sábado, 19 de julho de 2025

Chico Diaz questiona os conceitos de loucura e sanidade no libertário fluxo poético do monólogo “A lua vem da Ásia” 🌙

 

“Louco é quem me diz... e não é feliz”, já alertaram Os Mutantes na balada de 1972. Monólogo teatral protagonizado por Chico Diaz, “A lua vem da Ásia” é a lúcida balada do louco deste ator de origem mexicana que vive desde 1969 no Rio de Janeiro (RJ), cidade onde a peça está atualmente em cartaz aos sábados e domingos no Teatro Vannucci, até 31 de agosto.

“A lua vem da Ásia” é adaptação ferina do homônimo segundo romance do poeta e escritor mineiro Walter Campos de Carvalho (1º de novembro de 1916–10 de abril de 1998). Publicado originalmente em 1956, o romance “A lua vem da Ásia”, escrito em primeira pessoa — sob a ótica de um narrador fictício que imagina estar em lugares como um hotel estrelado e um campo de concentração quando se encontra em um hospício —, questiona os conceitos de loucura e sanidade. Ali, no palco do teatro, Diaz mostra o quanto de lucidez pode haver na loucura. E o quanto de insanidade pode haver na suposta normalidade do status quo, capaz de criar hospícios para enjaular todos que se posicionam “fora da ordem mundial”.

No quadrado do palco, iluminado de forma tão delicada quanto poética por Rodrigo Belay, o ator dá vida e voz a um louco-são
que, com grau adicional de mordacidade (contribuição do ator ao texto de Campos de Carvalho), dispara torpedos políticos, tingindo o romance com o verniz da atualidade. Direita? Esquerda? Centro? Que caminho seguir? O narrador criado por de Campos de Carvalho segue os caminhos imprevisíveis e insondáveis da própria mente, ciente de que cada mente humana é uma ilha isolada, cercada de loucuras por todos os lados.

Adaptador do romance para o palco, Chico Diaz tem intimidade com o texto de Campos de Carvalho. O ator já encenara “A lua vem da Ásia” em 2011. A montagem ora em cartaz no Rio de Janeiro é uma segunda versão do texto trabalhado pelo ator para a cena. Em rotação pelo Brasil desde 2021, essa remontagem se afina com a quentura e a fricção de um país polarizado e em ebulição política desde 2016. Não há panfletagem em cena, mas o lucidez alucinada de Diaz sabe e aponta os caminhos a serem seguidos, com direito a uma saudação ao revolucionário marxista Che Guevara (1928–1967).

É preciso ter prévio conhecimento da obra de Campos de Carvalho para poder fruir, em toda a plenitude, essa adaptação cênica que concilia suavidade e surrealismo, tangenciando o universo do Teatro do Absurdo. A mente desgarrada do “ser insano” é a válvula de escape, o passaporte que garante amplo trânsito por um mundo sem fronteiras. Em essência poética, “A lua vem da Ásia” é uma volta ao mundo dentro da própria cabeça. E a moral da história é que a liberdade da loucura é a única possível rota de fuga que leva à sanidade mental.

Além de iluminar consciências com o tom provocativo do texto, a lira do delírio de “A lua vem da Ásia” é veículo para a exposição do talento sobressalente de Chico Diaz. Longe de qualquer traço caricatural, a máscara facial do ator realça a imensidão da imaginação do louco lúcido que encarna em cena. Nada sobra. Nada tampouco falta. Ajudado por figurinos que evocam a leveza e a liberdade que movem o suposto “doido”, Diaz é a imagem poética da precisão em cena, transitando com naturalidade entre a memória de alguns fatos e a invenção de outros fatos pela mente delirante do personagem.

Campos de Carvalho chegou a caracterizar a narrativa de “A lua vem da Ásia” como um “gigantesco grito lançado sobre a vulgar balbúrdia cotidiana”. No sanatório geral de 2025, o grito do poeta reverbera nas palavras de Chico Diaz no centro de um palco que representa o mundo livre e são da imaginação.


Mauro Ferreira

Um comentário:

Lucas Viriato disse...

Eu adoro Campos de Carvalho e amei assistir essa peça! Recomendo!!!