quinta-feira, 10 de abril de 2014

Vida morta


Nesta vida nada mais se sabe. Nestes dias tudo é diferente. Os sorrisos são falsos. Os olhares são tortos. Os beijos são dados por simples forma de cumprimento. Os parabéns são dados por tradição e os desejos de felicidade são dados por etiqueta. Os elogios são meras cortesias. Os abraços são dados por educação. Os “te amo” são falados por hábito ou para não perder o hábito ou ainda para criar um hábito. As amizades são passageiras. Os romances são breves. As pessoas são indiferentes. A quê? Elas são indiferentes ao resto da humanidade. São indiferentes à ética, à moral, ao pudor. São indiferentes à vida.

Simplesmente não ligam. Trilham o seu caminho procurando chegar ao ápice da ordem lógica que criaram para seguir. Não fazem as coisas porque querem, de verdade, fazê-las. Fazem-nas por fazer, porque acham que assim será melhor. Fazem porque todos fazem. Fazem para seguir os ditos da sociedade atual. Fazem para poder dizer que fazem. Mas qual é o grande valor nisso? No fim do dia ainda lamentam. Lamentam por nada. Lamentam por tudo. Lamentam por estarem onde estão. Então, olham-se no espelho. E o que vêem? Algo que não queriam ver. Vêem o reflexo de outra pessoa. Mas repetem para si mesmas que tudo está normal, tudo está bem. Como tudo pode estar bem se, ao olhar-se no espelho, vê-se um outro alguém? Um alguém bem diferente daquele que se tinha idealizado ser.

É como se todos tivessem desistido. Desistido de lutar, de sonhar. Não desistiram de amar porque este é um conceito que todos os seres inseriram na sua inútil ordem lógica da vida. Em algum momento, todos amam. E se orgulham disso.

Mas será que esse amor é mesmo o amor planejado? Será que é mesmo o amor verdadeiro? Será que, no final das contas, é mesmo o amor? Não, na maioria das vezes não é. É só um amor. Um amor qualquer. Um amor que foi criado para que, no fim do dia, possa se dizer que se ama alguém. E então, todos se sentem melhor. Pensam que conseguiram realizar uma das metas da sua vida inútil e sem-graça. Sentem-se mais competentes por amarem, fato que está de acordo com o plano que traçaram. Mas o amor não pode ser uma meta, tem que ser um sonho. E não pode ser planejado. O amor, o verdadeiro, o original, é arrebatador, inusitado, vivificante. O amor é assim. Um amor não. E hoje, o que mais se tem são uns amores. Amores comprados. Não literalmente, claro. São amores nos quais as pessoas se empenham e nada se resolve. São daqueles amores vagabundos, traiçoeiros, revoltosos, turbulentos, complicados, confusos, estranhos, mesquinhos, egoístas, falsos. São amores falsos porque eles só existem porque duas pessoas infelizes se sentiam sozinhas. Então se encontraram. E se juntaram. E se suportaram. E felizes com a chance de finalmente terem encontrado algo que as fizessem felizes, chamaram aquilo de amor.

São amores confusos, porque com toda a sua turbulência e todas as mágoas que geram, confundem os seus adeptos, que já não sabem se “amam”. Na verdade, nunca se amaram. Mas dizem para si mesmos que sabem o que é amor. Uns até realmente acreditam que sabem. Outros não, eles sabem que estão se iludindo, sabem que o amor que estão vivendo não serve nem de rascunho para o amor que queriam ter. Pois o amor que queriam ter é tão magnífico, esplendoroso, compreensivo, paciente e vivo que parece até uma fantasia. E por acharem que esse amor tão divino só pode ser uma fantasia, as pessoas desistem de procurar por ele. E ficam, dessa forma, sonhando com ele. Não têm coragem para realizá-lo, nem mesmo intenção, mas fantasiam. E ficam dia após dia fantasiando. Acabam vivendo uma vida de sonhos, sonhos que sequer acreditam que vão se concretizar. Chegam a casa após um dia cansativo e sonham acordadas, imaginado a vida que queriam ter, criando a rotina da vida que almejavam. E se tornam pessoas frustradas.

Porque um dia acordam, olham ao redor e enxergam que a vida que queriam não era aquela. Enxergam que a rotina com a qual sonham acordadas está distante, na verdade, nunca nem foi real. É como todos os dias ter um mesmo sonho e ser feliz com ele. Até que um dia você acorda e percebe que tudo aquilo que tinha vivenciado nunca aconteceu. Você percebe que estava, todo esse tempo, dormindo. Percebe que tudo foi apenas um sonho. É isso que essas pessoas sentem, a única diferença é que sonham acordadas. Mas um dia acordam para a vida, percebem que esse tempo todo estavam dormindo, deixando a vida passar. Percebem que os sonhos que têm estão bem longe da realidade em que vivem. E se desesperam, no íntimo.

E, ao invés de lutar, se acovardam ainda mais. E recorrem às futilidades, ao consumismo, aos prazeres mundanos, numa tentativa desesperada de esquecer a sua frustração. Mas tudo isso só faz com que elas se lembrem ainda mais. Porque no final, tudo o que lhes resta é um vazio no peito. Um vazio grande e impetuoso, que já não pode ser preenchido. Então, elas se amarguram. Passam a olhar de soslaio os outros. Passam a analisar, a julgar todos de uma maneira cruel. Passam a desforrar a sua dor nos outros. E esses outros passam a desforrar a sua raiva em outras pessoas, por pura vingança. Querem mostrar o que têm. Passam a almejar, mais do que tudo, o poder. E tornam-se pessoas ainda mais ambiciosas, vaidosas, traiçoeiras, perigosas e instáveis.      

Passam a procurar amores. Passam a planejar amores. Passam a procurar motivações, motivações pra viver. E quando não acham, respiram fundo e começam a fazer com que outras pessoas também não se sintam bem. Ficam destruindo, de uma forma ou de outra, as vidas alheias. Ficam destruindo a própria vida. E se escondem numa bolha de cristal, longe de tudo e de todos. Limitam-se a assistir a vida ir embora, passando devagar. E já não ligam. Ficam esperando a morte, apáticas.

Agora elas só existem, vão seguindo o fluxo, obedecendo à voz de comando, com a passividade de bons animais domésticos. Quem comanda? Já não se sabe. Todos viraram fantoches, prisioneiros na própria liberdade.

Esqueceram-se de como é viver. Perderam a racionalidade, a vontade de viver. Vivem por covardia de se matar. Mas morrem do mesmo jeito, por covardia de viver. E quando morrem, morrem com aquele sentimento de nunca nem terem vivido.

Bruna Romeu

2 comentários:

Milton Rezende disse...

é isso mesmo, parabéns pelo texto!

Milton Rezende disse...

belo e verdadeiro texto, parabéns a autora e ao plástico bolha!