quarta-feira, 15 de agosto de 2018

Quatro poemas-abismos


I.

Desliga o gás e volta pra cama
há um incêndio nos pés do menino Jesus
uma mãe anestesiada rompe no leito
sem máquinas de inalação ou suspiros largos
Desliga o gás e volta pra cama
o consulado do café te exila da festa
come duas salsichas sujas na calçada
e finge a existência de algumas palavras
Desliga o gás e volta pra cama
então pula da cama e atravessa o espelho
toma um ônibus ao largo do Arouche
pra assistir um filme pornô em película
Desliga o gás e volta pra cama
acabou o soro acabaram as veias
restaram flacidez e figos murchos
& seus olhos gastos de velho tabagista
Desliga o gás e volta pra cama
mas evita o vão da castelo branco
onde cônegos atropelam moleques
em seus caminhões vermelhos
Desliga o gás e volta pra cama
desliga o gás, Matheus
desliga o gás


II. CASI NUNCA

Enquanto breco a garganta
e dissolvo meu hálito num tonel esmeralda
a ciência e seus tiques panfletam minha loucura
Sartre com o dedo na tomada estrangulando calafrios
malditos rapazes girando os ventiladores da mente
                                                 
                                           y casi nunca follando
                                              casi nunca amando
                                              casi nunca bailando en techos con goteras

Encaçapado na sinuca de febres e sonhos
pregado nas paredes limpas pelo sol da tarde
no aguardo do acidente câncer infarto latrocínio
ou mesmo da Coragem
de espetar Luzes Vermelhas com o carbono dos dedos
e engolir solfejos pra vomitar uma modinha
no pau mais solitário da grande São Paulo
                                                 
                                           y casi nunca follando
                                              casi nunca amando
                                              casi nunca bailando en techos con goteras


III. DÓI

Peguei o ônibus pralgum lugar
e a estrela vital molhando a mesa dói
dói dói dói todo minuto dói
a espuma contendo glúten dói
e eu preciso beber com moderação
e isso dói porque não sei beber
e não tenho moderação e inferno
como dói estar de frente pro mictório
não bêbado mas quase
de frente pro mictório doendo
como dói sentir tanta dor
e ter que amarrar um cigarro na boca
odeio cigarros odeio cigarros odeio cigarros
DÓI
dói muito e eu preciso de um cigarro
e da espuma gelada
e de uma companhia qualquer
e de ir ao banheiro só pra escrever
como dói estar aqui
medindo os abismos do corpo
tentando não cair em todos eles


IV.

É preciso me agarrar ao parapeito
tão grande é a vontade de me jogar
um espasmo me derruba numa dessas mesas de plástico amarelas
com marcas de cerveja gravadas aos murros
É preciso esconder os canivetes do meu pai
tão grande é a vontade de me arreganhar o bucho
e mostrar pra esses desgraçados o que guardo na carne
Moleque boiola que bate três quatro punhetas por dia
com uma facada no cu deixa de ser besta
e sente tesão no instante de morte
É preciso tirar o cerol das pipas do meu irmão
tão grande é a vontade de as enrolar no pescoço
e voar pra longe do teu alcance
onde não sou bastardo medíocre & maldito

onde fumo três cigarros e passo o tempo
apagando bitucas na mão esquerda

Matheus Molina



Matheus Molina é rondoniense e tem 21 anos. Atualmente mora em São Paulo, cursa Letras na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP e é poeta.

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