A primeira exposição individual do artista no Museu Oscar Niemeyer (MON) vai pegar milhares no contrapé até novembro
Curiosidade, 2021, Barrão
Quase tão bons quanto
as obras do artista plástico Barrão são os nomes com que ele as batiza. Aliás,
como é triste ver no folheto de uma exposição um quadro “sem título”. Barrão
vai por outro caminho.
Escolhe ótimos
títulos para seus seres de cerâmicas coloridas, esculturas de resíduos pintadas
a tinta automotiva, e para suas aquarelas e instalações invulgares, que recebem
nomes como “Mufakaos”, “Soldado Kurosawa Figurante”, “Ninfas Derramadas” e
outros tantos.
O espectador fica procurando
a sutileza que moveu o artista, mas, quando percebe o conjunto completo da obra,
nota como a intenção de seu criador pode ter sido tanto insinuar ou converter quanto
até mesmo perverter o seu sentido, aplicando a ela uma mão a mais de informação
poética.
Tudo sempre, claro,
para confundir, pois Barrão é expoente daquela arte pop que rebentou nos anos
1980 feito um braço solar da new wave à brasileira, linda e cheia de
rock, videomakers e Chacrinha — arte que empurrou a ditadura para o abismo.
“Teia à Toa” é também
o belo (e aliterado) título da primeira mostra individual de Barrão em Curitiba
em seus mais de 40 anos de carreira. Com curadoria de Luíza Mello, a exposição
no Museu Oscar Niemeyer reúne perto de 70 obras, todas criadas no século 21,
muitas nos últimos 3 anos.
Habitante local, me
alegro de ver “Teia à Toa” ocupando a sala 3 do MON, que é como chamamos
o prédio que leva o nome do arquiteto comunista. Folhetos de agências de
turismo e legendas de vídeos de tiktokers preferem chamá-lo de “Museu do Olho”.
Oscar Niemeyer no
MON
O prédio projetado
por Niemeyer nos anos 1970 para abrigar a burocracia no centro cívico
modernista da capital foi reinventado no final do século 20. Ganhou um anexo,
cuja curvatura lembra de fato um olho elipsoidal, e, hoje, além de ser o museu
mais importante do estado, é o segundo ponto turístico mais concorrido da
cidade.
Todos os dias,
dezenas de ônibus estacionam ali, trazendo milhares de turistas de todo o
Brasil, especialmente às quartas-feiras, quando a entrada é gratuita — não por
acaso o dia que escolhi para visitar a mostra.
Eu queria observar a
reação dos turistas, estratégia que funcionou, já que pude captar a sensação de
divertido estranhamento na cara das pessoas, algo que, imagino, deve agradar o
autor da mostra. A obra de Barrão é, sobretudo, muito engraçada.
Enquanto eu deambulava
pelo salão, a meu redor se encontravam dezenas de pessoas e muitas crianças que
davam trabalho à equipe da segurança. Difícil mantê-las na distância
recomendada e impedi-las de mexer em cavalinhos, gorilas e lanternas espalhados
pelo espaço.
Sala da exposição Teia à Toa
Quando vi um casal de
jovens bonitos e espertos se divertindo tanto quanto eu, a minha veia de repórter
pulsou e me fez querer ouvir suas impressões a quente.
Heric Carvalho é de Fortaleza
(CE) e Karen Poletti, de Chapecó (SC). Eles nunca tinham ouvido falar de
Barrão, nem do Parque Lage, mas entenderam a jogada. “Me chamou a atenção que
são coisas que poderiam estar na casa da minha avó”, disse Karen.
“Eu gostei muito,
achei interessante a forma como ele pega coisas cotidianas, do dia a dia,
restos, lixos, resíduos, e transforma elas em obra de arte com ‘valor último’,
entre aspas. Eu não conhecia o Barrão. Dá pra ver que ele trabalha com bastante
coisa diferente. Essas colagens que ele faz, elas não partem de uma ideia de
molde, mas de quebra. Ele vai quebrando e construindo”, relatou Heric.
Heric Carvalho (CE) e Karen Poletti (SC)
Um belo resumo da
arte do mestre da bricolagem que, entre outras coisas, está em Curitiba para
ensinar “onde a coruja dorme”, nome de uma de suas instalações mais fodas.
Outra instalação bem impressionante
é aquela em que ele usa plintos — ou qualquer que seja o nome dado a supedâneos
que sustentam pias — entrelaçados, que formam uma espécie de hashis de bambu
gigantes de porcelana.
Minha peça preferida,
porém, é o quintessencial “peixe boca de xícara”. Se tivesse dinheiro sobrando,
eu investiria uma grana nela.
Peixe boca de xícara, Barrão
Como já morei no Rio
de Janeiro, sei que um artista como Barrão só poderia ter acontecido por lá. Em
que outra cidade haveria tanta matéria-prima oriunda do comezinho domiciliar de
casas tijucanas de classe média baixa, que se acopla a jogos de chá de famílias
decadentes do velho Rio, tudo misturado à sucata dos anos 90 e ao epóxi dos
nossos dias?
Me parece bastante
apropriado, contudo, que ele esteja por aqui, diante dos olhos de muita gente
que ainda não o conhece. Barrão é um daqueles artistas que transformam as
coisas e seus destinos históricos. É reconfortante pensar no que ele pode fazer
pelas cabeças e almas que o encontrarem até final de novembro, quando termina a
exposição.
Sandro Moser em Teia à Toa
Exposição Teia à Toa
Artista: Barrão
Curadoria: Luiza Mello
Data: 10 de julho a 30 de novembro de 2025
Local: Museu Oscar Niemeyer, Sala 3, Curitiba, PR
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