quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O estilo kitsch eu renegava

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Cordilheira, além de ser um dos romances brasileiros mais elogiados do último ano, dá a ver um escritor, Daniel Galera, na esteira do desenvolvimento de um estilo original de escrita, por assim dizer. O interesse de sua técnica busca alcançar novos lugares de expressividade para o universo ficcional, e no caso de Cordilheira, seu quarto livro, os procedimentos narrativo-ficcionais também flertam com aqueles de uma narrativa cinematográfica, como em seus outros trabalhos. A perspectiva do observador, narrando, constitui a verdade do relato. Relato esse que se torna um ato de caracterização das personagens, em primeiro lugar a do narrador, bem como da criação de mundos, por uma estética hiper-realista. Estética hiper-realista tangenciada pelo tratamento dos limites tênues entre realidade e ficção, ou ilusão, tanto pela temática, quanto pela técnica. O interesse parece ser colocar em questão os limites entre literatura e vida. As construções subjetivas e lingüísticas do mundo que operamos, na arte e na vida, confundem-se com a vida mesma, na suposta imediatez com que se nos apresentam. No entanto, todos esses detalhes técnicos vêm ao caso, só em um segundo momento, posto que são artifícios que tentam dar nexo, plausibilidade, ao sentimento das personagens. No entanto, quando nos deparamos o repertório de clichês que temáticas como essas levantam, vêm à nossa lembrança milhares de livros que trataram desse tema já esgarçado.

Mas o diferencial da trama, que se desenvolve a partir da jornada de uma escritora órfã, numa viagem a outro país na esperança de realização dos desejos mais íntimos, materializados na concepção de um filho. Contudo, o quer acontece é uma rede de acontecimentos que questionam o desejo de estetizar, ficcionalizar a vida, sob a batuta final de uma advertência. A literatura, assim como a vida não devem ser levadas tão a sério, o que não quer dizer que a narradora, ou o autor, em algum momento consigam dar cabo de tal empreitada. Tão melhor assim, pensei. Sem a pompa, sem a auto-importância. (p.164). Apesar do desejo de brincar mais com a vida, reside uma literatura que envolve profundamente o leitor, intencionalmente, identificando-os ou não com a experiência conturbada da errância emocional das personagens, lançando luz sobre as raízes do egoísmo de uma vida construída sob uma perspectiva somente, aquela do narrador. Diz a narradora: O estilo kitsch eu renegava, mas sua veracidade eu era obrigada a reconhecer (p.157).
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