quarta-feira, 9 de maio de 2018

NOITES PRETAS E BRANCAS - Análise crítica - Paulo Betancur


O ROMANCE SURPRESA DE CHIARA CIODAROT – não tire conclusões.

Em NOITES PRETAS E BRANCAS caímos numa fascinante e enigmática narrativa, tomados de puro estranhamento ao longo de todo o romance, frente a uma história de uma certa escola de Paul Auster, sobretudo o Auster que estreou com TRILOGIA DE NOVA YORK, romance no qual o protagonista, Paul Auster, recebe um telefonema de um sujeito chamado Paul Auster. Trata-se, claro, da alteridade. A subdivisão paralela a seu contrário, a multiplicação de uma personalidade. Em Auster, temos duas vidas sob um único nome e uma biografia que não chega a ser similar. Já em NOITES PRETAS E BRANCAS, o romance parte para soluções mais radicais. Aliás, soluções são o que mais falta. Ficção do pleno mistério, um romancista consagrado, Alejando Peñales, recebe uma correspondência de um antigo amigo em comum, Paulo Toledo, na qual afirma acerca de escritores suicidas, entre os quais, o próprio Alejandro. Como? Desde a primeira página a atmosfera é plena em um mundo feito de relações inusitadas. É dito, adiante, que anos depois de um escândalo envolvendo questões de plágio, Toledo acabara suicidando-se. Isto faz com que a trama se teça num amalgamento de personalidades, mesmo diferentes.

Não cometa esse erro: não tire conclusões. Este livro não é território para a mínima certeza. E, no entanto, é exuberante de fatos, singulares todos eles. Temos um morto tão presente quanto um vivo (Paulo Toledo) e um vivo com a reputação de um morto (Alejandro Peñales). No livro muito criativo de Chiara Ciodarot, a história de amor que marca a trajetória toda se dá entre dois homens. O homossexualismo num momento em que, antes de qualquer impacto social, dá-se na intimidade dos dois desejantes.

Paradoxalmente, o individualismo é uma marca forte. Justamente pela trama sustentar-se em terreno pantanoso. Desta forma, o que se constitui em identidade é buscado com unhas e dentes. Até a mais extensa vaidade comparece. Ou, melhor dito, com uma angústia de quem de várias formas está perdido dentro de si mesmo – emocionalmente, sexualmente, artisticamente. É a busca de uma reestruturação para que essa vaidade não diminua, porque só com ela o sujeito se sustenta como voz literária (não esquecer que se tratam de dois escritores).

Há momentos em que diversas cenas parecem truques de prestidigitação. Em que o ilusionismo brotou para nos enganar. Quem é quem. E, identificado, é como, é por quê?

Um dos pontos mais essenciais da obra é a eterna disputa, naturalmente dotada de um certo sigilo, talento contra talento. Se um é mais artista que o outro, não importa: Alejandro Peñales, por exemplo, está convicto que Paulo Toledo “nunca aprendera a terminar uma boa história”. Não há argumentação, senão uma convivência que se entremeia entre o envenenamento e o imenso interesse pelos passos do outro. Mas os fortes temperamentos  fazem com quem tais passos os levem em direções diferentes e, assim, em definitivo se perdem.

Entretanto, não se pode afirmar que houve perda. A própria anotação acerca do suicídio que o “suicida” lê serve de metáfora, espécie de sugestão de retratar o desejo do outro pelo seu desaparecimento. Tão autêntico que, não se matando Alejandro, Paulo o faz por ele mesmo.

Tão inusitada, ficcionista da surpresa, que em seu romance a autora neste trecho “Até onde a mente humana consegue separar realidade e imaginação? Sanidade e loucura? Prosa e poesia? Maldade e bondade? Vida e morte? Essas são as perguntas principais que permeiam o novo livro de Alejandro Peñales (...)” parece estar falando do próprio NOITES PRETAS E BRANCAS. Uma sinopse plenamente cabível.

Chega uma hora que Peñales necessita – quase questão de vida e morte – ler a si mesmo, e ler-se como se lesse a outro autor. O exibicionista pouco a pouco vai afundando num pântano onde, se a autoestima não baixa, a lógica dos fatos se fragmenta. E durante todo o enredo ele e o leitor se veem no desafio de montar o que talvez seja um quebra-cabeça, o que talvez seja um romance de tamanha excelência que num livro só cabem mais outro. Leitura dupla. Identidade com verso e reverso.

Destaca-se também, em alto registro, a linguagem. Em vários idiomas, mas, claro, 90% o português segurando a batuta. O suicídio do até então vivo Alejandro não será comprovado até ele descobrir que Paulo Toledo escrevia tudo – mudando nomes e circunstâncias – sobre Peñales. Num jogo verbal, transição narrativa inesperada, o enredo avança rápido e este romance termina na surpresa. Mais que isso, impossível.

Brilhante! Uma obra-prima de estrutura ficcional.

Paulo Betancur
dezembro de 2014

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