quarta-feira, 17 de junho de 2009

Uma escrivaninha “abandonada” no museu de Guimarães Rosa, por Fabiano Mafia Baião

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Num domingo do mês de abril, quando estava em Codisburgo, na casa de um grande amigo, fui ao museu de Guimarães Rosa. Acompanhava o Rodolfo e a Ruth, sendo que o primeiro fora até este para pegar sua bolsa, e assim, retornarmos à Belo Horizonte.

Na porta do museu, que é assentado na casa onde o escritor quando menino morou, postei-me a observar sua estrutura física de uma época já antiga, e que remetia aos olhos os tempos de meus avôs e das “molecagens” de Guimarães.

As portas e janelas de madeira, as hastes na parede que traziam luz, o conjunto em si embelezavam a mente na percepção da beldade vetusta, isso, me deixou com um ar de inveja, por só agora ter estado ali.

Já no interior, aproveitei para vasculhar um pouco sobre a vida do autor. Contemplei fotografias antigas na parede, em seu quarto, a cadeira de balanço que embalava sua imaginação, a cama onde muitos sonhos repousaram e na mesinha que avistei ao lado, as gravatas que o engomavam, no outro canto, o armário onde seus ternos descansavam.

Mas coleando pelos cômodos, cheguei até uma salinha onde havia uma mesa, toda de madeira, grande e de extrema lindeza, na parede só pude observar um quadro que expunha o certificado da Academia de Letras do escritor, e a data a qual este virou “imortal”, 16 de novembro (lembro-me bem desta pelo fato de se tratar do meu dia de anos). No mais, nada prendia meus olhos, pois o ar de mistério daquela escrivaninha planava por quatro paredes, e vestígios de ocultação me chamavam à atenção.

Pus-me a rodear aquela mesa, objeto que pertencia a sua biblioteca de seu apartamento no Rio de Janeiro, quando de repente bafejam em meus ouvidos: Foi em cima desta mesa que o encontraram morto! E mais tarde, já em Belo Horizonte, vim a descobrir que ele foi encontrado debruçado e já falecido pela neta, no dia 19 de novembro de 1967 na “cidade maravilhosa”, morte que adveio de um malfeitor anti-literário, o infarto.

Quando fiquei a sós no recinto, e de olhos presos em indagações de tudo que se passara naquela mesa e cadeira, notei que lágrimas escorriam da madeira, mas não eram lágrimas de tristeza pela morte do poeta, mas de saudade dos velhos tempos em que ela e o escritor eram grandes amigos, dos tempos em que os estros de Rosa eram em sua companhia transcritos, dos tempos que servia de aconchego para embalar devaneios. O poeta havia lhe abandonado, estava ali deixada às traças, e nem um outro, ousou até então, lhe dizer um poema, lhe contar uma estória, para acalentar seu pobre coração que aparava-se em desespero e agonia.

De olhos tomados pela emoção, sentia que era meu dever, não podia deixar uma agonia perdurar por mais de 42 anos, então, fui à busca nos bolsos de minha calça de um poema, era impreterível, e na minha mão, meu poema - Guimarães Rosa vive em odoríferas rosas - surgiu, e foi quando comecei a recitar que a grande Rosa, de minha boca, baforejava aquele aroma pelo cômodo e partículas de sua essência poética apascentava-se na superfície da vetusta madeira, e no reencontro com o poeta, enfim poderia viver em delírio.

Retornei para Belo Horizonte com um ar de tranqüilidade, pois o abandono, feito pela maldade do humano, havia sido suprido, não por mim, mas pela poesia que tinha a grande Rosa, pois nela, tinha um pouco de Guimarães Rosa.
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Fabiano Mafia Baião
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