quarta-feira, 30 de maio de 2018

Devir


não há outro sentido
  além deste
caminho
  no sentido exato
do que serei

Roberta Lahmeyer

terça-feira, 29 de maio de 2018

Rude destino



Por que você se cansa e se pergunta tanto
se tanto percebeu que já não vale a pena
você tentar viver, tentar achar encanto
num céu tão sem azul, em almas tão pequenas?

Por que você lamenta o fracasso de tudo
como se assim fizesse alguma diferença
e aos seus próprios problemas você fica mudo
e por não resolvê-los perde a própria crença?

Por quê? Qual a razão? Que inspiração te move?
Que lágrima sem termo tanto te comove?
Que vento há em você que nunca se aquieta?

Você não se responde, nem sequer entende
o porquê dos porquês, simplesmente se prende
a este rude destino de talvez ser poeta.
  
Kleiton Muniz

segunda-feira, 28 de maio de 2018

Lançamento de "Lendário Livro", da Rubra Editora



[De]composição do silêncio



I

Há lembranças que chegam com o silêncio – trazidas
pelos meus mortos que – volta & meia – se atrevem
em meu jantar

(sabemos – querida irmã – pois as deixamos esquecidas
dentro de nossos olhos & de nossos armários de incoerências).

II

A solidão chega pelos espelhos cavos & em nuances
doentias que se decompõem na bruma
& nos brincos-de-princesa.

III

É madrugada agora!
Sentado no alpendre do apartamento fico a ver navios

(lembrando deusas – travestidas de brisa
dimanando [esplêndidas] pelo rio).

IV

Meu pai dizia
que a morte desce dos quadros distendidos em
paredões  de envelhecidos casarios portugueses
doBoulevard Castilho França
& evaporam [solenes] defronte ao Solar da Beira.

(assim – cara irmãzinha – adormeço
para ver se os querubins sobrevoam minha cabeça
de pedra).

Marven Junius Franklin

domingo, 27 de maio de 2018

Dentro da noite veloz



Dentro da noite veloz
Ergo rima sobre rima.
Ninguém ouve a minha voz
Com o silêncio por cima.

De noite, tudo se cala.
Mas a voz do coração ,
Como um incenso, trescala
Fragrâncias de solidão.

E esta lâmpada sombria,
De olhá-la a pontos de cruz,
O Alfaiate da Agonia
Cose o vestido da luz.

Por tantas horas cismando
( A noite esmaece, sutil...)
E o sol vem desabrochando
Como uma rosa em Abril...

Decerto as rimas deixei
No seio da madrugada.
Tanto co´os olhos sonhei:
- Na folha não restou nada!

Quintiniano

sábado, 26 de maio de 2018

Simplesmente ideias


É à noite que elas surgem. Naquela hora em que deito a cabeça no travesseiro e espero o sono chegar. Quando fecho os olhos, elas se formam como nuvens no meu pensamento. Nuvens cheias, pesadas, verdadeiras Cumulus Nimbus anunciando a tempestade. Aí, me dou conta que enquanto minha cabeça está no céu, meu corpo está quente debaixo do edredom.

Dizem que as ideias devem ser capturadas antes que fujam. Mas quando se está deitado no fim do dia, essa tarefa fica um pouco difícil. Então lá vem elas!! E a imagem das nuvens cinzentas, de repente, se modifica para milhos que estouram e viram pipocas: uma, duas, três... ploc, ploc, ploc... E uma pequena luta se inicia: “Levante! Levante! Corra! Pegue um papel e uma caneta para anotar antes que elas desapareçam.” E repito: “Corra, Maria! Corra! Levante! Levante! Amanhã elas não estarão mais aí!! Rápido, rápido!! Elas são ligeiras e escapam da mão feito areia fina.”

Não adianta. O corpo cansado vence. Afinal, já estou deitada e acomodada entre as almofadas. A cama já está aquecida. Tá tudo tão escuro, silencioso, calmo e meus olhos estão ficando pesados. Já sinto os sinais do sono e meu raciocínio está mais lento. E assim, com que para me confortar, tenho um último pensamento antes de finalmente adormecer: “Ah, são só ideias. Amanhã eu as anoto!” 

 Priska Fernandes

quinta-feira, 24 de maio de 2018

A esquecida



Sempre impliquei. Isso lá é hora de conversar? E aos gritos? Por que me acordam tão cedo, como um reloginho, dia após dia?

Quanta falta de educação! Não conseguem gritar mais baixo? Não, acho que não, não é de sua natureza.

Reclamei por muito tempo do alarido porque, afinal, não preciso – e não quero −levantar junto com o sol. Não me importa se esquentou no norte, se vai chover no sul ou se a água da lagoa, antes gelada, agora sofre com a poluição e parece que saiu do aquecedor. É esse o assunto permanente.

No entanto, desde que passei a fotografar e a filmar os biguás, comecei a admirar a organização do grupo, os voos em “V”, poupando energia, a liderança revezada. Além do balé que enfeita o céu.

Pois apresento a vocês “A esquecida”.  Aposto que é fêmea a ave que abandona a turma. Uma desertora? Ou será que esqueceu alguma coisa? De fechar a janela?  De apagar o fogo? Dê o seu palpite e entenda, depois do inevitável sorriso, por que fiz as pazes com os biguás... que continuam me acordando, mas agora não me queixo mais. 

Marilena Moraes



terça-feira, 22 de maio de 2018

Elegia à Guerra


Inda que te elejam o senhor de muitos destinos
Duma nação eleito o filho
Inda que sejam teus o fruto e a terra por onde caminhas e plantas
A fome esposou-te

Inda que sob o certame de nenhuma bandeira
Inda que beijes a minha mão esquerda
Confrontarás a cadela no cio

Inda que de sangue esteja vermelho o leito de teus rios

Inda que o soldado impunhe sobre a tua cabeça a baioneta
Inda que tua mão lavore
Inda que o revoar do bando doire
Inda que sobre a tua bandeira tenhas a batuta

Inda que sob a luz dum céu de brigadeiro
a haste tremule

Inda que achaquem tua mão sobre o batismo
Inda que revoltoso o teu estômago vazio
Inda que declames à pedra no caminho
Inda que no rio Vermelho haja regozijo

Inda que d'alma a sincopada rebente num sorriso
Inda que sangrem as tuas bochechas por bruxismo
Inda que te tornes homem dado aos sofismos

Inda que logre a ocra porta entreaberta

Inda que rogues por minha culpa
Inda que me outorgues teu juíz
Inda que balances nos quadris duma meretriz

Serás isto ou aquilo
Poeira ou pó imaterial
Revés esquecido
Matéria morta à terra devolvida
para findar o ciclo.

Antonio Marcos Abreu de Arruda

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Maio em Revolução


Aos vinte anos, um estudante caminha até a faculdade para cumprir com suas matérias regulares. Faz filosofia e participa das reuniões com diferentes grupos no campus de uma universidade. Entusiasmado, discute com seus colegas a situação política, econômica e social do momento. Nos intervalos das aulas, carrega um punhado de livros debaixo dos braços e os lê. Tem confiança em suas virtudes e no que fala, como por exemplo, quando propões soluções para a situação incerta do país em que vive. Não aceita a instauração do tédio, do silêncio e do ódio. Busca, junto aos outros estudantes, as respostas para diminuir as injustiças sociais.

Mas há momentos em que tudo muda. Como na primavera, a inspiração floresce em todos os cantos e pessoas. Um sentimento de esperança, em meio a um clima acinzentado de um regime político retrógrado, é tudo que um idealista deseja. Com intuição, esses farejadores conseguem enxergar um novo tipo de tempo. Atos e falas se tornam ferramentas e aqueles que não tinham suas vozes escutadas, agora dominam o palco político. O intenso agora preenche a vida de um jovem e de toda uma geração. A revirada do tabuleiro político é tão rápida, que se demora anos para entender suas consequências e efeitos.

Esse mesmo estudante também percorre as ruas. Deseja e luta por mudança. Entende que a filosofia precisa estar presente nas atitudes e dentro das manifestações. As palavras têm poder. Quando elas são direcionadas aos governantes, em voz alta pelo povo, possuem um valor ainda maior. Não é muito difícil imaginar um jovem sonhar com transformações. Mais fácil, quando se vive em uma sociedade estagnada de um governo repressor. São nesses lugares que nascem o desejo da liberdade. De criar planos para concretizar ideias em benefícios coletivos. De acreditar que ainda há pessoas que pensem assim. Mas a Academia é um lugar pequeno para caber ideias revolucionárias. Há momentos em que as palavras se acumulam em um espaço muito pequeno. Palavras também precisam de escape. As represálias só fazem sua força se acumular. E então elas invadem todos os territórios. Mas são as pessoas, como esse e tantos outros estudantes, que irão levá-las para a rua.

Todos já passaram por um sentimento de anseio ao desconhecido, nas vésperas de um marco histórico. Em algumas épocas, acordar significa presenciar e participar desse momento. Assim como ficar parado pode significar um ato político. Alguns poucos grupos tomam as primeiras atitudes para desencadear movimento. O recuo é transformado em contra-ataque. No começo são poucos e então, como a concretização de um imaginário comum, a força das pessoas aumentam e se espalham. Mais pessoas começam a se concentrar nas ruas em poucos dias. É mais rápido do que se pode prever. A sensação é de que nada está ao controle. Os governantes estranham e os jovens ocupam as ruas, os discursos, a mídia. A história se revela no presente. É o chamado de Kairós, o deus do tempo oportuno, para a experiência desse momento decisivo. Quando se quer salvar o mundo, não se pode deixar a espessura desse tempo desvanecer. É necessário ir até as barricadas, onde as peças do jogo se movimentam.

O estudante abaixa a cabeça, tem gritaria vindo de todo lugar. Tem polícia na rua, mais gente do que o normal. Quando levanta o olho, são mais pessoas correndo e se atropelando no recuo. Há suor nos rostos, os barulhos de explosões ao fundo continuam altos. Alguns preferem correr até um lugar mais seguro. Mas outros estão na rua para enfrentar o establishment. Carregam cartazes e esbravejam canções antitotalitárias. A anarquia, liberdade e esperança são sentimentos compartilhados pelos protagonistas desse grande ato.

Pedras são atiradas e novas vidraças quebradas, às vezes, até de grandes bancos e comércios. Pneus incendiados, muita fumaça, mais do que o suportável. E as vozes das pessoas. O caos vigente seria chamado de saudável por esse estudante, ainda desconhecido de todos. A resposta, explosão de gases, o enfrentamento de cacetetes e pedras, a violência estatal e um corte acima do olho direito. Sangue e sujeira se misturam na confusão. Os estrondos parecem estar mais perto. O chão treme. O calor do fogo queimando os carros em ruas antes pacificadas. De olhos fechados pela dor do corte, a vida o transforma. Apesar de não poder ver, aquele estudante sente a história acontecer em sua pele.

Assim como em um doze de Maio qualquer e violento, a Nouvelle Vague é esquecida nas ruas da França de 1968. Nos arredores da Universidade de Sobourne, em Paris, algumas pessoas aprenderam a carregar a esperança desse mês simbólico. Maio de 1968 ficaria marcado como o período em que os jovens universitários franceses saíram às ruas e decretaram dias de desordem e anseio de mudanças no regime político.

Três décadas depois, aquele estudante está agora em um procedimento cirúrgico, no Timor Leste. Seus cabelos já estão mais grisalhos. A voz, que apesar de mais cansada, está firme e amena. A esperança interna, entretanto, permanece como se ainda fosse jovem. Mas são pelos seus olhos, que se torna possível ver toda a história internacional da segunda metade do século XX. A cirurgia de recuperação seria necessária no olho levemente ferido, lembrança de seus anos de protestos na juventude.

O olho era de Sérgio Vieira de Mello. Um diplomata da Organização das Nações Unidas respeitado pela sua carreira internacional. Acostumado a lidar com situações complexas, envolveu-se em diversas missões da história mundial recente. Alguns deles, como negociar com o grupo terrorista Khmer Rouge no Cambodia, servir a Força Interina da ONU no Líbano como conselheiro político, lidar com refugiados após a guerra civil em Ruanda, entre outros cenários.

Em outubro de 1999, Sérgio se tornou o representante máximo da Administração Transitória das Nações Unidas no Timor Leste (UNTAET). Tarefa encarregada pelo então secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Kofi Anaan. Tanto tempo depois, o experiente diplomata brasileiro estaria em uma posição diferente daquela que se encontrava, quando ainda era um jovem estudante de filosofia em Sobourne.

A chama que foi acesa em Maio de 1968 ainda permaneceria motivando Sérgio a superar novos desafios e a lutar contra injustiças sociais. Mas agora seu cargo correspondia ao equivalente a um Chefe de Estado de um governo transitório. Seu objetivo era guiar o processo para a independência do que seria um dos mais jovens países do mundo. A chance de uma população conseguir almejar sua liberdade pesava em suas costas. Assim como a possibilidade da estagnação e do fracasso da missão. Algo desse porte nunca tinha sido completado na história da Organização das Nações Unidas. O intenso agora recomeçaria mais uma vez.

Bruno Justino

sábado, 19 de maio de 2018

Seleção de poemas de Paulo Vitor Grossi


"A Compra

Se você não olha, nem deseja. Sem querer, nunca sente falta!
Da Compra. Do trabalho. De servir. E vir. A ser"


"Dívida parcial

Ah Servidão, por que não nos diz algo aí do que faz, algo efetivo? / Pois diga e faça, por favor, você que é a desbanca da vez do tempo, é teu propósito se meter na era tal, e revirar e chutar para todo lado / Que não seja por puro deturpar ou arrego saudosista, que seja por você mesma espelhada na moeda que forja sozinha. / Ah, e tem mais, dizem que teus desperdícios de talento correm o mundo, isso sim; quem sabe quando se recuperam? Sei lá, ou aonde se desnudam do teu poder / Só um ou outro se arrisca a comentar que “Um pouquinho disso aqui e ali, de respeito ao próximo mesmo, é, vai bem.” Em geral tuas crias ficam sem graça / A galera também pede outras tolices, tipo, “Só não venha com essa desculpa, é, a esfarrapada, essa desculpa de jeitinho.” Até parece, né / Pedimos tua opinião, como procedemos? Não concordamos com outros além de ti. Daqui somos teus lacaios, estamos mais que acostumados"


"V

“Eu quero um poema para me martirizar!!! Mas só a metade, pode ser
Assim o pobre, como eu, diria: 'Tenho asas mas não voo, esse sou eu/
Até que me irrito, um dia/ Destruo, queimo essas bobeiras,/ Vendo essas coisas e todo seu valor sentimental/ E saio a recomeçar vida nova'“

VI

“Encostou a cabeça na parede e foi."


"Americanos somos todos os das Américas; Humanos somos os da Terra

Chega um desavisado, mal sabe como pousou nesta terra ou se existe ou não ainda alguma briga. Vem ditando e pedindo muito além só de informações ou olás. “Quer atenção”, falam os comerciantes às vendedoras de melancias. “Lá vem mais um intromedidinho”, comentam as feirantes. “Ainda existem esses vangloriosos”, cochicham as línguas ácidas.
Aí a Razão interfere, de tempos em tempos pode crer que isso acontece:
– Mas muita calma aí, Nigualzinh. Se não é esse teu nome, a analogia serve. Por quais motivos se enfada tanto?
– Como, que disse mesmo!?
– Quieto. Bem parado – e toca levemente a superfície da testa do ser à frente. O intrometido se arrepia todo, fica até vermelho de embaraço.
Diante disso, volta e continua pacificamente a Razão:
– Você é de verdade, Nigualzinh?
– Sim, ora, não está vendo, louca!? – esperneia o desavisado já se recompondo. Aquilo lhe tirou do sério.
– Mas é de ser humano como tantos? Costuma ou se acostumou?
– É justo que seja, responde o intrometido em tom de troça.
– Que bom, pois estamos na mesma. Chegue nesta casa, bem-vindo"


"Dia 1.7

“Equação homens / mulheres & cismas & não dominação de nenhuma das partes & os futuros da raça & entendimento & a gente na filosofia do jeito que dá!!! Gostar, & anderlaine, viu & relações.... as sadias & nenhum tipo de expressão libertária que deva ser tratada com escárnio #comodaquiapouco”"


"Dia 4.2

“\você \nunca\ vai\ conseguir\ ler\ minha\ cabeça,\ isso a mim \
é exclusivo.\
nem pense nesses ricos métodos de maquinar e sugerir...\”"


"Dia 5

“Se quer enxergar, se quer, é por vez / pilha ralha i enxágua o que era notícia / dorme descansa assim amanhã em ânimo renovado / as fases mudam de figura as coisas ás”"


"VI

“Irmão”, disse este operário. “Tenha fé nas tuas opiniões pelo calor à sua vida! Se não, o que dizer do que chama de personalidade? Que te move se não acreditar nas próprias palavras, não é?
Levanta o rosto!! Pede pra você tua parte desse céu, tão azul e baforado de nuvens! É nosso todo dia, se o pensa... pra que nos lembre a importância. Muita pilha, o instinto faz o que quer!”"


"VIII

A Servidão está aí, há quanto se vê esse tipo de atitude? Quem não cansou que me escreva outro livro apelando o que queira
Amigos e amigas, temos a Liberdade, porém .. . o que perdura é deixar. Isso é fato. Como procedemos nesse contexto paradoxal e hostil? Melhor bater de frente até que fure, o grifo é meu
A Servidão é depender até da resposta; se diz tua confidente de tantas formas essa chata, essa escrava dela mesma, e se faz nas falhas e tropeços da gente. Mas é uma relação boa? Claro que não, por isso sentimos o corpo descontente, na mente a apelação
O que usamos e gastamos e a espera que não se entende com nada disso, poxa, para tudo dito e mais pedimos a resposta; pedimos a tal solução; que bom fosse por fim que à Plenitude e às Ideias, seguida dos Conceitos e da Ética; para estas sim é fácil, acessível, é só relembrar. À resposta! Vamos começar?"

"Desculpar-se por dizer 'te amo'; disso, quantas restrições o mosto vale
Mas em que mundo você existe? Mas se viemos a amar! Sai e ama"


Paulo Vitor Grossi

sexta-feira, 18 de maio de 2018

Lançamento dos livros de Tatiana Roque e Jean-Christophe Goddard pela n-1 edições



Programação

16h: Aberta a venda dos livros

16h às 18h: Bonobando na Praça - Aula pública sobre arte-política-cidade-juventude-ativismo, na Praça Tiradentes. Com Conceição Evaristo (escritora) – mediação Wanda Araujo (educadora e Yalorixá do Ilê Asé Egi Omim)

18h: Maya Inbar: sucos cromáticos

18h: Performance Algo Fatal - Daniella Mattos performa músicas de Gal Costa.

18h30: Cristina Ribas - ação: Vocabulário político

19h: Ataque Poético - Coletivo Poetas Favelados

19h30: Leitura de EROTISMO E RISCO NA POLÍTICA por Adriana Schneider

20h: Mesa de conversa com Tatiana Roque e Peter Pál Pelbart, com a participação de Dyonne Boy, Oiara Bonilla, Sandra Benites, Thais Ferreira e fala em vídeo de Jean-Christophe Goddard.

21h: Fumacê do Descarrego


Centro Carioca de Design
Praça Tiradentes, 48,
Rio de Janeiro, Centro.

quinta-feira, 17 de maio de 2018

domingo, 13 de maio de 2018

Empedernização do eu



Choro para perimir meu choro. Estou à beira de um conluio comigo mesmo que visa  à maquinação da minha própria morte. Meu corpo é um mocambo que abriga a minha quintaessência em um cômodo obscuro de sangue denso e insosso. No intermezzo da minha loucura, antevejo incisivamente o desapercebido da coisa e me pego desbragadamente absorto em meus pensamentos. Algo em mim tornou-se impassível, embora haja uma afluência de delicadezas que me arrojam de bruços contra o travesseiro. Levanto-me e me apoio sobre a torça da janela, e sinto o vento que vem do longe e irrompe as minhas memórias, transviando-me para um encontro frontal do éthos com o "eu" do eu lírico. Golfo minhas bazófias e mergulho a minha cabeça na tina que se encontra no mesmo cômodo de sangue crespo. De ímpeto, suspeito de que a janela seja composta por uma torça falsa e de que o vento nunca existira, e de que o encontro comigo próprio também nunca ocorrera. Estaria esse "eu" na parte mais etérea da minha existência, na qual a fluidez de tudo confunde-se com a não existência do nada? Fui designinado por Deus à autocolusão. Estou a cada dia mais achatado, ressonando dias e noites sem ouvir os estrilos arfantes que o sonhar da  vida e da morte tem me causado. Sinto-me reificado, como se eu ainda fosse semelhante a uma coisa que já fui: como se eu fosse um  parônimo corpulento de alguma outra coisa de que sinto saudade. Culmino em balbuciação uníssona de frações impróprias de anamnese,  escrevendo-me errado, mal direcionado entre o real e o imaginário de uma essência que se ovalou nos meus passos. Sou copiosamente contencioso, conquanto aquele cômodo seja teso e me faça senti-lo sobre a pele flácida um pouco acima do estômago. Constranjo-me a felicidade e  transformo o meu músculo cardíaco em um objeto quadrilongo, senão  esquadriado. Visto-me de um sambenito contumaz, felpudo e lanoso, como se o estopim do mundo estivesse no porvir de me sugar a última gota de sangue chafurdada em humanidade. Atiro-me em minha própria arapuca... Que os Tupis, sangue primo da bandeira do  meu país, perdoem-me. Embora bravamente, luto para salvar a minha morte. Eis uma tapera à procura de habitação.

Augusto César

sexta-feira, 11 de maio de 2018

exercício da rima


O poeta pede, sem pudor
embora humildemente
ao poeta de si que o lê, o leitor
tão prezado e paciente
que lhe perdoe o louvor
à rima inconsequente.

Thássio Ferreira



quarta-feira, 9 de maio de 2018

NOITES PRETAS E BRANCAS - Análise crítica - Paulo Betancur


O ROMANCE SURPRESA DE CHIARA CIODAROT – não tire conclusões.

Em NOITES PRETAS E BRANCAS caímos numa fascinante e enigmática narrativa, tomados de puro estranhamento ao longo de todo o romance, frente a uma história de uma certa escola de Paul Auster, sobretudo o Auster que estreou com TRILOGIA DE NOVA YORK, romance no qual o protagonista, Paul Auster, recebe um telefonema de um sujeito chamado Paul Auster. Trata-se, claro, da alteridade. A subdivisão paralela a seu contrário, a multiplicação de uma personalidade. Em Auster, temos duas vidas sob um único nome e uma biografia que não chega a ser similar. Já em NOITES PRETAS E BRANCAS, o romance parte para soluções mais radicais. Aliás, soluções são o que mais falta. Ficção do pleno mistério, um romancista consagrado, Alejando Peñales, recebe uma correspondência de um antigo amigo em comum, Paulo Toledo, na qual afirma acerca de escritores suicidas, entre os quais, o próprio Alejandro. Como? Desde a primeira página a atmosfera é plena em um mundo feito de relações inusitadas. É dito, adiante, que anos depois de um escândalo envolvendo questões de plágio, Toledo acabara suicidando-se. Isto faz com que a trama se teça num amalgamento de personalidades, mesmo diferentes.

Não cometa esse erro: não tire conclusões. Este livro não é território para a mínima certeza. E, no entanto, é exuberante de fatos, singulares todos eles. Temos um morto tão presente quanto um vivo (Paulo Toledo) e um vivo com a reputação de um morto (Alejandro Peñales). No livro muito criativo de Chiara Ciodarot, a história de amor que marca a trajetória toda se dá entre dois homens. O homossexualismo num momento em que, antes de qualquer impacto social, dá-se na intimidade dos dois desejantes.

Paradoxalmente, o individualismo é uma marca forte. Justamente pela trama sustentar-se em terreno pantanoso. Desta forma, o que se constitui em identidade é buscado com unhas e dentes. Até a mais extensa vaidade comparece. Ou, melhor dito, com uma angústia de quem de várias formas está perdido dentro de si mesmo – emocionalmente, sexualmente, artisticamente. É a busca de uma reestruturação para que essa vaidade não diminua, porque só com ela o sujeito se sustenta como voz literária (não esquecer que se tratam de dois escritores).

Há momentos em que diversas cenas parecem truques de prestidigitação. Em que o ilusionismo brotou para nos enganar. Quem é quem. E, identificado, é como, é por quê?

Um dos pontos mais essenciais da obra é a eterna disputa, naturalmente dotada de um certo sigilo, talento contra talento. Se um é mais artista que o outro, não importa: Alejandro Peñales, por exemplo, está convicto que Paulo Toledo “nunca aprendera a terminar uma boa história”. Não há argumentação, senão uma convivência que se entremeia entre o envenenamento e o imenso interesse pelos passos do outro. Mas os fortes temperamentos  fazem com quem tais passos os levem em direções diferentes e, assim, em definitivo se perdem.

Entretanto, não se pode afirmar que houve perda. A própria anotação acerca do suicídio que o “suicida” lê serve de metáfora, espécie de sugestão de retratar o desejo do outro pelo seu desaparecimento. Tão autêntico que, não se matando Alejandro, Paulo o faz por ele mesmo.

Tão inusitada, ficcionista da surpresa, que em seu romance a autora neste trecho “Até onde a mente humana consegue separar realidade e imaginação? Sanidade e loucura? Prosa e poesia? Maldade e bondade? Vida e morte? Essas são as perguntas principais que permeiam o novo livro de Alejandro Peñales (...)” parece estar falando do próprio NOITES PRETAS E BRANCAS. Uma sinopse plenamente cabível.

Chega uma hora que Peñales necessita – quase questão de vida e morte – ler a si mesmo, e ler-se como se lesse a outro autor. O exibicionista pouco a pouco vai afundando num pântano onde, se a autoestima não baixa, a lógica dos fatos se fragmenta. E durante todo o enredo ele e o leitor se veem no desafio de montar o que talvez seja um quebra-cabeça, o que talvez seja um romance de tamanha excelência que num livro só cabem mais outro. Leitura dupla. Identidade com verso e reverso.

Destaca-se também, em alto registro, a linguagem. Em vários idiomas, mas, claro, 90% o português segurando a batuta. O suicídio do até então vivo Alejandro não será comprovado até ele descobrir que Paulo Toledo escrevia tudo – mudando nomes e circunstâncias – sobre Peñales. Num jogo verbal, transição narrativa inesperada, o enredo avança rápido e este romance termina na surpresa. Mais que isso, impossível.

Brilhante! Uma obra-prima de estrutura ficcional.

Paulo Betancur
dezembro de 2014