sábado, 31 de agosto de 2024

ELÁSTICOS

Cada vez mais os elásticos cedem.
Nós também.

Franklin Alves Dassie

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Um poema de Wanda Monteiro

sonharás com o rio

tuas ausências
irão penetrar como lâminas
nos tímpanos do sonho

o rio falará contigo
irás chorar

tua dor caberá no rio
e o rio caberá em tua lágrima

Wanda Monteiro

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

NOITE ALTA

A noite vai alta.
No quarto, o luar
acende o retrato
de um menino. O mar

conta velhos contos
de morrer e amar
e o menino o escuta
no retrato ao luar.

[...]

Ruy Espinheira Filho

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Mente

Hoje rodei o planeta na rede de minha varanda.
Antes de rir, me entenda um segundo:

minha cabeça, meu mundo.

Rodrigo Raro

terça-feira, 27 de agosto de 2024

COGUMELOS

Quando o coração se inflama
incendiado pela paixão
esse fogo não ilumina;
é como o cogumelo venenoso
que brota durante a noite úmida:
não alimenta, queima, apenas queima
o organismo, e alucina.

Renato Rezende

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

SÚBITA

viver é hoje, tão prosaico
e em prosa tudo segue, lento
mas eis que de repente irrompe
uma ideia simples, você

tão pequenina pulsação
fruto brotado nesta folha
vela e revela, mostra e guarda
o que está além da prosa, em verso

Henrique Rodrigues

domingo, 25 de agosto de 2024

paz

fiz as pazes comigo mesmo
de hoje em diante
seremos bons inimigos.

Braulio Coelho e Breno Coelho

sábado, 24 de agosto de 2024

Um poema de Daniel Valentim Mansur

a voz é cigana,
estrangeira ao que se amontoa: 
          beleza
sobre beleza
sobre beleza,
na agricultura da ordem pela novidade.

a voz é pássaro recolhido
enquanto chuva, ruína e arado.

Daniel Valentim Mansur

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Devoras

minha alma tua 
nua
devorada
pedaço a pedaço

deglutinação
de cada espaço em branco
do papel
a carne poema

digerido
permaneço 
em ti

Pedro Tostes

quinta-feira, 22 de agosto de 2024

Um poema de Luciana Tonelli

a falta de lugar
ocupa todos os cantos
o não estar estando viva
é a causa do meu espanto

Luciana Tonelli

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Um poema de Carlos Orfeu

no
bambuzal

brisa
faca
afia

o som
das folhas
ásperas

impertinentes
em voos
suicidas

Carlos Orfeu

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Um poema de Lorena Martins

planetárias
as pupilas deletam
o céu

Lorena Martins

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

BEM QUE SE KISS

Bem que esse seu beijo
podia ser inteiro
e não metade
Durar um ano inteiro
e não uma tarde.

Hudson Pereira

domingo, 18 de agosto de 2024

PRECONCEITO, um poema de Tuca Muniz


I

É uma senhora
que anda sempre enfeitada.
Tem um grande defeito. 
Quando vê um grupo de pessoas
Pobres e pretas conversando, 
nem passa perto. 
Acha que são bandidos. 

II

Ela foi ao shopping...
Olha daqui, olha de lá.
De repente vê um rapaz negro ao lado. 
Leva um choque, 
pensa que é um ladrão.

III

Segura a bolsa, e com olhos arregalados, 
Corre pra perto de três pessoas
                     que se assustam com ela 
e correm 
De longe a chamam de louca. 

IV

Aí ela fica parada, e vê um guarda de costas. 
Põe a mão nas costas dele.
Ele vira.
É um guarda preto.
-O que houve, minha senhora?
-Aquele homem. Estou com medo dele. 
                           Parece um ladrão.
-Não, minha senhora! É um professor.

Tuca Muniz

sábado, 17 de agosto de 2024

Um poema de Dado Amaral

fumaça de incenso
o mínimo minuto
revela-se imenso

Dado Amaral

sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Um poema de Roberta Lahmeyer

Aquele cadeira
na sua plenitude imovél
parece iluminada
por uma certeza tranquila

Aquela cadeira desconhece-nos

Roberta Lahmeyer


quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Uma écfrase para Morro da Favela, de Tarsila do Amaral, por Kamily Durval

 

(Morro da Favela, Tarsila do Amaral, 1924)


Uma família reunida,
sem pensar na comida.
O tempo é ocioso:
e traz quase um milagre!
Uma paisagem bela, repleta de cor:
esse é o cenário da favela moderna.
Plantas desérticas, cachorro satisfeito…
Até me esqueço da realidade
que não foi pauta de toda Modernidade.
Eu nunca vi e…
Ainda não vejo uma favela assim.
Será que a Modernidade não chegou para mim?

Kamily Durval 

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

POEMINHA ASTRAL #21

boêmio como a cachaça de minas
manso como um queijo minas.
e energético 
   como
o minério 
   férrico feérico
de minas.

Matheus José Mineiro

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Um poema de Rogério Snatus

meu voo rasante
em seu ventre
joguei faíscas de sonhos
após saltar sem pára-quedas
sobre o hálito dos desejos

Rogério Snatus

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Disforia Genealógica — Fotomontagem e prosa poética de Maria Júlia Barroca

 Imagem: MANJUU

Como eu posso deixar você ir se o ar que eu respiro são as suas raízes que cresceram na minha medula?

Tenho medo do meu corpo. Ele é opaco a mim, uma sombra do tempo presente. Ao outro, ele é translúcido, uma extensão de um passado que não me pertence. 

Tenho medo de quem a essa couraça pertence. 

Tenho medo da dor.

Eu sei que a dor é maior do que a psiquê consegue carregar e do que a carne sustentará, mas até quando a carne é o fardo do ser de ser humano?

Enfim, tenho medo da minha dor. 

Maria Júlia Barroca 

domingo, 11 de agosto de 2024

origami

com a mesma
precisão
que corto meus
lábios
faço origamis
de ventania.
dobro um boneco de neve, um barco, uma língua.
seco meus cortes
com origami
e saliva.

Ana Tereza Salek

sábado, 10 de agosto de 2024

A última sessão de análise

afundar na lama
areia movediça
uma pedra podre
uma falsa cortiça

uma triste musa
atrás da treliça
um amor insone
que morre de preguiça

um ateu que xinga
que não vai à missa
um fogo frio
que a cinza atiça

Marcelo Dolabela 

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Um poema de André Giusti

Resistir,
feito
aquele
resto de
poeira
entre a
pá e a
vassoura.

André Giusti

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Alice

o sonho é uma pedra
arremessada no poço

sua turbulência
moldando o dia.

Sergio Cohn

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Carta inédita de Zé Celso Martinez Corrêa para Oswald de Andrade

Evoé Ozwald de Andrade! 

A partyr da leytura da sua obra, tudo o que fyz foy ynfluencyado por você! Você foy meu Shakespeare, meu Goethe, me trouxe a chave para toda a cultura brazyleyra! Você entendeu que o mundo acabarya por se tornar um lugar movydo pela antropofagya. Tudo que ze chama de myx, tudo o que ze vê de ymygração que contorna cydadez e devora a cultura ocydental, é a próprya cultura, que eztá comendo e vay comer o mundo. Oz povoz devoram e vomytam o moralysmo, a noção do bem e do mal, da cultura purytana, az utopyaz, az ygrejaz. A coyza não é mayz zer zocyalyzta ou yr para o céu. Não exyzte mezzyaz, zó devoração! Bebo na zua fonte de pós-modernyzta, com a zabedorya de que a Europa já não é mayz o centro do mundo. Contra todoz oz ymportadorez de conzcyêncya enlatada! O centro do mundo deve ser forjado na memórya doz grandez genocýdyoz da modernydade: o yndýgena e a dyázpora negra.

O “Rey da Vela” foy uma forma que você noz deu de tentar aprender, atravéz de sua conscyêncya revolucyonárya, uma realydade que era e é o opozto de todaz az revoluçõez. O texto foy uma revolução de forma e conteúdo para exprymyr uma não-revolução. Uma modernydade abzoluta de Ozwald de Andrade! Ou uma eztagnação da realydade nacyonal. Ou zenylydade mental nozza. Em 1967, o Teatro Ofycyna Uzyna montou “O Rey da Vela”, e, enquanto dyretor, adaptey-o lyvremente à cena. Uma montagem fyel ao texto zerya um contrazzenzo, conzyderando o poder cryatyvo anárquyco dezze texto oswaldyano. A partyr dezza montagem, aprofundamoz a preocupação com o gezto e com o corpo, a partyr de laboratóryos de estudoz do corpo. O corpo é tydo como uma máquina dezejante, uma produção dezejante, é a superfýcye para o regyztro de toda produção de dezejo. Eram ymportantez oz depoymentoz pezzoayz bazeadoz no geztual: querýamoz eztudar oz geztoz fundamentayz que az pezzoaz adquyrem em função de zeuz ofýcyoz, ou zeja, o gezto doz bancáryoz, doz polýtycoz, doz médycoz, doz eztudantez. Havya nezzez laboratóryoz uma fonte fantáztyca de aprendyzado! Quantas coyzaz poderýamoz entender atravéz do corpo! Numa noyte, zentadoz no Bar Cervantez, obzervey todoz oz homenz que entravam, e ao subyr o degrau, davam uma ajeytada no saco. Concluý que ajeytar o zaco era uma verdadeyra obzezzão mazculyna. Mays tarde ezze gezto foy eztylyzado e uzado, em momentoz precyzoz, peloz pryncypayz perzonagenz de “O Rey da Vela”. E atravéz do corpo e do coro, embebydoz pelo saber antropofágyco, codyfycamoz o zeu texto em cena.

Com a montagem de “O Rey da Vela”,  o Ofycyna entra na revolução cultural de dezcolonyzação completa do Brasyl, retomando a Antropofagya da Cultura doz Ýndyoz Caetéz que comeram o Byzpo Portuguêz Zardynha que ya à Europa buzcar mulherez brancaz para cruzarem com oz colonoz portuguezez. Devoramoz o teatro do Hemyzféryo Norte, comydoz pelaz culturaz que azzumymoz em nozzo corpo: a doz ýndyoz, doz ezcravoz afrycanoz, doz emygrantez que cozynharam a mazza da meztyçagem doz Bayxoz do Brazyl. Em cena, adoto o nú! O nú de coztaz, de lado, frontal!  O que atropela a verdade é a roupa, o ympermeável entre o mundo ynteryor e o exteryor. Eztar nú em cena é uma reação contra o homem veztydo, veztydo à la colonyalydade!  

Em homenagem a você e aoz 50 anoz do Teatro Ofycyna, montamoz o ezpetáculo Macumba Antropófaga em 2011, a partyr da leytura do Manyfezto Antropófago de 1928. A Revolução Caraýba ze tranzformou num ato, em um rytual cênyco, onde oz artiztaz-dançarynoz tornaram-ze “Tupynambáz e Aymoréz”, oz corpoz e o coro preenchendo o ezpaço cênyco. Todo o ezpaço ze torna um ezpaço cênyco no Ofycyna, daz ruaz do bayrro da Bexyga até a próprya  eztrutura do teatro. O Ofycyna é um terreyro eletrônyco! Em cena: todoz - artyztaz, técnycoz, e públyco numa yntegração (devoração) antropofágyca. Só a antropofagya noz une! É a ley do homem, a únyca ley do mundo. E azzym, fazemoz contato com o Brazyl Caraýba, com o ynztynto Caraýba.

Ao dylema hamletyano do mundo ocydental cryztão “to be or not to be” você rezpondeu: “YEZ, TUPY” e, atravéz do Teatro Ofycyna, retornamoz ao mundo bárbaro amerycano, azyátyco, afrycano. A mynha antena do mundo é Ozwald de Andrade! O meu coração zegue uma pulzão dyonysýaca! O meu ezpýryto ze materyalyza no corpo atravéz do teatro… experymento Deuz atravéz do corpo! Teatro como reztytuyção do tezão pelo próxymo! Teatro como centro orgyástyco! Te-ato! Como ato. Teatro como uma vyda ao avezzo: morte ynycyátyca atravéz da antropofagya! Fuga de dycotomyaz e purytanyzmoz!  Um poder tranzumano! Uma zagração! Antropofócyo! Antropoforgya!  

Evoé!,

ZÉ CELZO, O CAVALO OZWALDYANO DA CULTURA BRAZYLEYRA

Recebido por Maria Luísa Brito

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Um poema de Patrícia Del Rey

Estranha, estéril. Muda.
Nenhuma linha sequer.

Patrícia Del Rey

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

ZOOM

O importante da fotografia
É o click da máquina que
Abre a boca da câmera
E devora o instante

Rosália Milsztajn 


domingo, 4 de agosto de 2024

Teresa: Minha Igreja — Fotomontagem e poema de Luciana Bezerra

 

Minha igreja
Meu farol
Meu norte
Meu descanso
Minha certeza de morada
Namorada onde esteja
Abrigo do meu viajante.
Nunca mais você, Teresa
Nunca mais dormi a noite
Nunca mais sorri por dias
Nem tomei a comunhão
Mas farei meu carnaval
E afinal vou te encontrar
Pra me perder em suas pernas.

Luciana Bezerra


sábado, 3 de agosto de 2024

Um poema de Thiago de Freitas Peixoto

As pessoas perfeitas
têm muitos defeitos em comum.

Thiago de Freitas Peixoto

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Um poema de Cesar Kiraly

nem vontade
ou mesmo sorte
o norte e
nem sorte
o corte 

Cesar Kiraly

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

SONHO

cito: 

esse amor
— o que você recebe —
no fim é igual
àquele amor
— o que você dá

— e a poesia
está pronta

Larissa Andrioli