quarta-feira, 22 de junho de 2011

Da Janela do Sobrado

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– Ah, mas eu casava com qualquer um – diz a Joana –, porque todos eles são bonitos!
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– Pois é – Regina concorda, e acrescenta: – Os que não têm beleza no rosto, a beleza vai no corpo.
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Essa conversa, meu amigo, segue embalada. Joana rasga elogios aos rapazes, Regina os estica do outro lado. Eu da janela do sobrado tudo ouço: rádio de pilha ligado no jogo do Fluminense pra disfarçar a espionagem. Parecem duas meninas novas, com menos de dezesseis, não fosse uma ter vinte e lá vão tantos e a outra passar dos quarenta. A mais velha é a Joana, ou a mais experiente, como dizem os cavalheiros.
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Pois bem, com seus quarenta – ou quase tantos –, Joana não perde o desejo. Não pode ver um homem logo sonha com o malandro a seu lado, na cama, ou em cima dela, ou no portão, de costas, saindo pra trabalhar; afinal, que importa que ele volte tarde da noite, com cheiro de bar e marca de unha de outra mulher? Ela quer casar, isso é que é. Ela quer casar e sonha isso toda vez que pousa a cabeça no travesseiro. Assiste à novela só pra matar a saudade de como se beija. A cada cena picante, fica com água na boca. E, por mais que os moços desdenhem, está longe de ser feia; tem o cabelo vermelho, felpudo, e, pra deixá-lo apresentável, passa horas na casa das amigas cabeleireiras: todas entusiastas, “mais ou menos profissionais”, dizem. Um cabelo bem bonito por um preço camarada.
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Isso é que é.
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Joana tem pernas grossas; cada coxa, meu amigo, vai pra mais de uma régua – dessas comuns, de se levar pro colégio –, os peitos são bem projetados: um dia, seguramente, foram bons de ter nas mãos; e pra esse fim ainda valem, mesmo que esteja perdida a robustez da juventude.

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Isso, camarada, não tenho medo de contar, se um dia Joana ler essas linhas, tome isso de elogio.

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Agora penso por mim, que pensar por outros não tem vez: um dia quisesse o divino que eu fosse o querer de Joana. Porque os rapazes sem camisa miram no longe das janelas as meninas bem de vida que namoram marinheiros. Ah, o divino abençoasse; eu partiria sem medo, de corpo e de alma – mais de corpo nesse caso – e perderia a castidade que o destino me impõe feito grilhão nos pés de escravo, e se o amigo acha que a metáfora padece de anacronismo, pense nisso como algema no punho de preso. Isso sim é que é!
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Elas, lá em baixo, assistem ao desfile dos rapazes pela rua esburacada.
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ESTOU AQUI, dá vontade de gritar. Mas gritar mesmo eu não grito.
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Sou fraco.
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Mas não grito.
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Elas olham cá pra cima e eu aceno com um sorriso.
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O mundo, Joana, é mesmo infinito!
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Eduardo Gaspar
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