sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Poema de Yassu Noguchi


a  a cada dia
 enxergo menos (miopia)
e no mesmo a cada dia
 enxergo longe (utopia)

Yassu Noguchi

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Não entendo


 Não entendo dos tempos que me passam e
dos que se desviam
dos edifícios e das calçadas intactas
da rua onde morei há trinta anos
das janelas as mesmas portarias
as fotos que bati com meus olhos
que hoje revelo na memória:
está ali eu
- que não sou mais essa -
passeando com um carrinho de bebê
sorrio o sorriso do meu filho que olha a
brincadeira do vento com as folhas
pisco os olhos
sinto saudades
assim é o tempo
esse piscar de olhos

Rosália Milzstajn

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Não fales tanto


Não fales tanto
Com o tempo
o eco reverbera
e fica insuportável

cale-se enquanto
é tempo e por dentro
teça um instrumento
para a composição da melodia

a melodia quando pronta
alcança os justos e inocentes
e saberás quem anda ao teu lado

Rosália Milzstajn

sábado, 23 de setembro de 2017

O pássaro solitário


Dentre os pássaros, um rei
encolhido, solitário
na sua plumagem dourada
contradiz os sons e alaridos.

O silêncio se acostuma com as horas
Pássaro e ousado
a leitura do mundo em seus olhos.

Acordado no dia
o sol, límpido e austero.

Voo em alinho
no alinhave da rede humana.

Malabares em surdina
cortejando o chão, voo.

O entrecortar de nuvens, ar
no longínquo espaço do risco.

Ziguezagues em desatino, lindo
o ar se molha de chuva
É o choro do pássaro
na sua solidão profunda.

Alexandra Vieira de Almeida

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Eros


Cama macia
Pele macia
Arde no meio
Da noite

Atiçamos a brasa
A nudez velada
A boca se abre faminta

A fome não cessa
A terra gira as palavras
Escapam como balões de ar

Suor e sal
Momento irracional
No peito o coração implode
A alma padece no íntimo.

Diego Wayne

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Prece de um dia quase igual a todos


Deus dos delicados, não me abandone nessa guerra insana.
Minha máquina de ser beira a pane enquanto o veludo da voz de Billie
lambe as paredes do lusco fusco.
Abençoe, senhor, tudo que dói em nós, indispensável.
As tardes despenteadas em Grumari,
as lágrimas do homem que me amou e nunca disse,
o negro agonizante sob o sol narcísico de Ipanema,
as crianças que tão cedo me deixaram farta de lágrimas e leite.
Abençoe as escarpas da minha vida enquanto desenterro estas palavras
- o carmim destas palavras - com as lascas afiadas da dor.
Sonho piscinas, atraída pelas labaredas.
Preciso dormir bem dentro das suas asas enormes, pai.

Ledusha

sábado, 16 de setembro de 2017

Excitação sobre o amor humor na poesia contemporânea


Amor Humor, Flamor x Flumor, sempre um clássico, jogado há 90 milhões de eras o Amor Humor nasceu como o Fla x Flu, 45 minutos antes do nada.

Amor, humor. Quando Oswald de Andrade escreveu isso foi o momento da descoberta da fusão atômica. A fusão é diferente da fissão. Na fusão dois átomos se juntam para formar um só. Mais energia é liberada e não há radioatividade. Amor/humor é a fusão poética clássica. Oswald estava ali na ponta de lança do movimento poético da mais alta tecnologia de ponta, mas o que fez foi olhar para trás e buscar no inconsciente coletivo o que de mais básico existe em todos nós. Um nó de coisas que não são nada simples.

Eu sempre olhei esse poema pensando “por que Amor não tem H, porque Humor tem H?” Achei durante muito tempo que a linguagem era aquilo que tornava possível a comunicação, mas no dia que eu descobri que a batata doce é a melhor para os diabéticos pois é a que tem o menor índice glicêmico, tudo caiu por terra! Batatinha quando nasce se esparrama pelo chão! Como pode a batata doce, já diz o nome DOCE, ser a menos doce das batatas?! Terra devastada! Eu percebi que a linguagem não serve para comunicar, serve só pra poesia mesmo. Isso parece engraçado, mas na verdade nos deixa vendidos, num mundo de caos, ou de caôs? Tá vendo, uma mudançazinha de som e já não estamos entendendo mais nada.

O Octavio Paz comparou uma vez a linguagem, poesia e sexo num livro chamado a Dupla Chama. Muita gente entende que sexo é só para procriação, isso é como acreditar que a linguagem serve só para a comunicação. Outros acham que o sexo é mais do que isso, é erotismo, é prazer, gozo mutuo, festa do corpo e do espírito. Para esses a linguagem não serve só para comunicar, e essa linguagem que não está nem aí para a comunicação é a poesia. Ela é a erótica do texto.

O sexo só para procriação só pode acontecer entre um homem e uma mulher, o sexo pelo prazer erótico pode acontecer entre quem quiser, até entre indivíduos de espécies diferentes! Assim também é a linguagem. Se você quer se comunicar escreva direitinho, num papai mamãe linguístico, mas se quiser gozar junto, se solta, solta a franga, despiroca, se embuceta.

Essas inversões e diversões me lembram os travestimentos. A poesia é um travesti. Ela usa a linguagem como vestimenta e arma para se transformar numa coisa que ela não é, mas a partir do momento que faz isso ela já é aquela coisa que ela não era.

Macunaíma, capítulo IV: A Francesa e o Gigante: “Resolveu enganar o gigante. Enfiou um membi na goela, virou Jiguê na máquina telefone e telefonou pra Venceslau Pietro Pietra que uma francesa queria falar com ele a respeito da máquina negócios. O outro secundou que sim e que viesse agorinha já porque a velha Ceiuci tinha saído com as duas filhas e podiam negociar mais folgado. Então Macunaíma emprestou da patroa da pensão uns pares de bonitezas, a máquina ruge, a máquina meia-de-sêda, a máquina combinação com cheiro de cascasacaca, a máquina cinta aromada com capim cheiroso, a máquina decoletê úmida e patchuli, a máquina mitenes, todas essas bonitezas, dependurou dois mangarás nos peitos e se vestiu assim. Pra completar inda barreou com azul de pau campeche os olhinhos de piá que se tornaram lânguidos. Era tanta coisa que ficou pesado mas virou numa francesa tão linda que se defumou com jurema e alfinetou um raminho de pinhão paraguaio no patriotismo pra evitar quebranto.”

O Mario de Andrade também sabia das coisas e Macunaíma é travesti francesa, armada de meia de seda, salto alto e de linguagem para derrotar o gigante. Isso é amor, isso é humor, e sempre funciona.
Ou não funciona tanto, porque nem eu mesmo estou entendendo do que eu estou falando. Sou um incompreendido de si próprio. Mas pelo menos se dá pra rir de si ainda dá pra se amar. Só é possível se amar quando se consegue rir de si mesmo. Só é possível amar o outro quando é possível rir um do outro meu bem, se não o que resta é chorar. Sim, eu citei Los Hermanos, o Vento.

E com eles chego ao contemporâneo, ao agora, essa busca incessante pelo presente. Mas o que é o contemporâneo? Só quem está vivo aqui com a gente, ou essa galera toda que já morreu, mas a gente conversa direto, tipo o David Bowie? Para mim são todos contemporâneos, os que aqui estão vivos nessa sala e o velho Alphonsus de Guimaraens morto em 1921, que se foi não sem antes dizer para o Osório Duque Estrada que preferia o livro “A arte de fazer vatapás a baiana”, do que célebre: “A arte de fazer versos”. Eu acho isso uma grande piada e uma grande sacanagem com o vatapá e as baianas. Comparar essa cultura maravilhosa com aquele livro chato do cara que escreveu aquela letra do hino nacional toda cheia de inversões sintáticas incompreensíveis.

Mas eu não posso falar mal dele se estou dizendo o tempo todo que poesia não é para comunicar. É para gozar. E afinal dá pra gozar muito nas inversões, como já vimos com o Macunaíma.

Talvez o Osório tenha tentado fazer uma grande piada quando escreveu o hino nacional. Vejam o David Foster Wallace, contemporâneo, porque nasceu ali em 1962, mas já morreu então não é mais contemporâneo, difícil esse conceito. Mas enfim, ele uma vez escreveu uma crônica chamada: “Alguns comentários sobre a graça de Kafka dos quais provavelmente não se omitiu o bastante”. Diz o David: “Para mim, uma frustração marcante de tentar ler Kafka com universitários é ser quase impossível fazer com que percebam que Kafka é engraçado”. Kafka, engraçado?! Eu juro que tentei! Li várias vezes a crônica, reli o Kafka, mas não tem jeito,  termino sempre chorando. Talvez eu tenha errado de livro, mas o que estava mais perto na hora que eu escrevia esse texto era o Carta ao Pai então vamos rir com o Kafka: “Querido Pai: Você me perguntou recentemente por que eu afirmo ter medo de você. Como de costume, não soube responder, em parte justamente por causa do medo que tenho de você, em parte porque na motivação desse medo intervêm tantos pormenores, que mal poderia reuni-los numa fala. E se aqui tento responder por escrito, será sem dúvida de um modo muito incompleto, porque, também ao escrever, o medo e suas consequências me inibem diante de você e porque a magnitude do assunto ultrapassa de longe minha memória e meu entendimento.”
OUCH! Nunca consegui passar desse parágrafo do livro. É muita porrada, não é engraçado.

Mas brincadeiras à parte eu entendo o David Foster Wallace. Ele diz que existem muitos humores e que os americanos estão acostumados ao stand-up, ao humor fácil, de piadas prontas, da punch line. Talvez eu esteja totalmente colonizado e seja um dos universitários americanos lendo Kafka, é sempre difícil entender a língua e o humor do outro. Mas sempre vale o esforço.

Pra mim engraçado e muito mais do que engraçado é o livro da Gaúcha Angélica Freitas.

“Um útero é do tamanho de um punho” é amor/humor em sua potência mais contemporaneamente exacerbada. Um livro que trata com amor e humor um tema porrada: O que é ser mulher hoje! Página 39 da primeira edição. Poema Mulher de respeito: “diz-me com quem te deitas / Angélica Freitas”. Todo mundo quer saber com quem você se deita / nada pode prosperar! Citei o Caetano agora pra compensar o Los Hermanos.

Amor Humor, Flamor x Flumor, sempre um clássico. Mas não na acepção mais comum do termo Fla x Flu, que quer dizer embate sem fim de contrários e sim na ideia, que no fundo reside em cada arquibancada de cimento, de que sem Fla não há Flu, sem Flu não há Fla. Opostos complementares, espelhos invertidos, o mesmo lado da outra moeda.
E fico devendo pra vocês a punch line!

Domingos Guimarãens

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

quintanares


vesti roupas novas
sapatos noturnos
para derrubar muros
e ser moderno.

Flávio Machado

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Poema de Yassu Noguchi


a potência
de uma coisa
está na beleza
da mesma
encontrar
sua sutileza

Yassu Noguchi


segunda-feira, 11 de setembro de 2017

À venda


Vende-se uma casa
com tudo dentro,
incluindo o cachorro.
Vende-se uma casa
com infiltração na cozinha
e alguns pratos quebrados,
onde por algum tempo
os donos foram felizes.
Compraram-na à prestação,
assim como a geladeira inox,
a mesa de madeira e a cama Box
onde eles tanto suaram.
A piscina acumulando mosquitos,
atuais residentes
do que um dia foi motivo de alegria.
Agora é caso de polícia,
o amor de briga.
E tudo será repartido
como o coração dos donos.

Diego Wayne

sábado, 9 de setembro de 2017

To say | Dizer — poema e tradução


To say

The man says: should not be here
        my way shows the other side
to where I will go
and where I will settle down and believe
I have reached my destination: the path
will be completed by the songs
I will play at the end of days

nothing happens by chance and songs are
sounds unestablished in the musical sheet
which improvisation surpasses reason
in the ignorance of dreams

the man says: no matter how bad
I am available and my readings
complete what I was thaught
almost nothing
            very little of this crazy science
that changes concepts of what is known
today and was known yesterday that tomorrow
will be new instruments and my silent voice
will say nothing at the end of the day.

Marina Du Bois


Dizer

O homem diz: não deveria estar aqui
       meu caminho indica o outro lado
para onde irei
e onde me estabelecerei e acreditarei
chegar ao meu destino: o caminho
se fará completo nas músicas
que tocarei no final dos dias

nada acontece por acaso e músicas
são sons não estabelecidos na pauta
que o improviso sobrepuja a razão
no desconhecimento dos sonhos

o homem diz: por pior que seja
estou disponível e minhas leituras
completam o que me foi ensinado
quase nada
         muito pouco dessa ciência louca
que muda conceitos do que se sabe
hoje e se sabia ontem que amanhã
serão novos instrumentos e minha voz
calada no final do dia não dirá nada.

Pedro Du Bois

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Pintura Renascentista


Emoldurado
por uma árvore
de folhas verdíssimas
por um céu
azulíssimo
ao lado de uma construção
despedaçada
quase uma ruína grega
sentado descuidadamente
uma perna jogada
ao acaso
as mãos apoiando
o corpo desenhado
a la Miguel Ângelo
com seus músculos
ligeiramente
flexionados
e seus cabelos esvoaçantes,
lá estava ele:
- O dândi moderno.

Max Leite

terça-feira, 5 de setembro de 2017

de leve


feminista sábado domingo segunda terça quarta quinta
e na sexta lobiswoman

Ledusha

domingo, 3 de setembro de 2017

Viagem


Uma embarcação no leito
e a lenta morte fazia sua hora.

O barco de papel trazia
um alfabeto de esqueletos mágicos.

O sol penetrava nos cabelos
das palavras doces
do livro itinerário.

No rio de símbolos
costurados pelo céu
um tapete de lágrimas.

A chuva se fez prece dos viajantes
percorrendo os papéis do vento.

Duas taças, a aliança
no ritmo dos vagalumes
a luz, acesa a espera.

O mapa do mistério da morte
amor em pedaços, sangra a lua.

A viagem pela escrita
um vazio de tempo
a bússola inumana das raízes.

O papel se mancha de tinta ácida
o rio percorre as pupilas – lenda
viajante sou de um barco maior –
o mar.

Alexandra Vieira de Almeida 

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

gás


deveria
ser mais do que um grito
de libertação

mas é apenas um
poema.

Flavio Machado