sexta-feira, 7 de maio de 2021

Tradução do poema de Max Schhmoll - Por Marilena de Moraes

Era um dia ensolarado na floresta
Eu caminhava, distraído
Via o sol atravessar as folhas.
Os pássaros piavam, cantavam,
Lembro bem.

Recordo os dias de infância
Quando eu circulava entre essas árvores, corria e brincava

As folhas ainda úmidas das chuvas da manhã

Naquela época, o mundo me parecia muito mais agradável,
Puro, muito mais sincero e verdadeiro
Eu tinha tudo que queria
Um sol brilhante, um céu do azul mais azul

De repente, num susto, parei

Bem à minha frente,
a árvore que tanto amei
O carvalho gigante da floresta
Jazia ali, inerte sobre a terra

Como, pelos céus, uma árvore como essa pode morrer
Seus galhos, antes grossos e poderosos, agora estão secos

Quantas flores surgiram de seu humus
Quantos pequenos animais da floresta sua força alimentou
quantos pássaros, assustados por tempestades e trovões, ali se aninharam?

Naquele momento ficou claro
Em uma noite de tempestade sombria
Que esse gigante com tal poder,
Pode ser arrancado com raiz e tudo

Que chances tenho de sobreviver
Neste mundo rude
Cheio de ódio e erros?

De repente, meus pensamentos mudaram
Minhas lembranças do passado desapareceram
E comecei a pensar na morte

E então me perguntei
Estou preparado para enfrentar a morte?
Serei corajoso o bastante para morrer?

Ou, apavorado, vou chorar, soluçar
No meu último momento?

Covarde?
Não, não serei.
Não, não vou enfrentar minha última hora como o descanso
Um descanso tranquilo, há muito desejado.

Vou atraí-la,
Fazer dela convidada,
Tratá-la com delicadeza e
Talvez oferecer uma visão clara da vida

Vou me tornar seu amigo
Um amigo inesperado, inseparável
Que vai levar-me com mão forte e firme até o fim

Ela marcará minha hora precisa no cronograma da Morte
Mas espere: que nuvem negra encobre meus pensamentos e bloqueia minha mente?
O que interessam os pensamentos
Se meu destino já foi traçado?

Devo deixar a vida abraçar-me com vigor,
Pois a Morte não quer ser amiga de ninguém
Ela jamais faltou a um encontro!

Que nuvens negras cobriram meus pensamentos, que morbidez dominou minha mente
Em um dia ensolarado de primavera nesta floresta?
Continuo meu passeio, distraído, por entre os feixes de luz
Que atravessam as folhas.
Ouço os pássaros que cantam,
Os pássaros que cantam sem parar

Marilena de Moraes


O poema original pode ser lido aqui.

Um poema de Max Schhmoll

In a sunny day in a forest
As I went on carelessly strolling
Through filtered sunlight and tweeting birds
Tweeting birds I remember

The mind goes back to my childhood days
When I through this forest use to wander, running playing

The trees with it’s leaves still damp from early rains

To me in those days the whole world seemed much nicer
Pure much sincerer and true
I had all I wished for
A bright sun a sky of the bluest blue

Suddenly a shock, I came to a stop

In front of me stood
The dear beloved tree I much loved

The forest’s giant oak
It lay on earth, inert

How for the high heavens can such a tree die
So thick and powerful branches go dry

How many flowers grew from its hummus
How many little beasts of the forest by it’s strength were nursed
And how many birds by storm and thunder frightened nestled

That moment I clearly understood
In a dreary storm night
If such a giant with such a might,
Can so easily be torn from its roots

What chances have I
On this crude world
Full of hate and errors to survive

My thoughts had rapidly changed
My childhood past remembering quickly vanished

And they came to rest upon death
And so I asked myself
Am I prepared to face death?
Will I be courageous enough to die?

Or will I be hysterical, crying and  sobbing
In the last hour when I expire?

To be a coward
No I will not
No I will not I’ll face my last hour as of the rest
Long calm wanted, rest

I shall invite her
I shall make her my guest
I’ll treat her gentle and
Maybe give her a view clearly of life

I shall make her my friend
A sudden friend inseparable
That will lead me with strong and firm hand until the end

She will mark my hour exactly in the Death timetable.

But wait, what dark cloud cover my thoughts and  blocks my mind
Why bother with thoughts at all?
If my fate is ready traced

I shall let life, lusty  embrace me
For Death wants no friendship at all
Has she ever  spared one at all?

What dark clouds covered my thoughts what morbidity traced my mind
In such a sunny spring day in this forest
As I go on carelessly strolling
Through it’s filtered sunlight and tweeting birds
Tweeting birds as these.

Max Schhmoll


A tradução do poema, por Marilena de Moraes, pode ser lida aqui.

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Luas sem véu

Fogo branco, a fé pelas cinzas
atravessando meu pecado
por entre as vozes ardentes que
se mantêm na fome eterna,
tantos lumes que só abrandam
à noite cheia, ante seu corpo

onde desabo, desafogo entre
seus laços num solavanco, atrás
de seus cachos, os tons num
brilho por se entregarem quietos,
deixam-me implorando,
largado nu nuns sorrisos bobos,

seus lábios que quase logo retribuem,
mas não diz, adivinhe, aquieta
meu gosto pelo risco ligeiro do eclipse,
a emancipação da minguante humana,
manancial de tesouros livres no peito,
prende-me aos restos da natureza em flama,

trajando na pele um terno estapafúrdio
ao penetrar por suas coxas
hirtas, pressionando aflito com palma
cheia o fio que queima,
arde, quero, teima, treme nas trevas
até que, dócil, doo-me

ao peso das provocações,
mas abraçado pelas estrelas
num losango triangular
de lâminas luminosas, fachos
cujo centro implode só,
pérola prata, lua de nada

Árion Lucas

terça-feira, 27 de abril de 2021

O sistema

Velhas paredes
De velhos prédios
De velhas cabeças
Trabalhando em velhos sistemas.

Luiz Ricardo

terça-feira, 20 de abril de 2021

Coruja (incensário)

atenta ao fogo
descamando bravo em sinuosos sopros
por sobre minha cabeça
e olhos que (quase) tudo alcançam
a brasa e o aroma de alecrim se encontram
numa saturnália grave e acesa 

Daniela Cassinelli

quinta-feira, 15 de abril de 2021

Um poema de Maria Carolina

história escrita à lápis
não sou eu quem me escreve
danço no papel desenhando
das letras às palavras
dos sonhos às tristezas
esperando um ponto final que me leve

Maria Carolina

terça-feira, 13 de abril de 2021

Um texto de Clara Luz

fui desmontada uma vez — lembro bem, era 2006, fiz o trajeto tijuca–ilha do governador apertada entre a cômoda e a cama. me reergueram no segundo andar de uma casa rua professor veríssimo da costa. ali fui leve, colorida, movimentada. ali o tempo passou rápido, acabou abruptamente, tudo aquilo que habitava as minhas frestas me foi retirado, guardado numa caixa, e eu (outra vez desmontada) guardada noutra.

quando fui ver o sol outra vez já era 2015. fui parar numa quitinete na ilha da gigóia, meu peso se tornou outro. já não era mais remexida com frequência — agora era cuidadosamente catalogada, mais pesada, as cores mais sóbrias. vez ou outra adicionavam mais um à minha coleção. vez ou outra vinha alguém à casa, tomava um café, tirava um de mim e partia.

hoje vivo em copacabana. não fui desmontada no trajeto. a proximidade com o mar me enferrujou, não sou mais desmontável. sou cada vez mais pesada. quase não cabe mais nada em mim.

Clara Luz

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Tênis

Eu sigo os seus passos onde quer que cê vá
Te aqueço no frio, estou sempre aos seus pés
Corro uma maratona com você se preciso for
Já passamos por coisas, que ó… Só o Senhor!

Nem tudo são flores, nós sabemos bem
Às vezes desfaço o laço que dou
Tropeço na rua, mas quero o seu bem
Fui feito para te trazer conforto e não dor

Só peço que olhe os caminhos que vai
E cuide de mim pelo tempo que for
Menina, você me calçou muito bem
Assino, seu tênis, com todo amor

Hellen Otaviano


terça-feira, 6 de abril de 2021

O poema da missa

O que importa é amar a todos
O que importa é amar a todos
O que importa é amar ao próximo
O que importa é amar a Deus
Cantavam todos em coro,
Porém ao saírem
Comentaram,
Viram a roupa de Maria?
Ridícula, não?

Luiz Ricardo

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Procissão da Santa adormecida

No andor se revela a razão da velha
bruxa vir ver as flores
toda hora nesta tarde,
longe de casa, na clareira que desce

Afinal, por ali passam monstros antigos,
o réptil labiríntico que
lhe recobre as decisões,
serpente do átrio que a fere na face,

seu demônio cortado engrandece-se
das outras, vampiro
de sangue velho,
derretido a cada falso perdão repetido,

assemelhado à cara da lembrança estuprada,
sua droga no bolso estragada
pelas garras fétidas,
vil espinhento com dentes corrosivos,

predador nas tocas, canta, depois arrota,
ele a engana, engata
mas ela vomita, esgana, e,
na lâmina, a carne podre do macho à cama

Árion Lucas

quarta-feira, 31 de março de 2021

Parto

Sinto-me o vínculo,

entre divindades celestes,
e sua Terra esquecida.

Sou o ser desadormecido,
E que pacientemente aguarda
Suas coléricas vontades.

De mim usufruem,
deste meio coxo e frouxo,
submisso aos seus caprichos.

Nutrem-se de minhas energias,
que me escoam pelos dedos,
e que pintam esta poesia.

Com tintas de cor do mundo.

Maria Ana Guimarães

terça-feira, 16 de março de 2021

Luto

O homem do meu tempo
é um maléfico animal bélico e irracional.
Movido por maquinações
abusa mulheres e crianças
pulsa dentro de si um coração recheado de insensibilidades.
No lugar de cérebro
Um cemitério de gárgulas à espera da carniça
do primeiro a desistir dessa guerra sangrenta pelo poder.
Abafada está a voz de Deus pelo homem bomba
que respira guerra, ingere balas e as vomita na boca de inocentes.
Somos todos rebanhos à espera da sangria.

Diego Wayne

quinta-feira, 11 de março de 2021

Habitado

Não habito
meus fantasmas

           escondidos em armários
           com portas e chaves

habito o desconhecido
álibi em criminosas

cenas e me afasto
na chegada da polícia

habito o hálito inconfundível
do demônio e o histrionismo

do ator entre cenas
                habito o espaço
                das paixões
                arvoradas: assobio.

Pedro Du Bois

quarta-feira, 10 de março de 2021

Poemarço em Salvador!


POEMARÇO, a festa

A literatura, talvez por estar tão atenta ao presente, pode até adivinhar o futuro. E, assim, a pessoa que faz poesia é uma anunciadora dos tempos. Na cosmologia iorubá o orixá Exu é o instaurador de agoras. A ialorixá Stella de Oxóssi disse certa vez: “Exu quer só estar se movimentando, fazendo tic, tic, tic no ouvido dos outros”.

​Se pensamos a/o poeta como quem inaugura agoras, esse tic, tic que ela/ele produz em nossos ouvidos são os chiados do nosso tempo. Poemarço existe para celebrar a poesia. Para celebrar a vida das pessoas que trabalham essa linguagem nos anunciando esperanças, delatando crimes, expondo feridas, sussurrando amor. Esse movimento de agoras é poesia e merece ser festejado.

​Entre outras coisas, a arte é uma elaboração estética das linguagens em associação com uma compreensão política do mundo. E essa primeira edição de Poemarço é virtual por atenção ao nosso tempo. Vivemos no Brasil uma pandemia. Os movimentos para sair dessa situação são mínimos. Este evento acontece como uma cena artística que deseja ofertar vida em meio a esse caos. A arte pode oferecer, quiçá, algum breve equilíbrio ao mundo. É nesse mortal mundo pandêmico que Poemarço acontecerá como um lugar de encontros e trocas de vida.

​É na poesia concreta, na poesia experimental, na poesia oral que buscamos inspiração para compor nosso evento. O poeta baiano Almandrade é o homenageado da festa. Os títulos das mesas, com poetas, tradutoras, tradutores, editoras e editores, os títulos das apresentações de poesia visual e das gravações de poemas, do sarau e da conferência de abertura são versos ou referências, e até mesmo títulos de livros dos poetas Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Gilberto Gil e da poeta Stela do Patrocínio.

​As poetas e os poetas que participam dessas mesas e apresentações não têm necessariamente relações estéticas com essas e esses autores. A proposta do evento é exatamente estabelecer trocas e privilegiar a diversidade.

​Poemarço se sustenta como uma festa atenta a discussões de gênero e raça e da presença e visibilidade de pessoas e de temáticas LGBTQIA+. Da festa participam mais de 40 poetas. Desse número, 75% são mulheres indígenas, brancas, e as negras são a maioria. Pensamos Poemarço como uma festa atenta a complexidade e diversidade das definições identitárias no Brasil. E que estabelece diálogos com a produção contemporânea de países de língua portuguesa, como Moçambique e Portugal. Do Brasil temos convidadas do Ceará, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Santa Catarina, Paraíba, São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Com mesas de conversa, oficinas, videopoemas e sarau, Poemarço oferece cinco dias intensos de encontros com a palavra, nossa grande homenageada.

A festa tem apoio financeiro da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e da Fundação Pedro Calmon (Programa Aldir Blanc Bahia) através Lei Aldir Blanc, direcionada pela Secretaria Especial da Cultura do Ministério do Turismo, Governo Federal.

Luciany Aparecida e Mariângela Nogueira (Curadoras)

Mais em: www.poemarco.com


quinta-feira, 4 de março de 2021

Um poema de Yasmin Barros

o volume das horas diz que é tarde
mas o olhar ainda traz algum alento.
o copo de cerveja acaba lento,
a cachaça na boca já não arde. 

o assunto na mesa se reduz
a fumar um e mais outro cigarro.
o silêncio sepulcral jaz no carro,
e a bebida, mais que eu, nos conduz. 

nítido desejo, pulsão de morte.
não sei se na intenção de prolongar-me,
ou de adiar o momento maldito 

atiro-me aos braços de minha sorte,
em êxtase, a ponto de afogar-me:
o impossível queda no não-dito.

Yasmin Barros

segunda-feira, 1 de março de 2021

Que tempos são esses, Ignácio de Loyola Brandão?

 

Há muito o que se perguntar a um escritor da grandiosidade de Ignácio de Loyola Brandão, ainda mais com a inata curiosidade de extrair de um acadêmico ideias, vivências e percepções do mundo. No entanto, foi impossível não pensar numa pauta para esta entrevista em que a palavra tempo não se fizesse presente nas questões, ainda mais quando se percebe o quanto a pandemia da Covid-19, causa da morte de quase 140 mil brasileiros, nos obrigou a lidarmos com a urgência do tempo. Quando iremos tomar a vacina que irá nos tirar desta incômoda paralisia da vida? Quando seremos livres para nos abraçarmos e nos aproximarmos daqueles que não vemos há mais de seis meses? Em março governadores decretaram a quarentena, e a partir daí o distanciamento social foi necessário para conter o avanço do contágio do novo coronavírus.

Em Tempo. Conheço o Loyola há mais de vinte anos, quando fora meu editor na revista VOGUE. Foi preciso o tempo de uma quarentena para despertar em mim a vontade de realizar a entrevista, portanto, o tempo é o hoje!
 

Elisa – Loyola, estamos sob a ameaça de um vírus, e em função disso, tivemos que nos isolar. No entanto, isolar-se não é nenhuma novidade para um escritor, que precisa mergulhar em seu interior para dali extrair personagens, criar uma história. Dentro do atual cenário, pode-se supor que agora escrever é isolar-se duas vezes, no individual e no coletivo? 
Loyola: Neste momento, Elisa, escrever é romper a solidão, sair do cômodo confortável, e procurar saber como os outros estão vivendo, sobrevivendo, sofrendo. Saber como tudo afeta cada um, como cada um, sem nenhuma experiência nesta situação, precisa se reinventar, descobrir uma nova forma de viver, trabalhar, se defender, sobreviver. Os personagens nunca são retirados apenas de nosso interior, mas de todos a nossa volta.  Cada personagem representa uma humanidade inteira. Perplexidade total. O que é isso aí? Vai terminar? Haverá outros momentos iguais? É uma praga tipo aquelas bíblicas que assolaram a humanidade? E a ciência? Tão desenvolvida e incapaz? E aí você pode calcular o tamanho do imbróglio.

Elisa – A escrita do próximo livro será afetada por essa realidade? De que forma?
Loyola: Será. Só não sei como, porque tenho um projeto na cabeça, mas não encontro o meio para desenvolvê-lo. Estou diante do desconhecido. Há mil faces nesta questão envolvendo vida, sobrevivência e principalmente morte. Ler jornais e ouvir notícias sem parar, como venho fazendo, não é suficiente. Pre de mais. Mais o que? Mais conhecimento de filosofia, historia, psicologia, antropologia, economia, até de religião e psicoterapia. Preciso me aventurar em projeções, invenções, imaginário. Preciso conversar com mais gente, mais, mais. Mas não posso encontrá-las cara a cara, posso matar o outros ou ser morto por eles. Tudo on line. Mas o humano se perde no on line, os sentimentos se esfacelam. Lives e mais lives. Mas as lives começam a me dar a sensação de que a fantasia entra dentro dela, as pessoas  te comunicam coisas idealizadas. O que gostaria que fossem e não o que são realmente. Não está, nem será fácil reencontramos conosco, ou com o outros. Como vamos conviver daqui para a frente?

Elisa – O livro Zero, escrito em 1974, ano em que eu nasci, é um grito por liberdade ante os tempos de chumbo que o país vivia pelo regime militar. Hoje parece que o tempo não passou. Clamam pela volta da ditadura, pelo fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Isso significa que eu não nasci e o Zero foi censurado novamente. Que tempos são esses?
Loyola: ZERO foi um documentário feroz sobre um tempo feroz em que a vida humana e a liberdade nada significavam. Estamos lentamente mergulhando na mesma via de volta.  Reconheço uma coisa, havia certa inteligência nos militares. Nos dias de hoje estamos diante da mediocridade, da ignorância, do reacionarismo fatal, de pessoas toscas, semianalfabetas. Estamos retrocedendo, caminhando para trás. Cultura ameaçada, liberdade de expressão também. O cerco é maior a cada momento sob o comando de um homem que quer armar mais e mais o povo, um homem cuja mente é regida pelo manual de um dos mais sangrentos torturadores dos tempos ditatoriais. [Loyola se refere ao ex-chefe do DOI-CODI, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, acusado de crimes de tortura, que foi citado pelo então deputado federal, Jair Bolsonaro, quando do seu voto a favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, uma das vítimas do torturador]. Usos, costumes, moral, hábitos, tudo tem cheiro de ranço. As queimadas não são apenas amazônicas e no Pantanal, são também nas ideias e na filosofia e na maneira de viver.

Elisa – Um grupo de amigos compôs a canção Que tempos são esses que falar de amor é quase um crime [composição de Zé de Riba e Walmir Pinto]. Loyola, falar de amor é quase um crime, um ato revolucionário ou um grito solitário?
Loyola: Falar de amor é crime, porque a fala agora é de ódio. Odeie o teu próximo. Cada vez mais. Nunca vi tanta polarização, antagonismo, inimigos criados a cada momento. Famílias divididas, dilaceradas. Como viver alimentado pelo ódio, se este nos corrói, nos envenena, nos provoca úlcera e câncer, nos destrói internamente? O ódio em vez de trazer vida, traz morte, destruição, nos envenena, nos afasta, enraivece, consome.  O ódio traz solidão e amargura e ninguém nasceu para viver solitário.

Elisa – Vamos dar uma leveza na entrevista. 2019, ano da sua posse na Academia Brasileira de Letras, (Loyola ocupa a cadeira de número 11 da ABL), aos 83 anos de idade. Houve um tempo em que acreditou que pertencer à ABL não seria um sonho possível? 
Loyola: Nunca foi sonho. Foi a partir de um determinado momento, já maduro. Nem imaginava ser candidato. De repente, me vi eleito, com a mídia proclamando: “Enfim um escritor”. Eleito por unanimidade. Lá estou. Veio a pandemia, acabaram as reuniões, nos distanciamos. Enfrento uma nova academia. Estive em duas reuniões, ainda não sei como é. Apenas sinto que temos lá imensa responsabilidade e não podemos nos afastar do mundo real.

Foto: Arquivo Pessoal


Elisa Marina