Ontem retornei ao cemitério pela primeira vez desde aquele dia, há duas semanas. Planejei a lápide, escolhi a cor. Estávamos mesmo em fase de redecoração da casa. Era um dos nossos planos para janeiro. Não me esqueci das Relíquias da Morte. E uma foto bem bonita, com o que Niterói tem de melhor. E um poema, claro. E meu nome, porque sempre fui ciumenta com ela e é importante marcar o território. Sei que lá é só o corpo, é só matéria. Agora tirei a roupa, estou no banho. Olho para baixo. Vejo o bico do meu peito direito diferente do esquerdo, moldados nos três anos e meio de amamentação. Vejo a minha barriga, disforme e com estrias, e no canto esquerdo uma elevação diferente, que não parece fazer sentido. Um pé. Na trigésima nona semana, o corpo, sempre tão pequeno fora da barriga, não cabia mais ali. Ela esticou e imprimiu no meu corpo a sua pele, marcando também o território. O corpo, tão pequeno em vida e grande na barriga, agora se desfaz atrás da lápide que eu escolhi. Sei que lá é só o corpo, é só matéria. Mas é um corpo saído deste corpo, que ainda carrega a costura da passagem.
Melina Galete
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