segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Homenzinho


O homem caminha lentamente. Seu tamanho chama a atenção. Melhor dizendo, não chama, pois quase não se nota. Ele não passa de centímetros. E mesmo assim é uma perfeita miniatura humana. Braços, pernas, tronco, cabeça, ombros, joelhos e pés, tudo bem formado. 

Sua origem é um tanto desconhecida. Nascera daquele tamanho ou encolhera? O certo é que estando nessa condição de homenzinho, muitas dificuldades ele enfrenta. Complicações essas que fazem parte já do seu cotidiano de desprezo e insignificância. 

Mora numa pensão. Conseguiu nela uma vaga. Mas ali ninguém interage com ele, ninguém conversa com ele, em suma, ninguém o nota. Muitas foram as suas tentativas de fazer amizade. Entretanto, não obtivera sucesso. Sempre que puxava ou se lançava pela roupa de algum morador dali, logo o expulsavam. Era confundido com mosquitos, com insetos. Será que nunca ouviam o seu clamor? 

Quando sai às ruas não é diferente. É como se ele fosse invisível. Em lojas não pode entrar, pois não haverá quem o atenda, não conseguirá comprar qualquer produto que seja. As prateleiras são altas, tudo é muito grande e pesado quando se tem poucos centímetros. É difícil sua locomoção, seu andar, sua vida é difícil. Nada é para ele adaptado. Não há cama de centímetros, não há chuveiro em miniatura, não existem sequer roupas que satisfaçam seu tamanho. 

Apesar de tudo isso, ele não cansa de buscar uma utilidade. Sim, porque ele poderia muito bem passar horas, dias, meses, sem nada fazer e ninguém notaria. Mas em seus momentos reflexivos, ele se inquieta e examina em que pode ser útil. Certamente, em pequenas coisas, pois em grandes falharia, sequer conseguiria. O homem junta pequenos papéis deixados pelo chão, estica tapetes chutados, dentre outros feitos. 


Aguardam na pensão a chegada dum novo morador. Haviam preparado um quarto para a ocasião. O homem, vendo naquilo oportunidade duma possível amizade, planeja como se aproximar do novo hóspede. Já sabe. Ficará em cima da cama. E o incomodará, caso o desavisado deite ou sente sobre ele. Depois disso, se apresentará, contará sua história. E serão amigos. 

Assim acontece. O novo morador ao chegar no quarto, não demora a depositar o corpo na cama. Ali está ele, muito pequeno, muito ínfimo. Baterá nele até que o hóspede recém chegado o note. Ao sentir um incômodo em seu pé, o morador inexperiente se aproxima dele. 

– Mas o que é isso? – assusta-se.  
– Ah... Oi! Oi! Meu nome é...
– O que está fazendo aí? – interrompe o outro. 
– Bom, eu moro aqui. 
– Aqui? Como? 
– Cheguei aqui, fui ficando, ficando. 

Conversam muito. O novo hóspede ao ganhar proximidade, coloca o homem sobre seu peito. Ele por sua vez, por ali caminha, desviando-se dos pelos. Na presença dele, procura demonstrar sempre satisfação. Não quer desagradar o quase amigo. Relatado o drama, ele tinha conseguido o que queria. Pelo menos alguém, única pessoa que fosse, havia dado atenção para ele. Havia-lhe escutado a história de desprezo e insignificância. 

Agora eram bons companheiros. Ele resolve mudar-se para o quarto do amigo, que por sua vez havia adaptado alguns objetos para seu uso. Agora, com a permanência de bancos que serviam de escalada até a pia, o banho estava fácil. Girava a torneira e se refrescava nas águas. Depois descia e se vestia, podendo escolher entre calças e blusas, costuradas à mão por seu gentil amigo. 

Rara é a vez que seu mais novo amigo o nega conversa. De vez em quando, é tratado como sempre. Nem mesmo o seu companheiro de quarto o reconhece. Desprezo ele até entenderia, o que não suporta é ser confundido com pernilongos ou coisa do tipo. Como poderiam fazer aquilo? E faziam muito. Ao menor sinal dele puxando a calça ou blusa de alguém, ou mesmo tocando braços ou pernas, recebia bem perto uma palma de mão ou dedos que escorriam sobre onde estava. Obrigava-se então imediatamente a desviar-se, indo para outras superfícies, outros corpos. 

Quando saem para passear, é colocado no bolso. Aí, quando o amigo quer mostrar-lhe algo, retira-o cuidadosamente e coloca-o em sua grande mão. Satisfeito como criança, valorizado como um homem, só volta à tristeza quando precisa regressar ao bolso. Mas essa é uma condição quase necessária para que ele veja o mundo de outro ângulo. Ora, afinal não custa muito aguardar dentro de tecido sombrio, o momento de ver a luz do sol, o movimento da gente, tudo isso numa boa altura. 


O seu parceiro de aventuras, decide apresentá-lo aos demais moradores da pensão. Mas não o avisa de nada. Num habitual jantar, após levar-lhe várias vezes, grãos de arroz e pequenos pedaços de carne até a boca, fazendo repetidos e discretos movimentos entre seu prato e seu bolso, chega a hora. 

– Quero apresentar pra vocês o meu amigo – diz retirando o homem do bolso. 

Todos olham com admiração. 

– Ele mora aqui há muito tempo – aponta para a mesa. 

O homem que agora está sentado na borda da tigela de feijão, fica todo sem jeito e não consegue dizer palavra. Transtornado com tantos olhares, cresce ligeiramente. 

Dum instante para outro, surge na mesa um homenzarrão de quase dois metros.

Felipe Feijão



Formado em Filosofia. Blogueiro em portal de notícias. Escreve para jornais de Fortaleza.

Nenhum comentário: