todas as noites
com o advento das respostas que se descobrem em atraso
o sopro quente do tempo
me esquenta a nuca
junto com os feitos que não deviam ter sido
e os maus presságios
que não passaram
de covardia mitificada
todas as noites
a língua do tempo
me lambe o lóbulo da orelha
a direita
quando me deito para a janela
temendo as luzes rápidas no teto
a esquerda
quando me deito para o espelho
e não temo senão a mim
todas as noites
as mãos do tempo
correm nos meus peitos
estão secos e caídos para o lado
como um banquete deixado a apodrecer
pela falta da fome nas bocas
todas as noites o tempo enfia em minha boca a sua língua
antes que eu consiga recusar
balança a língua
atrás dos meus dentes
onde moram os choros engolidos
e as palavras perigosas
e no fundo da minha garganta
sente o ácido
do meu medo de morrer
misturado à amargura de estar viva
o tempo se esfrega
nas partes minhas
que são só minhas para esfregar
todas as noites
e a mim mantém desperta
para que não me esqueça
que todas as noites são noites a menos
todas as manhãs encontro em mim os restos do tempo
Milena Martins Moura
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