terça-feira, 22 de abril de 2025

VALA DE INDIGENTE


Tenho em mim o desejo profundo de ao menos uma vez na vida morrer uma morte de mulher pagã. Mas não quero jogar-me de um prédio ou na frente de trem, meter a cabeça em forno, afogar-me com pedras esquecidas no bolso, nem suicidar-me com um tiro por amor a ninguém. Não tenho muito de Ana Kariênina em mim. Talvez de Ofélia eu tenha um pouco mais. De Ofélia, sim. Também serei enterrada como indigente. Quero morrer em meio às flores, num delírio controlado. Ao menos uma vez. Minha tristeza será tão feliz quando meu único dever for o de deitar-me na relva ao relento e esperar a morte. E na espera, talvez, viver o silêncio. E no silêncio, com certeza, sentir o tempo. Os insetos me atravessam sem devorar-me, pois eles sabem que eu já devoro a mim mesma. A cobra rasteja por entre minhas pernas, sem se perceber, a onça me usa de travesseiro. E meus cabelos se desprendem em tufos que são presentes para os pássaros. De pouquinho em pouquinho eles me convidam para dentro de seus ninhos. E eu entro. Tão linda é essa minha morte. Peço para que nunca termine. E rezo, pois as mulheres pagãs também rezam. E Deus me atende. Meu sangue é doce néctar para as abelhas e morcegos que me prolificam. Também em mim respira toda uma floresta. E quando seco, petrifico. Por toda extensão de minha pele, então, o verde vai consumindo. É o musgo que finge me preencher e me esconde do restante do mundo. E eu não sinto mais nem fome, nem frio, nem sede... não, sede sim. Eu bebo dessa sede. Mas não medo e não nada. É tempo de morrer e eu sei muito bem como fazer isso.


Giovanna Ramundo

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente!