domingo, 2 de março de 2025

Dama da noite, de Marilena Moraes


Naquela noite, não houve aula no curso supletivo. Os alunos comentavam, 
atônitos, a manchete do jornal popular que passava de mão em mão.

"Exorcismo na boate" - "Professora de dia, stripper à noite, Bernadete 
dos Santos, 30 anos, também conhecida corno Lucimar, foi assassinada por seu aluno, José Tenreiro, inconformado ao descobrir a segunda identidade da professora do curso supletivo que frequentava. Apresentando sinais de desequilíbrio mental, Tenreiro foi preso em flagrante, tendo ainda nas mãos o punhal de prata que cravou entre os seios da bailarina/professora em meio ao show da boate Clamores."
Era o texto da notícia que um engraçadinho fizera questão de colar no quadro-negro, contando a morte trágica da professora, Bernadete de dia, de noite Lucimar.

Ar de beata, rosto lavado, poucas palavras, tinha nome de santa e cheiro 
de talco. Dava aulas no supletivo, num bairro de gente simples. Com os alunos, o relacionamento era apenas cordial.

Ninguém poderia imaginar que a professora pacata, de roupas discretas, 
saía dali direto para Copacabana, onde, às três da manhã, estrelava o show da boate Clamores.

"Sex alive" - anunciava o neon. Maquiagem pesada, óleo no corpo, 
Lucimar se roçava no parceiro, sem sequer olhar para o seu rosto e sem encarar a plateia de homens agitados, que gritavam palavras que ela fingia não ouvir. Uma amiga a levara para a Clamores, convencendo-a de que podia fazer bom uso do belo corpo. Se o dinheiro das aulas era pouco, as notas verdes dos turistas ajudavam bastante no orçamento.

Religião? Nunca tivera. Pudor? Há horas em que a necessidade fala 
mais alto. Ao fim de alguns meses, o prazer de estar no palco, nua e exposta, passou a ser a razão mais forte de sair toda noite do Méier direto para a Princesa Isabel.

Não poderia, no entanto, imaginar um aluno na plateia. Tenreiro 
voltou na noite seguinte e em outras tantas noites. Reconhecera a professora na mulher de roupa colante e meia arrastão que saía da boate quase de manhã, pendurada nos sete centímetros de salto, abraçada a um gringo qualquer.

Passou a segui-la, e a ideia de purificá-la, fazê-la voltar a ser apenas a professora, tornou conta dele. Limpar seu corpo, salvar sua alma foi a missão a que
se propôs.

Hoje, ele está internado no manicômio judiciário, constatado o problema mental.

A professora foi homenageada na entrega dos diplomas, mas os alunos preferiram louvar suas qualidades de dama da noite, a bailarina de pernas bem feitas, seios redondos e sexo depilado.

A comemoração, na Clamores, correu por conta da casa.


Marilena Moraes

Noite


saí tropeçando
fuligens.
rastro de pólvora
cola, descola
medo da sua língua
na minha — segurei.
a mão
quente
medrosas gotículas brotaram
do útero.
essa flor
é
para você.


Letícia Simões

sábado, 1 de março de 2025

Cartomante


tomar decisões
é a melhor forma
de prever o futuro


Luiza Mussnich

Mês da mulher no Plástico Bolha


No Plástico Bolha, todos os dias são dias para autores, autoras e autorxs. Mas nesse março de 2025, fizemos uma seleção especial no blog, juntando autoras parceiras do PB, com textos e poemas que mostram a marca da escrita feminina: uma pequena antologia de autoras de nossa literatura atual.

Confira, ao longo desse mês, a seleção de autoras parceiras, que selecionamos especialmente  para a celebração do mês da mulher. E não se esqueça que, independentemente do seu gênero, o Plástico Bolha está de portas abertas!