quinta-feira, 19 de março de 2015

Liberdade provisória, de João Miguel Maio


Meu verso é livre como um condenado em regime de prisão domiciliar
Carrega um aparelhinho preso no tornozelo
Que apita quando ele se afasta tantos metros de casa
Mas os vizinhos nunca o ouviram apitar
Porque meu verso é obediente
E só abre a porta para pegar o jornal
Cumpre pena atolado no sofá

Meu verso é livre como um cão medroso que pensa em fugir,
Mas só pensa, porque ele ama a liberdade,
Mas também ama a coleira
Então ele fareja e explora e dá meia-volta
No limite onde a corda termina e começa a rima

Meu verso é livre como uma vítima de sequestro com Síndrome de Estocolmo
Ele já está aqui há tanto tempo
E se aconchega na forma do cativeiro
E conhece todos os sons que vêm de fora
E já não sabe mais se prefere ficar
Ou se ainda cultiva alguma vontade de ir embora

Meu verso, livre, tem muitos braços
E por isso permanece algemado
Deus hindu desastrado
Ele os estica na tentativa
De alcançar tudo o tempo todo
O vaso, a vela, o livro
A planta, a lâmpada, a câmera
E ele quebra as coisas.
Pronto, aí está: quebrou o vaso

Meu verso é livre como um adulto de castigo

João Miguel Maio

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