Difícil conhecer alguém tão generoso quanto a Marilia Rothier. Ao
entrar no mestrado, fiquei muito honrada quando ela aceitou ser minha
orientadora. Logo que fomos conversar, me disse que o projeto
inicial, o que apresentei à banca pela primeira vez, era fraco. Usou
essa palavra, que achei extremamente generosa. Podia ter falado muito
pior, mas não falou. A generosidade estava em tentar me colocar uma
pulga atrás da orelha, pensar em alguma coisa diferente, fugir do
que era esperado. Toda vez que nos encontrávamos, eu saía
atordoada, sem saber para onde ir depois da conversa: como agradar a
Marilia? Como corresponder ao estímulo de tentar desdobrar aquilo
tudo, pensar na academia como um lugar para experimentar maneiras de
dizer (não é à toa que o nome da linha de pesquisa é “novos
cenários da escrita”)? Era esse o conselho que ela dava: misturar
os gêneros, entender que a forma artística também poderia ser uma
maneira de se expressar dentro da universidade. Eu relutava com
aquilo tudo. Durante todo o curso, até a qualificação, apresentei
uma forma tradicional de texto. Até que, logo depois, aulas
concluídas, parti para o convênio da PUC com a universidade Brown,
nos Estados Unidos. E, de lá, mandei um e-mail cheio de dedos:
Marilia, acho que vou seguir seu conselho, pode? Ela disse que podia.
Em trinta dias, não fiz quase nada mais. Só escrevia o poema, que
ficou longo, mais de 40 páginas, nenhum ponto final, e essa foi a
minha dissertação. Depois, acrescentei um posfácio, a parte
"crítica". Será que a Marilia vai gostar? Na banca, em
abril, a Heloisa Buarque dizia coisas bonitas e perguntava,
brincando: como você defende sua orientadora, Alice? Escreve uma
dissertação em forma de poema sobre um tema e diz o tempo todo que
não é especialista no tema? Como eu poderia defender a Marilia? Eu
sorria de volta sem conseguir responder. Podia tentar me defender
ali, mas como dar para a Heloisa a dimensão concreta do impacto que
a Marilia teve sobre mim, dentro e fora da universidade? Na verdade,
a tensão da defesa era tanta que não conseguia dizer nada, mas no
fundo só pensava em uma palavra: coragem. Tão difícil dar coragem
pra alguém, e isso a Marilia faz como só ela sabe fazer. Olha com
firmeza, e ao mesmo tempo uma doçura total, e diz: aquilo era fraco.
Ainda bem que ela disse. Doçura sem firmeza existe? A outra palavra
eu já disse: generosidade. E admiração completa. Talvez elas andem
juntas. Que sorte eu tive. Obrigada, Marilia.
Alice Sant'Anna
Alice Sant'Anna
5 comentários:
TEXTO ESCRITO POR ALICE SANT'ANNA A CONVITE DA NOSSA AMIGA NATALIE LIMA.
Que texto espetacular, retrata Marília integralmente!
que lindo <3
Caramba, que texto instigante! Não sabia o quanto a Marília era admirada! E também corajosa, orientar um poema-tese! Incrível! Eu tenho ótimas lembranças dela do curso que fiz na PUC. Quando uma aluna apresentou um trabalho sobre a Lygia Clark mostrando que ela usava a fita de Mobius, a Marília me permitiu explicar matematicamente o que era essa fita, fiquei honrado ali mesmo! Enfim, alma rara realmente essa da Marília Rothier!
Linda e sincera homenagem para quem te ensinou a pensar "canhoto". Menino Lucas vá ser coragem e doçura na vida. Parabéns pelo belo texto.
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