quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Do Feminino na Arte - Ilustradoras! Exposição Coletiva, na Galeria SESC Engenho de Dentro



A inciativa Do Feminino na Arte busca evidenciar a produção de artistas mulheres, sem integrantes fixas, com intuito de movimentar o cenário cultural através de exposições, eventos e apresentar novas profissionais do meio ao grande público. A Galeria SESC Engenho de Dentro apresenta ILUSTRADORAS! - Exposição Coletiva no Rio de Janeiro e nela serão apresentados vinte trabalhos de dez Artistas/ Ilustradoras brasileiras como oportunidade de compartilhar com o público algumas produções contemporâneas nessa vertente. As ilustrações possuem temáticas e técnicas variadas para que a visão particular de cada ilustradora pudesse ser evidenciada sem imposições aos seus processos criativos. É perceptível a sensibilidade, força, delicadeza e qualidade nos traços nas práticas empregadas para as representações.  

Artistas
Clara Gavilan    
Helena Carneiro 
Jane Herkenhoff 
Jéssica Góes 
Karenina Marzulo
Lari Arantes 
Laura Loyola 
Marcelle Fagundes 
Márcia Monteiro 
Morgana Mastrianni   @morganaazul

Instagram
@claragavilanilustradora
@hel.artetc  
@jane.herkenhoff  
@jessicargoes
@kmarz_art e @erotikmind_art   
@lariarantes   
@loyolaura   
@marcellefagundesarts  
@wannastayugly    

Informações Adicionais
Abertura e Conversa com as Artistas: 25/10/2018
Horário: 18h as 21h
Local: SESC Engenho de Dentro
Endereço: Av. Amaro Cavalcanti, 1661 - Rio de Janeiro/ RJ

Período da Exposição
25/10/2018 - 25/01/2019

Horário de Funcionamento
Ter a Sex – 09h a 21h
Sáb e dom – 09h a 18h
Faixa Etária: Livre
Entrada: Gratuita    

Poema de Gabriela de Andrade Pereira


sob o sol quente,
o espaldar da sua cadeira
vazia
não é apenas uma metáfora –

hoje
a sua ausência
penetra o quente do meu corpo
como uma adaga.

Gabriela de Andrade Pereira

segunda-feira, 29 de outubro de 2018

progresso


chegar finalmente a um ponto de partida,
encontrar-se em nenhuma parte mais cedo do que tarde,
seguir adiante caminhando para atrás,
aprender as lições do passado no futuro,
discernir os sinais do fim dos tempos,
avançar teorias modernas de ideias antigas,
descobrir o velho de novo,
reescrever a história outra vez,
recordar-se sempre dos jamais esquecidos,
prever a sina do destino,
assegurar a permanência do câmbio,
deter a fugacidade da eternidade,
prolongar uma condição temporária,
fixar uma imagem em um piscar de olhos,
esperar o de repente,
afirmar a negação da verdade,
cultivar uma natureza artificial,
recuperar uma sensação de perda,
aproveitar mais de menos,
trabalhar horas para minutos de lazer,
produzir lixo para consumir luxo,
ter bom caráter com má disposição,
apelar a uma ética sem moral,
unir-se sob diversas bandeiras,
promover a liberdade sem escolha,
suspeitar a inocência enquanto comprova a culpa,
justificar o direito de equivocar-se,
combater a ameaça de guerra,
buscar a paz através da força,
defender a luta dos vencidos,
erigir os pilares de um império caído,
assentar as bases da próxima ruína,
salvar de juízo um mundo condenado,
converter-se a uma fé em razão,
acreditar em um ceticismo fundamental,
duvidar do princípio da incerteza,
subverter a ordem do caos,
determinar a probabilidade do azar,
exercer o controle aleatoriamente,
relativizar totalmente cada absoluto,
ir com tudo e voltar de mãos vazias,
criar nada a partir de algo,
formar Deus na imagem e semelhança do homem,
empenhar-se para obter êxito até o ponto de falhar.

Gringo Carioca



Este poema foi publicado no livro Manifestos & manifestações (Patuá, 2018).

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Encarnação


Um messias aqui chegou
e não trouxe conciliação
capitão das falsas promessas
das falas que amolam facas

Quanta dor, quanta tristeza
minha pátria é pátria enganada
assediada, violentada
por gente desalmada

Um messias aqui chegou
é como a volta dos que não foram
chegou quem sempre esteve ali
praticando o que promete coibir

De mensagem em mensagem
desamparo em revolta
de culto em culto
revolta em ódio
de mentira em mentira
ódio em divisão

Jogos de poder
que minha gente sedenta e sofrida
não pode
não quer ver

Renata Rosa



Renata Rosa da Costa nasceu em 1989. Carioca, cresceu em Santa Cruz, Zona Oeste do Rio de Janeiro. As palavras — e a falta delas — ocupam um lugar central na sua história e formação. Psicóloga, dedica-se ao estudo e à prática da psicanálise. Em 2017, algumas de suas poesias  participaram de uma coletânea do Projeto "Palavra é arte".

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

T


Os quatro encapuzados não mataram
E rasuram sorrisos num feedback.
The art of stealing isn’t hard to master

Nem é algo de todo sem mistério:
O mais bobo xereta constrangido
Meu celular, temendo ir pro inferno

Enquanto o mais cruel sorri da ínfima
Quantia em cash (e logo se encapota).
O bonitão vê o livro, “Antonio Cicero”

E se espanta pensando no blackout...
O maioral, ao largo do conluio
Consegue ouvir seu timing no relógio —

Pudesse ser a vez de qualquer um!
Os quatro encapuzados não mataram.

Daniel Gil

segunda-feira, 22 de outubro de 2018

Noites maléficas


Ao caminhar da noite, 
A cama conversa com o personagem do mundo inacabado, intriga-o com conversas complexas e soníferas. Conversas essas, que exteriorizavam os males de uma população culpada que se saia impune da punição natural. 

No amaciar do travesseiro, 
o bêbado de sono têm pensamentos com raízes desconhecidas, neles almeja apenas o fim de sua raça infecunda e desgracenta. 
Discorrendo sobre o descuidado do mundo consigo, o alcoólatra tem o coração disparado, uma sensação nunca antes sentida, mas profunda como os oceanos navegáveis do planeta que mal se sustenta. 

Com a chegada do sol milenar, 
o consciente de si sente o vento da janela em seus pés descobertos
Acordando, levantando, imaginando 
Não acredita em sua noite repleta de magia e conclusões cruéis sobre o que o cerca, sente a pós-modernidade escalpelar sua carne com uma faca cega e enferrujada. 
Em milésimos, o humano conclui que prefere não acreditar na realidade em ruínas, em segundos prefere sua exclusão dos acontecimentos carnais, em minutos se deixa levar pela correnteza violenta do metrô, se tornando uma mera massa inútil de um lugar vão.

HISTORY

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

[outras formas de falar teu nome]


Quando emudeço, te chamo com as digitais.
Quando sou grito, tu viras nome composto.
Quando calmaria, me enlaço em tuas vogais.
Quando sou amor, degusto cada sílaba.
Quando somos nós, uníssono.

Bárbara Seidel



Veterinária de formação, poeta de coração e imaginação.
Trago na escrita mistura de sentimentos cotidianos, e os divulgo nas redes sociais como @capitulosbarbaros.
Acredito que a poesia é capaz de nos abraçar e curar.

Lançamento do livro Nervo Verso



quarta-feira, 17 de outubro de 2018

O capcioso eu derrotado


Foi Churchill quem disse:
“Agora que fizeram o que queriam
Vocês têm uma tarefa mais difícil
Gostar do que fizeram”
Ao som dos ruídos gástricos da cidade
O poder nunca foi tão metafísico
Partindo de um ponto ignóbil e viril
O desvio insular coberto por um lençol com dois furos
Homens e mulheres como adesivos num campo de golfe
Foi por isso que Prometeu prometeu não prometer mais nada
Sempre ouço dela: “Não existe doença, existe doentes”
Há muito pouco para mastigar ultimamente
Tudo parece trivial e sem gosto
Comboio marginal
Animais gargalhando, pois voltaram no tempo
E abortaram suas mães
E as tartarugas vivem muito
E as corujas também
Enquanto um besouro castrado na gaiola
Queima num berço vicioso
Colando fumaça no quadro branco
Escritor tarde demais
Escritor cedo demais
Desaprendendo
A caçar na escuridão
Um feixe de luz ilusório
Que me cega
No primeiro feixe de luz
Na escuridão
Era 22:00 quando faltou luz no bairro
E o primeiro grito que ouvi foi esse:
“Filha da puta! E agora como saberei a hora de parar de limpar o rabo?”
O maldito cano sanfonado
Os intrusos, a goteira, as rachaduras da parede, o barulho da caixa d’água
Uma aranha sem pernas tecendo sua teia para afastar-se de mim

Ramon Carlos

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Um professor presidente fará toda diferença!


Na decisão desse pleito,
O nobre eleitor que pensa,
Vota contra a estupidez,
Para que o progresso vença,
Pois enxerga claramente
Que um professor presidente
Fará toda diferença!

Professor FERNANDO HADDAD,
Doutor em Filosofia,
É bacharel em Direito
E mestre em Economia,
Pelo voto popular
Está pronto pra salvar
A nossa Democracia.

Casado, pai de dois filhos,
Professor FERNANDO HADDAD,
Hoje em dia, com apenas
Cinquenta e cinco de idade,
Revela o melhor perfil
Pra governar o Brasil,
Com toda capacidade.

FERNANDO HADDAD já foi
Ministro da Educação,
Que ganhou grande incentivo
Durante a sua gestão.
Criou, em várias cidades,
Catorze universidades
Pertencentes à União.

Desenvolveu o ProUni,
Programa espetacular
Que permitiu, por exemplo,
Filho de pobre estudar
Em entidades privadas,
Com bolsas patrocinadas
Até quando se formar.

Mais de um milhão de estudantes
De baixa renda ingressou
Nessas universidades,
E o Brasil todo ganhou
Mais seriedade e fama,
Através desse programa
Que o HADDAD implementou.

Ainda como ministro
Da Educação nacional,
O Fundef, que atendia
Somente o Fundamental,
Em Fundeb transformou-se
E suporte então tornou-se
Da Educação em geral.

E por meio de emendas
Para a Constituição,
Ministro FERNANDO HADDAD
Conseguiu aprovação
De oito dispositivos,
Todos muito positivos
Para a nossa Educação.

Essas conquistas, sem dúvida,
Foram de grandes valores,
Como mostram hoje em dia
Os grandes indicadores.
Foi conquista nacional
O piso salarial
Para nossos professores.

No período de ministro,
Conseguiu FERNANDO HADDAD
Injetar na Educação
Um nível de qualidade,
Que o Brasil, nesse momento,
Teve o maior crescimento
Em sua escolaridade.

Pra duzentas mil escolas,
Nas diversas regiões,
Livros foram destinados
(Uns setecentos milhões!).
A Educação, na verdade,
Não teve, antes de HADDAD,
Ganhado tantas ações.

HADDAD já foi prefeito
De São Paulo, a Capital
De maior população
A nível nacional.
Portanto, está preparado
Pra ser por nós elevado
Ao Governo Federal!

Como professor da USP,
Foi por concurso aprovado.
Participou das Diretas
Por um Brasil libertado
Do jugo da ditadura.
HADDAD tem estrutura,
Tem respeito e tem passado.

No jornal, na internet,
No rádio e televisão,
Tem candidato mostrando
Pistola e fuzil na mão,
Com campanha violenta.
Eu voto em quem apresenta
Propostas de educação!

Tem o discurso do ódio
E o discurso em prol da paz.
Quem pensa bem, ao primeiro
Não dá ouvido ou cartaz.
Em vez de bala e fuzil,
Está carente o Brasil
De um governante eficaz.

Vamos votar em quem tem
Bom caráter e revela
Propostas fundamentais
À Pátria verde-amarela.
Meu voto de honestidade
É para FERNANDO HADDAD
E pra vice MANUELA.

Votei LULA, votei DILMA,
Votei com a liberdade
De quem sabe distinguir
A mentira da verdade!
Voto no partido rubro!
Em 28 de outubro,
Voto 13, voto HADDAD!

Pedro Paulo Paulino

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

silêncio das palavras


há um silêncio nas coisas que se ausenta das palavras, perde nomes, veste noites, arfa insônias, atiça o relento dos naufrágios, há um silêncio nos poemas, uma ausência que se arma de esquinas e esquecimentos, há uma garganta que arranha noturnas engrenagens, escafandros percorrem profundas madrugadas, há uma chuva de silêncios incontidos, os relógios marcam o estágio dos espantos: prantos de uma noite cega

Salvador Passos

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Um poema de Victor Hugo Turezo


nada pode correr embaixo de tripas mover-se
congelar no instante em que engulo
nosso resto de gota alaranjada
nascemos em fevereiro e não consegui carregá-la
sobre as linhas das tuas mão — filhote encolhido-pássaro desvalido — no ventre
cipreste porque nada foi como éramos; e era como
                                                                                pensávamos
e desmantelados, morríamos em jardins
sorríamos capazes de não, de pouco
memorizávamos a inclinação de povoados que viviam
dentro de nossas comunidades incendidas
compilávamos filosofias opostas e isso não nos tornava complexos
mas incapazes de confluir sensações inexatas
nos chamavam pinheiros sebes lítio desfax efexor e, sim,
fomos; quase a inequidade da terra desenvolvíamos
dedos enrugados e compridos e curtos
e cabelos amarelos e vermelhos
dentro de um mesmo atalho, sussurrávamos
quando desviamos de pegadas conjuntas, gritávamos
não, nunca; gritar resolveria a doença do abraço traspassado,
das coisas que não encontrávamos
                                                     em raízes
e morremos no embrião de uma cadela esbranquiçada; na contramão
de nossos movimentos esquivos enquanto eu virava o corpo
e dormia com o rosto tangendo a parede você revelava
o nímio, a languidez, desvivendo-se,
                                                         partindo-se
e não consegui mais encontrar tua parte caminhei pela vereda
de um monte cálido e na inércia não vi o teu nome dentro
do meu;
minha-simbologia-impossível-última-crise-abraço foi e é
pois pensei que era o que
                                       pensávamos.

Victor Hugo Turezo



victor h. turezo nasceu em curitiba (pr), em 1993. publicou minha massa encefálica despenca como se de um desfiladeiro (patuá, 2017) e quando vagalumes morrem no escuro (edição do autor, 2018). truduziu, junto com natália agra bosque musical (corsário-satã, 2018), plaquete com poemas de alejandra pizarnik.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Estamos em guerra


Estamos em guerra. Guerra contra os pobres, contra os negros, contra as mulheres, contra os indígenas, contra os transexuais, contra os craqueiros, contra a esquerda, contra a cultura, contra a informação, contra o Brasil. A guerra é econômica, política, jurídica, militar, midiática. É uma guerra aberta, embora denegada, é uma guerra total, embora camuflada, é uma guerra sem trégua e sem regra, ilimitada, embora queiram nos fazer acreditar que tudo está sob a mais estrita e pacífica normalidade, institucional, social, jurídica, econômica. Ou seja, ao lado da escalada generalizada da guerra total, uma operação abafa em escala nacional. Essa suposta normalização em curso, essa denegação, essa pacificação pela violência  eis o modo pelo qual um novo regime esquizofrênico parece querer instaurar sua lógica, onde guerra e paz se tornam sinônimos, assim como exceção e normalidade, golpe e governabilidade, neoliberalismo e guerra civil. Nada disso é possível sem uma corrosão da linguagem, sem uma perversão da enunciação, sem uma sistemática inversão do valor das palavras e do sentido do próprio discurso, cujo descrédito é gritante.

 Diante desse panorama, qual a tarefa de um editor? Certamente não é o de corroborar a corrosão em curso, publicando frivolidades para um mercado bulímico que as deglute como entretenimento narcótico. Um livro pode ser muita coisa, entre outras uma arma, um instrumento em meio a um combate, uma ferramenta de análise, uma catapulta de idéias incendiárias e de afetos vários, coléricos mas também amorosos. Extraímos de um dos livros publicados por nós essa consigna: a revolução é da ordem da cólera e da alegria, não da angústia e do tédio. A cólera se dirige contra aqueles que destroem impiedosamente o que nos é caro, devastam nossa riqueza natural, social, subjetiva, afetiva, política. Brutalidade comparável, talvez, ao assassinato dos irmãos de Witte em 1672, que governavam os países baixos no século XVII e que fizeram Espinosa soltar o único grito urrado de que se tem notícia saído daquele homem que diziam ser tão suave e sereno. Cólera, pois, contra o cavalar revanchismo que vai destruindo dia a dia o pouco que se havia conquistado nos últimos 13 anos, numa sede insana de dilapidação, num desejo de extermínio vindo do conluio das várias máfias que se aliaram nessa política de terra arrasada. Laymert Garcia dos Santos escreveu a que ponto esse movimento visa a destruição de um País que tinha, por fim, conseguido erguer a cabeça na cena internacional. Ele tem mil vezes razão.

É preciso dar nome aos bois. O nome disso é guerra civil.

Ora, como entrar numa guerra sem necessariamente aceitar a belicosidade que dela emana? Como combater o adversário sem espelhá-lo? Trata-se de retomar o poder ou de expandir a potência? Não seria o caso, menos de tentar ocupar o lugar daqueles que tomaram de assalto o Estado do que ocupar ruas, praças, escolas, instituições, espaços públicos privatizados, experimentar novas formas de organização, de auto-organização, de sociabilidade, de produção, de subjetivação, mas também, e justamente isso é que parece o mais paradoxal, novas modalidades de despossessão, de deserção, de destituição, de dissidência, de esquiva, de dessubjetivação? Não é essa a combinação mais paradoxal e mais urgente? É preciso derrubar a corja de bandidos que sequestrou o Estado, quebrar o monopólio das corporações que os sustentam, mas como fazê-lo sem entrar no jogo em que saímos vencidos de antemão, já impregnados pela lógica do adversário, de seus aparelhamentos, das paixões tristes que isso suscita por toda parte? Talvez ainda não se tenham inventado máquinas de guerra à altura da eficácia da megamáquina financeira, policial, midiática, jurídica que se instalou. Mas tampouco se inventou um modo de combatê-la sem nelas nos enredarmos. Faltam-nos operadores de desativação, como diz Agamben, modos de tornar inoperante, um poder, uma função, não apenas desativando aquilo a que nos opomos, mas também desativando algo de nós mesmos que ainda permanece intacto e que se enreda nos mecanismos vigentes – o Estado-em-nós, o fascista-em-nós. Pois ficamos cativos do que nos aturde ou tortura, num automatismo de ação e reação que corre o risco de espelhar a lógica dos que comandam – somos impelidos a um tipo de revide que relança o jogo, ao invés de reinventar as distâncias, os hiatos, os descolamentos, as cesuras, as desmontagens de nós mesmos – um novo tabuleiro onde nem sequer houvesse lugar para um peão chamado eu, muito menos um bispo, um rei, uma rainha, e seus movimentos codificados. 

Peter Pál Pelbart
Texto na edição 39 do Plástico Bolha

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Onions | Cebolas — poema de Ricardo Sternberg e tradução de Lucas Viriato


Onions

The opacity of onions
is deceiving.

The onion is a crystal ball
that makes you cry
for future sorrows.

I was told this
by my grandmother
tired of the daily drama
by the sink.

Ricardo Sternberg



Cebolas

A opacidade das cebolas
é enganadora.

A cebola é uma bola de cristal
que te faz chorar
pelas tristezas futuras.

Foi o que me disse
a minha avó
farta dos dramas do dia
cozinhando em frente à pia.

Tradução de Lucas Viriato

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Res publica


Nunca foi por causa da corrupção material,
pois a corrupção moral não nos deixa.
Nunca foi para lutar contra a injustiça,
mas assegurar o que tinha.
Nunca foi pela nação,
mas sim pela colônia.

Anne Penha



Anne Penha é graduada em Letras pela UERJ e tem pós em Audiovisual pela UFRN, e atualmente reside em Natal/RN.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Orgânico


Eu tenho medo de virar um concreto. Frio, cinza e áspero. Medo de me tornar inflexível e rachar. Penso que no futuro já não poderei me moldar, permanecerei fixo e feio como um concreto. Todas as tentativas para a modelagem acontecer parecerão inúteis perante a força do que me fez assim. Todos terão um visão prática do que sou, serei previsível e útil, mas sem graça. Não sujarei a vida de ninguém, mas também não darei cores a elas, somente o cinza.

Apesar que em alguns momentos desconfio, melhor, sinto uma inquietação verde em mim. Algo que cresce e move inquieto, talvez seja apenas uma impressão minha. Mas dia desses me deparei com uma folha saindo.

Fiquei impressionado com uma vida saindo de mim, um projeto arquitetônico da vida. E de repente, por um milagre, viro mato, perco em mim e gosto. Seguro em galhos da minha mente e permaneço vivo nas memórias naturais. Eu sou vivo!

Alden Brandão