais...
Horizontes ali, tão belos!
A princípio postos ao chão,
subordinados ao tempo;
erguidos e assim – endireitados.

Suscito de razão.

A modernidade paira no ar
dos cafés e agora
velhas esquinas.

Nos contornos – e lá fora solidão do
Ocidente – os vossos parques e regimentos
De Terezas, Afonsos e Cristinas
mancham vossa liberdade
que nos sangra
e não nos
deixa
quietação.

Maria Tereza Amaral

Lançamento do livro "Sangue nos olhos", de Eber Inácio, na Lapa



quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Um poema de Gustavo Zeitel


duas tatuagens escorrendo pelos braços
e dois olhos gordos. tão gordo,
que pareciam desejar sair do rosto magro
da vendedora magra. quero sorrir com você
mais vezes.

uma espanhola olhando os livros de drummond.
não tenha medo de mim, eu também leio poesia.
você diz não me achar sexy. você não me acha sexy.
quero o divórcio, mas nem perguntei teu nome.
remorso é um arrependimento para dentro.
aquele nariz pontudo era tão bonito quanto a face
jamais vista da menina que estava na gare d’annecy.

as última vinte e quatro horas passaram igual a um tgv. tudo
é leito de rio. à noite, vou colocar meus óculos escuros
e me masturbar. não posso esquecer de tomar
o anticoncepcional. as últimas vinte e quatro horas passaram
igual a um tgv. tomo um aperol spritz. tudo é leito de rio.

gustavo zeitel



gustavo zeitel tem vinte anos, nasceu no rio de janeiro e estuda jornalismo. o submundo do meu quarto (multifoco, 2018) é o seu primeiro livro de poesias.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Greve geral


O dia amanheceu azul.
Ela deixou a chaleira apitando e desapareceu.
Ou, partindo de outra interpretação,
Tanto a evocaram que
Brevemente acreditou-se em sua existência.
O monarca desnudo se fingiu atônito em horário nobre
Convocou os seus ministros tal qual o técnico sua seleção
E vendeu o mar e penhorou o céu para arrecadar fundos
Em suposta diligência pela moça cujo nome ele tantas vezes errou
Na nação a submissão tosca deu lugar ao entusiasmo débil
Que deu lugar ao existencialismo de botequim
Que precedeu o grito rouco da máquina
E a melancólica procissão dos bêbados tristes que já não lembravam quem se fora
Mas há certos elementos atemporais
E cada filete de sangue que escorria nos becos tateava cegamente à sua procura,
Serpenteava pelo chão em uma súplica instintiva
Até pintar toda a cidade de vermelho
Até quase pintar todo o tempo em tons de esquecimento
Acontece que a imortalidade é uma manobra semântica
Um truque de baralho
E o inconteste é que ela sumiu aos poucos
Desaparecendo por entre as rachaduras da vida cotidiana
Se dissolveu em uma manchete de jornal
Navegara à deriva pelas medidas provisórias
Enfim buscou refúgio na memória do aroma de café
E hoje se esconde na euforia dos loucos

Arthur Maurício Rodrigues

As aventuras de Cecília - Jéssica Góes



As aventuras de Cecília é uma das vinte obras expostas em ILUSTRADORAS! - Exposição Coletiva, que estará na Galeria SESC Engenho de Dentro até o dia 25 de janeiro de 2019. Essa exposição, elaborada pela iniciativa Do Feminino na Arte, traz ilustrações com temáticas e técnicas variadas para que a visão particular de cada ilustradora possa ser evidenciada sem imposições aos seus processos criativos.

Período da Exposição
25/10/2018 - 25/01/2019

Horário de Funcionamento
Ter a Sex – 09h a 21h
Sáb e dom – 09h a 18h
Faixa Etária: Livre
Entrada: Gratuita

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

atemporal


peço perdão toda vez que fecho os olhos
e consigo me desfazer da realidade
quando o ódio adormece
e os pássaros se fundem em metal pesado
e tinta amarela
quando a cantoria habitual
torna-se um ruído cortante
impossível de ser digerido
e meu pai incomodado desce da cruz
para discutirmos sobre aquele aluguel
que atrasei quando tinha
nove anos
de absolutamente,
nada.

Eduard Traste



Eduard Traste descobriu que não tinha salvação. Desde então vem destilando os necessários pingos de vida para seguir em frente, de seus escritos e outros tragos. Escreve no projeto www.estrAbismo.net, e tem materiais publicados nas revistas: Alagunas, Escambau, LiteraLivre, Philos, Ruido Manifesto e Subversa.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

X edição do Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia



Amanhã, dia 22 de novembro de 2018, ocorrerá a cerimônia de premiação da X edição do Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia. O evento acontecerá no Solar Grandjean de Montigny da PUC-Rio, às 18h, e contará com atrações, leitura de textos e muito mais! Vamos juntos celebrar a literatura, as artes, e o sucesso de uma década do Prêmio.

O que é um fim?


Um fim é um momento à toa
cercado de ingênua
perplexidade
em que
se vê
se sente
se pré-sente
o
fulcro
de um mundo imaginário
construído lentamente a dois
se esfarelar em
centenas de
milhares de
fragmentos de
memória

Memória:
migalhas que se prendem à vida
fazendo do fim
uma perpétua
lembrança
da fragilidade
do instante

Instante:
átimo que se fecha
na contingência de um tempo-denso:
puro começo
pura presença
pura abstração

Um fim é um momento à toa
que se estende por
longos dias
de sol
de chuva
de sonhos
e tormentos

O fim é
o som
o cheiro
a briga
a brisa
o brinco
o ar
que
não
acaba
de
acabar

Um fim é um momento à toa
que insiste em invocar
a cada passo a
impossibilidade
de voltar
atrás

Wemerson Felipe Gomes

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

Tudo tinha ruído


(baseado no relato de B. C. S.)

Eu gostava do cheiro de cigarro. Ainda criança, lá pelos oito, nove anos, imaginava a fumaça do cigarro da minha mãe subindo disforme até se transformar numa nuvem lá no céu. Eu pulava atrás das baforadas quentes que se perdiam pelo ar. Quando encontrava um maço esquecido, roubava um cigarro pra criar minha fantasia preferida: Sherlock Holmes.

Eu era um detetive sério: investigava cada ruído da noite, todos aqueles mistérios noturnos. “Os mortos levam muito tempo pra deixar o nosso plano. Eles não sabem que morreram”, minha irmã disse depois da morte do meu vizinho. Encuquei. O mínimo barulho e eu já imaginava o espírito do vizinho invadindo a casa errada. Meu pai não entendia. Deixa disso, essa história de fantasma não existe, mas foi assim que ganhei uma cama no quarto dos meus pais.

Com a mudança de quarto, novos barulhos: o motor da geladeira apitando na cozinha, os passos pesados do meu pai indo pro banheiro de madrugada, o choro contido e intermitente da minha mãe. Ela sentia muita dor nas pernas. Meu pai dizia culpava o cigarro. Isso aí é um veneno, Bruno, e fumando assim, um cigarro atrás do outro, pode acontecer coisa ainda pior.

Geralmente, a gente passava um pouco de álcool nas canelas e nas coxas dela, massageava e esfregava até evaporar todo o álcool, até a pele ficar bem quente, e ela sentia alívio. Mas naquela noite o choro estava diferente: mesmo passando álcool nas pernas, ela não acalmava. 

Vou levar a sua mãe lá no hospital, tá? Meu pai chamou uma ambulância e ó, fique com a sua irmã. Não saiam até a gente voltar e eu obedeci. Fiquei em casa com minha irmã, esperando, esperando, mas não voltavam. Eu dormi e acordei com minha irmã dizendo que precisávamos ir pra casa do meu primo. Eu até gostei. 

Nunca tinha ido pro apartamento do Marinho. Ele morava longe de casa. Minha irmã, que já tinha carteira de motorista, pegou o carro do meu pai e dirigiu até lá. Tive que ir no banco de trás. Eu não quero perder a minha habilitação, Bruno, não faz nem um mês que eu peguei. Não contestei.

No caminho, sempre que eu perguntava quando nossos pais voltariam pra casa, a Renata desconversava. Voltam rápido, fique tranquilo, mas não voltaram rápido. 

Fiquei seis dias na casa do Marinho. Sempre que um tio ou tia entrava no apartamento, olhava primeiro pra minha irmã, com cara de pânico. Quando finalmente me notavam, eles disfarçavam, sorriam e como você tá, guri? Tô bem, tio, mas eu desconfiava, queria saber o que estava acontecendo. Sabia que escondiam alguma coisa de mim. Não entendia aquilo. É da minha mãe que estão falando. Minha mãe! Comecei a sentir raiva deles, raiva de ser criança. Se fosse adulto, saberia a verdade, e poderia dividir as minhas preocupações com eles. Sempre que disfarçavam pra falar comigo, eu sentia mais raiva de ser uma criança, de ser o único que não podia saber a verdade, de ser invisível e ignorado, como se não pudesse, não tivesse o direito de sentir tristeza. 

No fim do sétimo dia, minha irmã e eu fomos ao hospital. A mamãe tá bem, Bruno. Lembra aquela dor que ela sentia na perna e pela janela do carro eu olhava pras nuvens no céu e imaginava que ela continuava soltando suas cortinas de fumaça. Os médicos fizeram de tudo pra ajudá-la, mas a mamãe fumou muito, você sabe, mas não, eu não sabia de nada. Agora, não queria saber de mais nada. Quando chegamos ao hospital, antes de entrar no quarto, me contaram que a sua mãe teve que amputar as pernas, Bruno, infelizmente. Foi melhor pra ela. Melhor pra ela? Meu pai me subiu num abraço apertado. Foi esse maldito cigarro e continuou me apertando, encharcando a minha camiseta e quase me sufocando.

Não chorei. Continuava com raiva. Tiraram o meu direito de saber a verdade, de sofrer como eles, de ajudar a minha mãe. Quando entrei no quarto, ela parecia bem, me recebeu com um sorriso. Deitei ao seu lado. Ela levantou um pouco o lençol e vi as pernas um pouco menores, enroladas por gaze e esparadrapos, terminando um pouco acima dos joelhos. Um silêncio profundo inundou o quarto. Meu pai e minha irmã olhavam pra mim, acho que esperavam uma crise de choro, de desespero. 

Não perceberam que tudo tinha ruído.

Julian Guilherme

mon frère et sa femme - Marcelle Fagundes



mon frère et sa femme é uma das vinte obras expostas em ILUSTRADORAS! - Exposição Coletiva, que estará na Galeria SESC Engenho de Dentro até o dia 25 de janeiro de 2019. Essa exposição, elaborada pela iniciativa Do Feminino na Arte, traz ilustrações com temáticas e técnicas variadas para que a visão particular de cada ilustradora possa ser evidenciada sem imposições aos seus processos criativos.

Período da Exposição
25/10/2018 - 25/01/2019

Horário de Funcionamento
Ter a Sex – 09h a 21h
Sáb e dom – 09h a 18h
Faixa Etária: Livre
Entrada: Gratuita

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Quando beijo tua boca


Quando beijo tua boca
Toda nua feito quando
Beijo tua boca
Toda nua feito beijo
Tua boca
Toda nua feito tua
Boca
Toda nua feito boca

Vinni Corrêa



Poeta, artista visual, pesquisador sobre erotismo, pós-graduando em psicanálise e especialista em comunicação. Possui quatro livros de poesia erótica publicados: Coma de 4 (2012), Literatura de Bordel (2015), Lunch Box (2015) e Sexo a Três (2018).

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Nuances de um fascismo destruidor


Jair Messias Bolsonaro (PSL) é candidato à presidência que atingiu um grande número de eleitores por meio dos seus discursos de ódio. Ele reproduz o “nacionalismo” exacerbado na sua campanha, mas o único bem nacional que consegue defender é o próprio bolso e o das grandes corporações que o rodeiam. Bolsonaro é tido como a salvação para os (des)credores do sistema político democrático, como a voz que salvará o Brasil. E, nessa falácia, defende de “pé junto” a privatização do maior bem natural herdado pelo país: a Floresta Amazônica.

Estima-se que a cada uma hora, o Brasil perca cerca de 128 campos de futebol de floresta que são destruídos. Só na Amazônia, entre agosto de 2017 e julho deste ano, houve crescimento exponencial do desmatamento, com pico 39% maior do que o do período anterior. O que consta em destruição de 4 mil quilômetros quadrados de florestas, equivalente à 13 vezes o tamanho da cidade de Belo Horizonte.

O motivo desse desmatamento todo se dá a partir da ambição capitalista e a sua sede por desenvolvimento. E, sob essa lógica, não é pensado as consequências causadas ao meio ambiente e às populações, que são tachadas às injustiças ambientais. De outro modo, porém, é acolhido a ideia do uso de recursos naturais para o reatamento da economia, e promoção do crescimento do PIB nacional. Mas este processo com certeza não é o único, mais eficaz e nem faz parte dos planos do governo Bolsonaro.

Os números indicadores de perda das florestas não são interpretados pelo candidato e o Partido Social Liberal (PSL). Eles ignoram a extensão territorial, bonita em riquezas naturais e fonte de matrizes energéticas para o futuro do Brasil e do mundo. Querem acabar com as áreas de proteção à florestas tropicais e transformá-las em terras para o agronegócio, materializando a alta exploração sem nem sequer gerar lucros para o país, já que as principais empresas a se aproveitarem disso serão as norte-americanas.

Ademais, os ataques não param por aí, continuam através das projeções fascistas de Bolsonaro. Ele pretende unir Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Agricultura, que são dois pólos totalmente diferentes, em pensamento e ações. É a contramão do afeto pela natureza. É a inconstitucionalidade sendo pretendida “por baixo dos panos”. O artigo 225 da Constituição Federal estabelece como direito dos brasileiros o equilíbrio ecológico do meio ambiente, para uma qualidade de vida sadia, e institui como dever a defesa deste meio ambiente para que ele não se perca até futuras gerações.

E se quem representará o país foge da constitucionalidade, o que isso significa para o eleitorado? Significa que a falta de consciência ambiental é totalmente ligada à falta de consciência política. As pessoas estão indo às urnas expressar a sua indiferença à Floresta Amazônica através de dois dígitos. As pessoas estão indo às urnas vestidas de ódio e prontas para matar um sem-número de fauna, flora e de pessoas indígenas, quilombolas, ribeirinhos e outras comunidades tradicionais amazonenses.

Portanto, é preciso reconhecer o próprio país, para posteriormente escolher um bom candidato para representá-lo. Não se devendo ir às urnas na esperança de uma mudança radical, sem conhecer o tipo de mudança que o candidato estará propondo. Isso é desleal à nós mesmos e aos nossos ideais. É preciso pensar um Brasil em conjunto às suas especificidades. Diante disso, vistam-se de verde na hora de votar para presidente no segundo turno, e lembrem-se do significado que essa cor carrega na bandeira do nosso país. Recusando-se sempre de colocar máscaras de ódio, pois essas sabemos que não fazem parte de vocês.

Diego Casemiro

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Um dedinho de prosa


Consta em muitas gramáticas e livros didáticos, de maneira muito discreta e sem riqueza de exemplos, que o sufixo –inho/a não serve só para formar o diminutivo das palavras em português, ou seja, indicar o tamanho dos seres ou das coisas. Percebe-se, claramente , que quando se diz “fulano está vivinho da silva”, “aquela mulherzinha fez um escândalo” ou “você é o meu benzinho” não nos referimos ao tamanho ou à proporção do adjetivo/substantivo, estamos sim acrescentando a ideia de intensificação, pejoratividade e afetividade aos vocábulos vivo, mulher e bem. Estar vivinho não é simplesmente estar vivo, é estar surpreendentemente vivo. Aquela mulherzinha é uma pessoa desqualificada por algum motivo. E o benzinho, se trocado por “meu bem”, pode até ganhar uma conotação irônica, dependendo da intencionalidade envolvida na escolha de uma ou outra palavra.

Se você já desconfiava que quando um atendente lhe pede “só um minutinho, senhor” é porque a espera será longa; que o “jeitinho brasileiro” não se trata apenas de uma pequena característica da nossa cultura, mas quase uma regra de comportamento, ou que um “rapaz bonitinho” pode ser feio, mas arrumadinho, você está rondando o âmago da questão. Com certeza, já usou no seu cotidiano o grau diminutivo para atenuar uma mentirinha, desprestigiar alguma coisa ou até ironizar alguém. Isso porque as possibilidades de emprego são inúmeras, estão muito presentes nos nossos hábitos linguísticos e variam de acordo com a intenção, o efeito desejado ou a manifestação de uma emoção do falante.

Esse poderoso recurso de linguagem está intimamente ligado ao contexto, por isso, cuidado ao inserir o –inho/a deliberadamente no final de uma palavra, pois você pode provocar surpresas desagradáveis, confusão ou ser mal interpretado. Se espera ganhar um automóvel novinho, não diga que vai ficar feliz com um carrinho novo, pois pode ser que se decepcione com o presente. Se vai se ausentar do trabalho por um bom tempo, não fale que vai dar uma saidinha rapidinha. Seu chefe pode ficar bravo. Ao sair para fazer umas comprinhas, não retorne com dez sacolas, a menos que seja você a titular do cartão de crédito.

Esse emprego corriqueiro, esse modo de falar, já provou que não tem muito compromisso com a realidade dos fatos, mas ainda assim pode produzir um efeito de sentido diverso do pretendido e deixar o seu interlocutor, no mínimo, descontente, mas só um bocadinho, ou cadinho, à moda lusitana. O ideal é saber manejar mais esse fantástico mecanismo da língua portuguesa a seu favor e de acordo com a intenção pretendida. E caso você perceba que está usando pombinhos, vaquinha e peixinho sem significar animais de tamanho pequeno, é porque há ainda outros valores atribuídos ao sufixo –inho/a, diferentes do que tratamos até aqui. Mas isso fica para um próximo textinho...

Andréa Carvalho




Andréa é formada em Letras pela UFRJ, pós-graduada em Língua Portuguesa no Liceu Literário Português e professora da rede pública. É autora do livro "50 Dias Letivos".

sábado, 10 de novembro de 2018

Avó - Morgana Mastrianni



Avó é uma das vinte obras expostas em ILUSTRADORAS! - Exposição Coletiva, que estará na Galeria SESC Engenho de Dentro até o dia 25 de janeiro de 2019. Essa exposição, elaborada pela iniciativa Do Feminino na Arte, traz ilustrações com temáticas e técnicas variadas para que a visão particular de cada ilustradora possa ser evidenciada sem imposições aos seus processos criativos.

Período da Exposição
25/10/2018 - 25/01/2019

Horário de Funcionamento
Ter a Sex – 09h a 21h
Sáb e dom – 09h a 18h
Faixa Etária: Livre
Entrada: Gratuita

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Pernoite


Saiu de fininho do festim
Encanada persignou-se tipo diaba
sem fragrância, só o suarento
da alma no limiar, no parapeito.
Batente onde escora-se trincada de
celular que não toca, não chama.
Frenesi do frio e o pensamento na
garoa do desencontro.

André Siqueira

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Abandono cotidiano


Segunda-feira

Deita-se de lado, a coxa desenha um S no cobertor. Um dos braços está colado ao corpo com a mão caindo atrás do pescoço. O outro braço envolve o primeiro. É um abraço inventado. A mão esquerda está quieta com os dedos separados em uma posição engraçada. O cabelo cheio ocupa quase metade do travesseiro. A boca forma um biquinho. Respira em intervalos precisos, fazendo um barulho que se mistura com o ambiente. Os olhos estão em paz. Um dos dedos treme levemente. 

Terça-feira

Abre os olhos, acordada pelo gato. Em seguida dorme de novo, enrolada na coberta até a altura do peito. A mão esquerda apoia o queixo, na posição do Pensador.  O braço direito escapa da cama. Os cabelos estão presos, domesticados no travesseiro. O rosto sereno. Os olhos estão levemente fechados, os lábios relaxados. Respira sem fazer barulho. Um de seus pés fugiu da coberta. Por lá, queria acordá-la.

Quarta-feira

Apenas o rosto e os cabelos presos aparecem. Está toda enrolada na coberta. Fica silenciosa por longos minutos, solta um suspiro/ronco e volta ao silêncio. A boca está um pouquinho contraída, como se tivesse experimentado algo amargo. A posição das pernas desenha formas abstratas no edredon. Se agarra a coberta com força. O corpo treme todo com o barulho do gato. Não acorda. 

Quinta-feira

Um dos braços está posicionado sobre a testa como se defendesse os olhos do sol. A outra mão está próxima ao rosto. Os dedos encostam-se à orelha, movendo-se com lentidão. As pernas parecem relaxadas embaixo da coberta. Um dos seios escapa do edredom lembrando aquele quadro famoso. Os lábios entreabertos formam um sorriso. Respira sem fazer barulho. Os olhos tremem devagar.

Sexta-feira

O joelho faz o desenho de um monte embaixo da coberta. A outra perna, também dobrada, forma um morro menor. Os dois joelhos se movem lentamente, um em direção ao outro como se participassem de um fenômeno geológico.  A posição os braços lembra um espreguiçar congelado, interrompido. O rosto repousa exatamente entre os dois travesseiros. Respira profundamente pelas frestas da boca fechada. O corpo em diagonal invade o meu lado da cama. Ela não conseguiria ficar 1 minuto nesta posição se estivesse acordada.

Igor Miguel Pereira


Igor Miguel Pereira tenta escrever nas horas vagas. Também trabalha como roteirista de séries e documentários sobre coisas como Noel Rosa, literatura moçambicana e métodos para ensinar bebês a dormir bem.  Gosta de roda de samba, peixe com pirão, praia de mar calmo, cerveja no meio da tarde e  cafuné.  Publicou dois romances curtos e precoces: “Txakazuê” e “Vão”. Em 2018 lança “Espuma”, seu primeiro livro de contos.

sábado, 3 de novembro de 2018

Greve Geral - Jane Herkenhoff



Greve Geral é uma das vinte obras expostas em ILUSTRADORAS! - Exposição Coletiva, que estará na Galeria SESC Engenho de Dentro até o dia 25 de janeiro de 2019. Essa exposição, elaborada pela iniciativa Do Feminino na Arte, traz ilustrações com temáticas e técnicas variadas para que a visão particular de cada ilustradora possa ser evidenciada sem imposições aos seus processos criativos. 

Período da Exposição
25/10/2018 - 25/01/2019

Horário de Funcionamento
Ter a Sex – 09h a 21h
Sáb e dom – 09h a 18h
Faixa Etária: Livre
Entrada: Gratuita 

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

no interstício da vesícula


aguda,
a contorção do corpo
evoca medo,
a noite é prolixa
para o esperneamento de pretensões,
ainda que o caminho seja obstruído
pelo silêncio assintomático,
amiúde a dor esbarra
no grito sucumbido

socorro!
entre as costelas
o restilo da hipertensão,
os ductos incendeiam nevralgias
contra a imperatividade da razão,
não há controle sobre
quem paulatinamente esmorece

do leito à internação,
estreitam-se as ruas no afônico súbito,
um caminho calcinado de alusões
ao soturno alumiar,
a icterícia das vias
em vagantes suposições,
violar a pele para conter os grunhidos

tomam-no de assalto para a maca,
o exotismo das agulhas o afronta, instrumentos de açougue,
falatórios de sua composição molecular,
o decriptar do susto
ao apagão induzido

visita ao reino de nenhures,
em instantes era bípede a enaltecer
vaidades,
agora nu, coberto de eletrodos,
resvala a sobrevivência
em intubação, anestésicos
e pendões da caridade

se a morte viesse a lhe atulhar
na sujeição dos coitados,
a passagem estaria no ápice
de seu encerramento,
grafismo presumido
em um obituário de prantos

tão logo o itinerário
afunile-se novamente,
as pedras não estarão mais
para sufocar

a androfagia dos bisturis
se redime na desordem
da serventia,
subverter o destino
para improváveis façanhas,
beijar a ruína
e não se arrebatar.

Bruno Bossolan