quarta-feira, 17 de julho de 2024

Cafés torrados, de Eduardo Moraes

Um dia, tomando um café na rua sozinho e meio entediado, fiquei prestando atenção na conversa de duas mulheres. Todo entediado é meio fofoqueiro. O papo não era nada interessante: Thomas estava com problemas na escola e Julinha não queria mais ir ao balé. Do outro lado fiquei sabendo que Mauro tinha rompido o ligamento cruzado e que estava querendo mudar de emprego. Até que a mãe de Thomas e Júlia, depois de tomar um gole do café e fazer uma cara feia, falou uma frase que me instigou:

”Menina… Não me acostumo com esses cafés especiais. Acho até ruim! Sei que aquele que tomo em casa é super torrado e que nem café puro é, mas já me acostumei com aquele gostinho, é até familiar.”

As mudanças, ainda que para melhor, costumam ter um gosto estranho e ser incômodas e difíceis de digerir.

Ela sentiu saudade do café ruim. A nostalgia bateu. Lembrou só dos seus pontos positivos. Será que só porque era familiar que era bom? E as novidades trazidas pelo especial criaram resistência e repulsa. Até as qualidades viram defeitos.

É caindo nessa que voltamos à estaca zero ou descemos um degrau. Muitas vezes escolhemos substituir o café ruim por outro ruim ou pior. Ou vivemos o estranho vazio que se auto completa ao sentir a ausência do negativo que se foi. Que não sabemos se é cômodo ou incômodo. E nos fechamos. Degradamos. Encolhemos. Criamos casca. E o especial vai perdendo espaço, se afastando e se deixando afastar. E vamos caindo nas peças que nossas cabeças nos pregam fechando os olhos para os bons ventos que podem estar por vir.

Mudar dói, dá frio na barriga e te faz questionar muitas coisas, mas é bom demais completar um vazio deixado por algo ruim com algo que realmente faz sentido, que foi trabalhado e pensado para o seu próprio bem. Certamente a saudade do super torrado vai bater quando você menos esperar, o estranhamento pelo especial também, mas um dia você acorda e, sem perceber, seu paladar mudou e seu sarrafo foi levantado.

Que aprendamos a evitar os cafés super torrados, e, é claro, a viver e sentir muitos incômodos (dos bons), ainda que saibamos que não será fácil se acostumar com eles.

Eduardo Moraes

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