sexta-feira, 21 de junho de 2024

Entrevista: Lu Menezes — paixões, leituras e escritas

                                                     por Anny Games, Gabriel Harle, Lucas Viriato e Marcella Mahara


Lu Menezes nasceu em São Luís (MA), em 1948, e cresceu no Rio de Janeiro, onde vive atualmente. Morou em Brasília, onde graduou-se na UnB em sociologia. No Rio, doutorou-se pela UERJ em Literatura Comparada. Publicou os livros de poesia O amor é tão esguio (ed. independente, 1979/80); — Abre-te, rosebud! (Sette Letras, 1996); Onde o céu descasca (7Letras, 2011); Gabinete de curiosidades (com Augusto Massi, Luna Parque, 2016) e Querida holandesa de Vermeer (Luna Parque, 2020), além do ensaístico Francisco Alvim por Lu Menezes (col. Ciranda da Poesia, Eduerj, 2013). Seu livro mais recente é Labor de sondar (1977-2022): poesia reunida (Círculo de poemas, 2022).


1) Como a leitura e a Literatura entraram em sua vida e como você se relaciona com elas hoje?  

Entrou via Literatura infantil e contos de fadas, ao lado de revistinhas e o que estivesse ao alcance desta primeira e infindável paixão: "leitura" em geral. Soube que aos seis anos, família reunida em torno da grande mesa na varanda do sítio de uma tia, chega o caseiro com um bilhete para ela; levanto e sussurro em seu ouvido "Me deixe ler este bilhete, por favor!". Hoje, suplico ao Tempo que me deixe tempo para ler. Quanto ao que já escrevi, não ter rede social além do WhatsApp talvez contribua para eu ser, acho, bem pouco lida. Em compensação, algumas poucas pessoas me leem muito bem! Minha poesia  em 2022 reunida pelo Círculo de Poemas e publicada pela Fósforo em Labor de sondar, vem reforçando isso.


2) Dom, inspiração, trabalho, achado: nasce-se artista ou torna-se artista?

Não sei, talvez varie. Ironicamente, o grande Rimbaud, caso clássico de poeta nascido "pronto", deu as costas a ser "poeta" — título tão honorífico no meio cultural quanto irrelevante fora dele.


3) Sendo uma filósofa e uma artista da palavra, o seu olhar está sempre afiado, ou você consegue ser uma “leitora amadora”? Há um botão de liga/desliga? 

Botão de liga-desliga não tenho nem na livre-escolha nem no ter-que-ler. Estando quase sempre sujeitos à inconstância do inconsciente, podemos — sem prever — nos decepcionar, entediar ou encantar.


4) Em todo verdadeiro artista, a arte e a vida são uma coisa só. O que você acha dessa afirmação? Há separação? 

Artistas não são "verdadeiros" ou "falsos....Talvez, verdadeiramente bons ou ruins; depende do que você, eu, gregos e troianos achem. E, na relação arte-vida, a separação ou fusão de ambas deriva da arte e da vida de cada um. Absoluta relatividade certamente aí reina.


5) O que você considera ter sido fundamental para a sua formação? O que está lendo agora? O que indica como leitura para o momento atual? 

Fundamentais: a leitura aos 13 anos de Minha vida de menina, de Helena Morley — pela simplicidade e precisão; e, mais tarde um pouco, Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll — pelo uso da linguagem também enquanto superfície, valor da camada significante. Atualmente, releio a poesia de Borges, tão incomparavelmente entranhada no que a história humana possui de mais atemporal! Magnífico antídoto para a terrível turbulência atual no Oriente Médio. E, a propósito, em chave "jornalística", os sempre excelentes artigos dominicais de Dorrit Harazim e Bernardo Mello Franco no Globo.


6) A Literatura é, por vezes, considerada como escape da realidade e, em outras, como forma de abrir nossos olhos para suas sutilezas. Como lida com essas percepções em sua escrita criativa? 

A boa literatura não é "escape" no sentido de alienação da realidade: saímos do círculo do real imediato rumo ao encontro, via imaginação & linguagem, de outras possíveis faces suas reveladas. Quanto a isso, prefiro não tentar avaliar minha própria escrita; é tarefa pertinente à crítica literária.


7) Todos já fizeram poemas algum dia, em geral na juventude. Você escreve poesia há bastante tempo. O que te faz permanecer poeta?

Não sei se permaneço "poeta"... porque nunca ambicionei "ser poeta" — mas fazer bons poemas, com o mesmo direito ao prazer de criar que qualquer outro artista tem, mesmo sendo "poesia" uma arte "não-rentável".

 

8) Você nasceu no Maranhão e veio para o Rio de Janeiro ainda jovem. Poderia nos contar um pouco sobre as lembranças que guarda da infância e do seu estado natal?

As raízes são maranhenses, mas vim criancinha para o Rio. Não tenho, por isso, lembranças narráveis de São Luís, e esta entrevista não poderia ser sobre "minha infância no Leblon de outrora". Contudo, já que o seu motor foi o fato de eu "escrever", conto que meu bisavô paterno, Jefferson Nunes, "coronel todo poderoso e chefe político", como o descreve Sebastião Nery em seu Folclore político — que nele inclui três deliciosas historietas dele, era bastante espirituoso nos embates com adversários. E meu avô materno, além de juiz de direito, hábil sonetista. Algum lastro verbal "de raiz", portanto.


9) Você diria que essas lembranças e a experiência de deslocamento do Maranhão para o Rio, levando em consideração a passagem por Brasília, repercutem de alguma forma em sua obra?

Brasília foi muitíssimo mais que uma "passagem" em minha vida. Dos 13 aos 23 anos, foi um lugar maravilhosamente singular onde tive uma adolescência singularmente boa. Na UnB, depois de ingressar em Letras, acabei graduando-me em Ciências Sociais, com ênfase em Sociologia. De algum modo,  infância carioca e adolescência brasiliense induziram-me a escrever tendendo a equilibrar "figuração" — à sombra do Rio —  e "abstração" — à luz de Brasília.


10) A atividade de pesquisadora repercute no seu trabalho como poeta? E vice-versa?

"Pesquisa" é algo com amplíssimo espectro...Estudar já é pesquisar, e a pesquisa que mais me envolveu até hoje foi meu percurso estudantil (culminando em doutorado na UERJ).Ser estudante foi o que mais adorei ser na vida, além de mãe. E, sim: claro que estudar repercutiu na escrita; tudo pode repercutir na poesia que faço.


11) Quais as qualidades de um bom leitor?

Gostar de ler e ler com atenção são certamente indispensáveis a um "bom leitor" ideal. Também às vezes "discutir" com o que é lido. Por exemplo, com Borges quando diz no belíssimo "Elogio da sombra" que "La vejez (...)/ puede ser el tiempo de nuestra dicha./ El animal ha muerto o casi ha muerto./ Quedan el hombre y su alma."


Esta entrevista foi realizada como um desdobramento das atividades de práticas extensionistas realizadas junto aos alunos da graduação em Letras da PUC-Rio, sob a supervisão da professora Helena Martins e com a coordenação de Suzana Macedo e Lucas Viriato.


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