quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Carta inédita de Zé Celso Martinez Corrêa para Oswald de Andrade

Evoé Ozwald de Andrade! 

A partyr da leytura da sua obra, tudo o que fyz foy ynfluencyado por você! Você foy meu Shakespeare, meu Goethe, me trouxe a chave para toda a cultura brazyleyra! Você entendeu que o mundo acabarya por se tornar um lugar movydo pela antropofagya. Tudo que ze chama de myx, tudo o que ze vê de ymygração que contorna cydadez e devora a cultura ocydental, é a próprya cultura, que eztá comendo e vay comer o mundo. Oz povoz devoram e vomytam o moralysmo, a noção do bem e do mal, da cultura purytana, az utopyaz, az ygrejaz. A coyza não é mayz zer zocyalyzta ou yr para o céu. Não exyzte mezzyaz, zó devoração! Bebo na zua fonte de pós-modernyzta, com a zabedorya de que a Europa já não é mayz o centro do mundo. Contra todoz oz ymportadorez de conzcyêncya enlatada! O centro do mundo deve ser forjado na memórya doz grandez genocýdyoz da modernydade: o yndýgena e a dyázpora negra.

O “Rey da Vela” foy uma forma que você noz deu de tentar aprender, atravéz de sua conscyêncya revolucyonárya, uma realydade que era e é o opozto de todaz az revoluçõez. O texto foy uma revolução de forma e conteúdo para exprymyr uma não-revolução. Uma modernydade abzoluta de Ozwald de Andrade! Ou uma eztagnação da realydade nacyonal. Ou zenylydade mental nozza. Em 1967, o Teatro Ofycyna Uzyna montou “O Rey da Vela”, e, enquanto dyretor, adaptey-o lyvremente à cena. Uma montagem fyel ao texto zerya um contrazzenzo, conzyderando o poder cryatyvo anárquyco dezze texto oswaldyano. A partyr dezza montagem, aprofundamoz a preocupação com o gezto e com o corpo, a partyr de laboratóryos de estudoz do corpo. O corpo é tydo como uma máquina dezejante, uma produção dezejante, é a superfýcye para o regyztro de toda produção de dezejo. Eram ymportantez oz depoymentoz pezzoayz bazeadoz no geztual: querýamoz eztudar oz geztoz fundamentayz que az pezzoaz adquyrem em função de zeuz ofýcyoz, ou zeja, o gezto doz bancáryoz, doz polýtycoz, doz médycoz, doz eztudantez. Havya nezzez laboratóryoz uma fonte fantáztyca de aprendyzado! Quantas coyzaz poderýamoz entender atravéz do corpo! Numa noyte, zentadoz no Bar Cervantez, obzervey todoz oz homenz que entravam, e ao subyr o degrau, davam uma ajeytada no saco. Concluý que ajeytar o zaco era uma verdadeyra obzezzão mazculyna. Mays tarde ezze gezto foy eztylyzado e uzado, em momentoz precyzoz, peloz pryncypayz perzonagenz de “O Rey da Vela”. E atravéz do corpo e do coro, embebydoz pelo saber antropofágyco, codyfycamoz o zeu texto em cena.

Com a montagem de “O Rey da Vela”,  o Ofycyna entra na revolução cultural de dezcolonyzação completa do Brasyl, retomando a Antropofagya da Cultura doz Ýndyoz Caetéz que comeram o Byzpo Portuguêz Zardynha que ya à Europa buzcar mulherez brancaz para cruzarem com oz colonoz portuguezez. Devoramoz o teatro do Hemyzféryo Norte, comydoz pelaz culturaz que azzumymoz em nozzo corpo: a doz ýndyoz, doz ezcravoz afrycanoz, doz emygrantez que cozynharam a mazza da meztyçagem doz Bayxoz do Brazyl. Em cena, adoto o nú! O nú de coztaz, de lado, frontal!  O que atropela a verdade é a roupa, o ympermeável entre o mundo ynteryor e o exteryor. Eztar nú em cena é uma reação contra o homem veztydo, veztydo à la colonyalydade!  

Em homenagem a você e aoz 50 anoz do Teatro Ofycyna, montamoz o ezpetáculo Macumba Antropófaga em 2011, a partyr da leytura do Manyfezto Antropófago de 1928. A Revolução Caraýba ze tranzformou num ato, em um rytual cênyco, onde oz artiztaz-dançarynoz tornaram-ze “Tupynambáz e Aymoréz”, oz corpoz e o coro preenchendo o ezpaço cênyco. Todo o ezpaço ze torna um ezpaço cênyco no Ofycyna, daz ruaz do bayrro da Bexyga até a próprya  eztrutura do teatro. O Ofycyna é um terreyro eletrônyco! Em cena: todoz - artyztaz, técnycoz, e públyco numa yntegração (devoração) antropofágyca. Só a antropofagya noz une! É a ley do homem, a únyca ley do mundo. E azzym, fazemoz contato com o Brazyl Caraýba, com o ynztynto Caraýba.

Ao dylema hamletyano do mundo ocydental cryztão “to be or not to be” você rezpondeu: “YEZ, TUPY” e, atravéz do Teatro Ofycyna, retornamoz ao mundo bárbaro amerycano, azyátyco, afrycano. A mynha antena do mundo é Ozwald de Andrade! O meu coração zegue uma pulzão dyonysýaca! O meu ezpýryto ze materyalyza no corpo atravéz do teatro… experymento Deuz atravéz do corpo! Teatro como reztytuyção do tezão pelo próxymo! Teatro como centro orgyástyco! Te-ato! Como ato. Teatro como uma vyda ao avezzo: morte ynycyátyca atravéz da antropofagya! Fuga de dycotomyaz e purytanyzmoz!  Um poder tranzumano! Uma zagração! Antropofócyo! Antropoforgya!  

Evoé!,

ZÉ CELZO, O CAVALO OZWALDYANO DA CULTURA BRAZYLEYRA

Recebido por Maria Luísa Brito

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