quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Um poema de Thiago de Freitas Peixoto


Se fosse possível viver
das coisas que dão prazer
e não dinheiro ou poder.
a vida teria mais nexo.
Seríamos poesia e sexo.


Thiago de Freitas Peixoto

quarta-feira, 20 de agosto de 2025

abducción con cumplicidad


eu trago a palavra
na ponta da língua
lambida sugada
molhada em saliva

se queres sabê-la
beija-me a boca
depois cala o bico
pois isso é segredo
é pacto é acordo
fechado com lacre
entre bruxa e corvo

abracadabra


Líria Porto

terça-feira, 19 de agosto de 2025

Loop


Quando você coça
o queixo esquece
é real na cena
ou na tela

Quando você coça
o queixo na tela
e repete anula
ou recria


Otávio Campos

Simone Leitão e Plástico Bolha convidam a ouvir a Academia Jovem Concertante 🎹🎹🎹

 

Simone Leitão é pianista de longa data e também a mais nova parceira do Jornal Plástico Bolha. Alertamos: ela é fera! Não percam a oportunidade de ouvir a Academia Jovem Concertante:

21/8 — Mossoró (RN)
22/8 — Natal (RN)
24/8 — Vitória (ES)
27/8 — Sala Cecilia Meireles (RJ)
28/8 — Mangaratiba (RJ)

segunda-feira, 18 de agosto de 2025

Yoga, de Luiza Mussnich


estique os braços como lanças
abra os olhos dos joelhos
conte cinco respirações
na posição do coração
cobra
elefante
golfinho
cachorro
com as pernas em ângulo de noventa graus
expire nas costelas
procure sentir a carga de energia
do ponto que há entre as sobrancelhas
relaxe a relação do maxilar com a mandíbula
alivie a tensão da lombar a cada respiração
entregue seu corpo ao chãohmmm

Luiza Mussnich

Escrita de Clarice Lispector reina em cena nas vozes das atrizes Beth Goulart e Ester Jablonski entre o mito e o mistério


Simplesmente eu, Clarice Lispector

Que mistério tem Clarice – prosadora nascida na Ucrânia, mas naturalizada brasileira e de fato e de direito uma das maiores escritoras do país – para mobilizar tantas mentes inquietas com a sua escrita? A obra literária de Clarice Lispector (1920–1977) é a base de dois textos encenados por duas atrizes simultaneamente, em palcos do Rio de Janeiro, de sexta-feira a domingo, até 31 de agosto.


No Teatro Fashion Mall, Beth Goulart encarna a escritora de forma (in)crível – e também interpreta trechos de textos da autora do romance Perto do coração selvagem (1943) – em Simplesmente eu, Clarice Lispector, espetáculo que estreou em 2009 e que, 16 anos depois, vem arrebatando novas multidões no retorno à cena desde o primeiro semestre de 2025. 


Orquestrada pela própria atriz, hábil na seleção e costura dos textos, a peça de Beth Goulart é sinfonia exuberante em que gestos, falas, expressões, canto – a atriz dá voz a um tema sacro – e luz se afinam e contribuem para manter a aura de encantamento em torno de Clarice, personificada na exímia caracterização de Beth. 


No porão da Casa de Cultura Laura Alvim, Ester Jablonski interpreta quatro contos de Clarice no monólogo Silêncios claros, sob a direção de Fernando Philbert, com cena mais despojada, calcada nos textos das narrativas breves. Como o espetáculo de Beth Goulart, o solo de Ester Jablonski está voltando à cena. Estreou originalmente em 2013, no Rio de Janeiro, e retorna aos palcos cariocas pela eterna magia que envolve Clarice Lispector. 


Silêncios claros

Os contos são “O grande passeio”, “Uma tarde plena”, “A fuga” e “Uma galinha”. Todos se situam na cidade do Rio de Janeiro (RJ), mas os temas são universais e os textos, escritos sob ótica feminina. 


Clarice Lispector entendia muito da solidão e da opressão femininas. “A fuga”, por exemplo, flagra uma mulher em momento breve e fugaz de liberdade, numa válvula de escape do casamento que a esmaga por 12 anos. Doze anos que pesam como quilos de chumbo, como ressalta Clarice na voz de Ester. Enquanto a atriz descreve a fuga não concretizada, menos por medo do que pela falta de dinheiro, para embarcar no navio que a livraria do peso daquela união, o espectador viaja pela imaginação daquela mulher através da voz de Ester, que encena Clarice sem afetações.


“O grande passeio” sobressai na costura fina de Silêncios claros ao lado de “A fuga”. No conto que abre a peça, Ester Jablonski narra a história de Margarida, idosa que vive de caridade e é conhecida por Mocinha. A senhora, que causa espanto ao se dar ao luxo de passear, convive com fragmentos da memória e com migalhas da compaixão alheia desde que veio parar no Rio de Janeiro, vinda da Maranhão natal. Clarice Lispector descortina a intensidade do sentimento que banha o mundo solitário de Mocinha às voltas com fantasmas do passado. 


No palco, a literatura de Clarice ganha certa teatralidade, mérito do diretor Fernando Philbert na condução de Ester Jablonski em cena. Silêncios claros, afinal, não é um recital de contos, mas uma peça viva como a escrita de Clarice Lispector. A Clarice que procurou desmistificar o ato de escrever em entrevista reproduzida em cena por Beth Goulart na pele da romancista em um dos grandes momentos de Simplesmente eu, Clarice Lispector. Mas é que há tanta densidade no fluxo do pensamento literário de Clarice que talvez haja a necessidade de criar um mito em torno dela para tentar explicar um mistério insondável.


Que mistério tem Clarice para guardar-se assim tão firme no coração dos atores, dos poetas, dos compositores, enfim, de todos os brasileiros? A pergunta já foi feita em 1968 através de um poeta, José Carlos Capinan, letrista de “Clarice”, canção de Caetano Veloso. Talvez ninguém saiba responder a contento. 


Desde que irrompeu em 1943 como grande expoente da geração de autorias brasileiras da década de 1940, Clarice Lispector vem se perpetuando na memória nacional sem jogadas de marketing. Natural, a força da obra da escritora vem mesmo e tão somente da escrita densa, intensa e poética que ora reverbera nos palcos cariocas em dois monólogos que merecem ser vistos. Cada uma a seu modo, as peças “Simplesmente eu, Clarice Lispector” e “Silêncios claros” perpetuam a escrita, o mito e o mistério de Clarice.


Mauro Ferreira

domingo, 17 de agosto de 2025

Um poema de Clara de Góes


Opacidade cega
das manhãs em teu olhar
perdido.
A fúria dos esquecidos
flagelo de troianas
cassandras caladas.

Carrego meu corpo partido entre ruínas.


Clara de Góes

sábado, 16 de agosto de 2025

Poeminha de Rodrigo de Souza Leão




eu luto
contra
o luto


Rodrigo de Souza Leão



Relembramos sempre que Rodrigo de Souza Leão não fez parte diretamente do Jornal Plástico Bolha, mas foi por um triz: surgimos um pouco depois de sua partida, mas temos a certeza de que viria uma parceria interessante (caso as décadas tivessem colaborado). Contudo, anos mais tarde, via nosso querido amigo Ramon Nunes Mello, e com o aval da família e editores, temos hoje a hora de trazer um pouco da obra poética do autor para a mídia do PB. Achamos que ele ficaria contente em estar conosco, pois são muitas as similaridades em nossa forma de ver a Literatura como uma forma de vida, acima de tudo. Mesmo não estando aqui fisicamente, e apesar de não termos o hábito de publicar autores não vivos por aqui, julgamos que RSL está entre nós, vivo e atuante. Rodrigo, onde quer quem você esteja ou não: deixamos registrado a honra em publicar seus poema e em te ter conosco nessa grande e louca aventura no mundo das palavras. A seleção publicada aqui no blog está todinha reunida no livro LowCura, do selo Demônio NegroComprem Rodrigo! Leiam Rodrigo! Viva Rodrigo!

sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Um poema de Isabel Diegues


intuo
tua boca
carnuda
dando
(doce
cena)
na maior
orgia
a língua
a alguém
enquanto
todo mundo
doido
duvida
da tua
aliteração


Isabel Diegues

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

Mestre da bricolagem, Barrão mostra à Curitiba onde a coruja dorme

A primeira exposição individual do artista no Museu Oscar Niemeyer (MON) vai pegar milhares no contrapé até novembro


Curiosidade, 2021, Barrão

Quase tão bons quanto as obras do artista plástico Barrão são os nomes com que ele as batiza. Aliás, como é triste ver no folheto de uma exposição um quadro “sem título”. Barrão vai por outro caminho. 

Escolhe ótimos títulos para seus seres de cerâmicas coloridas, esculturas de resíduos pintadas a tinta automotiva, e para suas aquarelas e instalações invulgares, que recebem nomes como “Mufakaos”, “Soldado Kurosawa Figurante”, “Ninfas Derramadas” e outros tantos.

O espectador fica procurando a sutileza que moveu o artista, mas, quando percebe o conjunto completo da obra, nota como a intenção de seu criador pode ter sido tanto insinuar ou converter quanto até mesmo perverter o seu sentido, aplicando a ela uma mão a mais de informação poética.

Tudo sempre, claro, para confundir, pois Barrão é expoente daquela arte pop que rebentou nos anos 1980 feito um braço solar da new wave à brasileira, linda e cheia de rock, videomakers e Chacrinha — arte que empurrou a ditadura para o abismo.

Teia à Toa é também o belo (e aliterado) título da primeira mostra individual de Barrão em Curitiba em seus mais de 40 anos de carreira. Com curadoria de Luíza Mello, a exposição no Museu Oscar Niemeyer reúne perto de 70 obras, todas criadas no século 21, muitas nos últimos 3 anos.

Habitante local, me alegro de ver Teia à Toa ocupando a sala 3 do MON, que é como chamamos o prédio que leva o nome do arquiteto comunista. Folhetos de agências de turismo e legendas de vídeos de tiktokers preferem chamá-lo de “Museu do Olho”.

História do Museu | MON
Oscar Niemeyer no MON

O prédio projetado por Niemeyer nos anos 1970 para abrigar a burocracia no centro cívico modernista da capital foi reinventado no final do século 20. Ganhou um anexo, cuja curvatura lembra de fato um olho elipsoidal, e, hoje, além de ser o museu mais importante do estado, é o segundo ponto turístico mais concorrido da cidade.

Todos os dias, dezenas de ônibus estacionam ali, trazendo milhares de turistas de todo o Brasil, especialmente às quartas-feiras, quando a entrada é gratuita — não por acaso o dia que escolhi para visitar a mostra.

Eu queria observar a reação dos turistas, estratégia que funcionou, já que pude captar a sensação de divertido estranhamento na cara das pessoas, algo que, imagino, deve agradar o autor da mostra. A obra de Barrão é, sobretudo, muito engraçada.

Enquanto eu deambulava pelo salão, a meu redor se encontravam dezenas de pessoas e muitas crianças que davam trabalho à equipe da segurança. Difícil mantê-las na distância recomendada e impedi-las de mexer em cavalinhos, gorilas e lanternas espalhados pelo espaço.

Pessoas andando na calçada

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Sala da exposição Teia à Toa

Quando vi um casal de jovens bonitos e espertos se divertindo tanto quanto eu, a minha veia de repórter pulsou e me fez querer ouvir suas impressões a quente.

Heric Carvalho é de Fortaleza (CE) e Karen Poletti, de Chapecó (SC). Eles nunca tinham ouvido falar de Barrão, nem do Parque Lage, mas entenderam a jogada. “Me chamou a atenção que são coisas que poderiam estar na casa da minha avó”, disse Karen.

“Eu gostei muito, achei interessante a forma como ele pega coisas cotidianas, do dia a dia, restos, lixos, resíduos, e transforma elas em obra de arte com ‘valor último’, entre aspas. Eu não conhecia o Barrão. Dá pra ver que ele trabalha com bastante coisa diferente. Essas colagens que ele faz, elas não partem de uma ideia de molde, mas de quebra. Ele vai quebrando e construindo”, relatou Heric.

Homem segurando uma placa

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Heric Carvalho (CE) e Karen Poletti (SC)

Um belo resumo da arte do mestre da bricolagem que, entre outras coisas, está em Curitiba para ensinar “onde a coruja dorme”, nome de uma de suas instalações mais fodas.

Outra instalação bem impressionante é aquela em que ele usa plintos — ou qualquer que seja o nome dado a supedâneos que sustentam pias — entrelaçados, que formam uma espécie de hashis de bambu gigantes de porcelana.

Minha peça preferida, porém, é o quintessencial “peixe boca de xícara”. Se tivesse dinheiro sobrando, eu investiria uma grana nela.

Uma imagem contendo hidrante

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Peixe boca de xícara, Barrão

Como já morei no Rio de Janeiro, sei que um artista como Barrão só poderia ter acontecido por lá. Em que outra cidade haveria tanta matéria-prima oriunda do comezinho domiciliar de casas tijucanas de classe média baixa, que se acopla a jogos de chá de famílias decadentes do velho Rio, tudo misturado à sucata dos anos 90 e ao epóxi dos nossos dias?

Me parece bastante apropriado, contudo, que ele esteja por aqui, diante dos olhos de muita gente que ainda não o conhece. Barrão é um daqueles artistas que transformam as coisas e seus destinos históricos. É reconfortante pensar no que ele pode fazer pelas cabeças e almas que o encontrarem até final de novembro, quando termina a exposição.

Homem bebendo vinho

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Sandro Moser em Teia à Toa

Sandro Moser

Exposição Teia à Toa
Artista: Barrão
Curadoria: Luiza Mello
Data: 10 de julho a 30 de novembro de 2025
Local: Museu Oscar Niemeyer, Sala 3, Curitiba, PR

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

o poeta de Pondicherry




pelas ruas da cidade
encontrei o vate local
o poeta de Pondicherry
sob uma árvore
cinzelando o mármore
de suas rosas
— há doze anos
sua Kumbha Mela


Lucas Viriato

terça-feira, 12 de agosto de 2025

Recolho


Recolho
e escondo
entre os escombros
o fito
de manter intacto
o que, num abalo
num tremor
espatifou

depois,
me recolho


Mariana Teixeira

Falsa Novela


falsa novela:
pretensa cena de cinema.
— corta! recortes,
pedaços. inteiro
prossigo.

tudo isso. somos feitos
assim,
meio tortos mesmo.


Pedro Tostes

A coragem do morto


O morto, quanta coragem,
mantém os olhos fechados
justo no momento em que
o devoramos
o deciframos e,
como se não bastasse,
debochamos de seu
silêncio
ornado de flores
igualmente mortas.


Alexandre Brandão

os sós


Na praça de gente corcunda
vendo os stories, um homem
ereto conta à árvore sua história


Noélia Ribeiro

Krasis, de Lasana Lukata


sou um cão no inverno
encostado às cinzas do que foi.

uma garça de pescoço retraído,
ferido por anzóis.

garça-verde de pescoço comprido,
intuindo botes.

poeta atracado com o deserto,
impaciente por oásis.


Lasana Lukata

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

amor sem fronteira


amor sem fronteira
brote e aflore
sem eira nem beira


Marcela Sperandio

Marília por Alice — depoimento homenagem


Difícil conhecer alguém tão generoso quanto a Marilia Rothier. Ao entrar no mestrado, fiquei muito honrada quando ela aceitou ser minha orientadora. Logo que fomos conversar, me disse que o projeto inicial, o que apresentei à banca pela primeira vez, era fraco. Usou essa palavra, que achei extremamente generosa. Podia ter falado muito pior, mas não falou. A generosidade estava em tentar me colocar uma pulga atrás da orelha, pensar em alguma coisa diferente, fugir do que era esperado. Toda vez que nos encontrávamos, eu saía atordoada, sem saber para onde ir depois da conversa: como agradar a Marilia? Como corresponder ao estímulo de tentar desdobrar aquilo tudo, pensar na academia como um lugar para experimentar maneiras de dizer (não é à toa que o nome da linha de pesquisa é “novos cenários da escrita”)? Era esse o conselho que ela dava: misturar os gêneros, entender que a forma artística também poderia ser uma maneira de se expressar dentro da universidade. Eu relutava com aquilo tudo. Durante todo o curso, até a qualificação, apresentei uma forma tradicional de texto. Até que, logo depois, aulas concluídas, parti para o convênio da PUC com a universidade Brown, nos Estados Unidos. E, de lá, mandei um e-mail cheio de dedos: Marilia, acho que vou seguir seu conselho, pode? Ela disse que podia. Em trinta dias, não fiz quase nada mais. Só escrevia o poema, que ficou longo, mais de 40 páginas, nenhum ponto final, e essa foi a minha dissertação. Depois, acrescentei um posfácio, a parte "crítica". Será que a Marilia vai gostar? Na banca, em abril, a Heloisa Buarque dizia coisas bonitas e perguntava, brincando: como você defende sua orientadora, Alice? Escreve uma dissertação em forma de poema sobre um tema e diz o tempo todo que não é especialista no tema? Como eu poderia defender a Marilia? Eu sorria de volta sem conseguir responder. Podia tentar me defender ali, mas como dar para a Heloisa a dimensão concreta do impacto que a Marilia teve sobre mim, dentro e fora da universidade? Na verdade, a tensão da defesa era tanta que não conseguia dizer nada, mas no fundo só pensava em uma palavra: coragem. Tão difícil dar coragem pra alguém, e isso a Marilia faz como só ela sabe fazer. Olha com firmeza, e ao mesmo tempo uma doçura total, e diz: aquilo era fraco. Ainda bem que ela disse. Doçura sem firmeza existe? A outra palavra eu já disse: generosidade. E admiração completa. Talvez elas andem juntas. Que sorte eu tive. Obrigada, Marilia.


Alice Sant'Anna

domingo, 10 de agosto de 2025

Um poema de Cesar Kiraly


o dormente
       dorme
pois
o trilho é todo lâmina


Cesar Kiraly

Brilho de Gregorio se expande no céu com Camões entre o humor e a poesia ✨✨✨



 foto de Raquel Pelicano


Gregorio Duvivier roça a língua de Luís de Camões (1524–1580) em monólogo que estreou em novembro do ano passado em Portugal, pátria do poeta nascido há cinco séculos, e que circula pelo Brasil desde fevereiro deste ano, estando de volta em agosto à cena do Rio de Janeiro (RJ), em temporada que se estende até 31 de agosto no Teatro Casa Grande.

“O céu da língua” é um solo autoral do ator e escritor carioca Gregorio Duvivier sob direção de Luciana Paes. Mas Gregorio não está sozinho em cena. Habita o palco com ele o instrumentista Pedro Aune, contrabaixista e diretor musical desse monólogo que transita entre a poesia e a piada.

Há momentos em que a apresentação soa como recital de poesia, com direito ao canto de “Livros” (1997), música de Caetano Veloso cuja letra tem versos alusivos aos da canção “Chão de estrelas” (1939), clássico da parceria do cantor e compositor carioca Silvio Caldas (1908–1988) com o compositor Orestes Barbosa (1893–1988).

Caetano também é, cabe lembrar, o compositor de “Língua”, tema de 1984 que parece nortear a viagem de Gregorio Duvivier pelo idioma de Camões com escalas na música e no humor. Até porque há momentos em que “O céu da língua” resvala no formato popular de um stand-up de humor mordaz, como “Z.É. – Zenas emprovisadas”, espetáculo de 2003 com o qual o ator pôs os pés na profissão.

No palco nu, à frente de imagens manuseadas pela irmã Theodora Duvivier, Gregorio mostra que a língua portuguesa está viva. E que línguas mortas podem ser reanimadas, trazidas da tumba diretamente para o papo de bar. Entre uma piada e outra com a reforma ortográfica de 2009, o artista põe em debate palavras ressignificadas, como “sinistro”. Nesse sentido, a peça é sinistra!

De início, Gregorio entra em cena recitando versos de Camões, poeta nascido há 501 anos em Portugal, quando surgia com Gil Vicente o teatro português propriamente dito e onde o monólogo do artista brasileiro cumpriu temporada consagradora.

Do solene ao coloquial, o fluxo verbal de Gregorio Duvivier mantém o espectador atento à trama e ao trema. Sim, trema! Que outro ator consegue discorrer sobre a desvalorização do trema na reforma ortográfica de 2009 sem entediar o espectador? Ou partir em defesa emocionada de decassílabos, o verso mais clássico da poesia de expressão portuguesa, composto de dez sílabas poéticas, que caiu em descrença para parte da poesia brasileira atual e costuma estar ausente de conversas de bar? Ou então enfatizar o quanto de repulsa é gerada pela simples menção de uma palavra como afta, dita em cena com toque de humor, mas sem perda de respeito pela língua-mãe? Aplausos para Gregorio, portador de um discurso repleto de ironia, sarcasmo e sentimento.

Em “O céu da língua”, o espectador é surpreendido pela palavra. Palavra orquestrada para a cena, já que Gregório assina a dramaturgia do monólogo, roçando sem pudores a língua de Camões, às vezes como poeta de um passado remoto, outras como humorista do stand up mais popular da temporada.

Contudo, não há apelações. Chega-se ao céu da língua em voo de brigadeiro, sem turbulências. As fricções são das palavras, convulsionadas pelo ator para expor a elasticidade de uma língua que, na realidade, extrapola Camões, sem apego ufanista a um idioma que fez travessia intercontinental até aportar no Brasil como imposição da coroa portuguesa. A senhora da cena é uma língua que descende tanto de Camões quanto de indígenas e de africanos escravizados, que a transformaram com sua cultura e sua riqueza linguística.

Dedicado a criar no palco “confusões de prosódias” e uma “profusão de paródias”, sem deixar de realçar a devoção à língua-mãe, Gregorio Duvivier roça o céu para quem defende a presença da poesia no teatro.




Mauro Ferreira

sábado, 9 de agosto de 2025

Comissária de Bordo



Sou como um pássaro, porém, não tenho asas.
A arte de voar me fascina, e minha missão?
Atender, ajudar e servir o próximo com dedicação.
Enfrento turbulências e perigos inesperados
Fui treinada para tranquilizar e acalmar
Corações aflitos, desesperados…
Quando o medo chaga, sou solidária
Tenho de ser forte, pois sou COMISSÁRIA.

Em um quarto do hotel,
Sinto-me frágil, desprotegida…
Um vazio enorme toma conta o meu ser.
A solidão bate à porta,
Não importa, sou livre…
Essa liberdade foi conquistada
E, apesar de solitária,
Sou feliz,
Sou COMISSÁRIA.


Mei Santana

sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Um poema de Paulo D'Auria


breviário:
do outro lado do espelho
o mundo ainda é feio
só que ao contrário


Paulo D'Auria

quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Vazio, de Soéli de Souza


Quando penso que
penso, não sei se pensei.
Minha mente, por horas,
vazia se abastece de
poesia
e sustenta meu silêncio.
Como é bom esvaziar-se
em si mesmo...
Experimenta!


Soéli de Souza

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Legado


a grande lua de fogo
revelou a sua face agrestia
e, devagarosamente,
foi indo, foi indo
gravitando
na incandescência.

Com a lua cheia
um véu de estrelas espantou a neblina.

Na agrestidade do ser
cavamos os sonhos
contra a desesperança
que circunda nossas vidas.


Graça Graúna

terça-feira, 5 de agosto de 2025

Jovenzinhos


Foi depois do aborto... e o jovem casal sentiu alívio, suas vidas não tavam mais condenadas naquele tipo de prisão invisível; agora, depois do feto estar no formol cada um foi pro seu canto e se esqueceram mutuamente, como se não fosse nada...


Paulo Vitor Grossi

segunda-feira, 4 de agosto de 2025

FUMÓDROMO ANTITABAGISTA


coração na boca

dedos largos
percorro correndo meu caminho vertebral
vértebra osso cartilagem gordura
cigarro em cigarro agradecida
pelas leis antiantitabagistas
cigarro atrás de cigarro atrás de cigarro
eu porta afora distância ínfima
casa meticulosa carpete anos 80
medo de ir
medo de vir
dor de chegar e
a dor de não chegar
criaturinha ridícula garganta afora
saliva análoga dente
análogo língua
análogo boca
análogo faringe
análogo voz
análogo a EU NÃO FALO
sinal divino de que meus sinais são outros
rasgar teu céu da boca com
meus dentes e unhas
e garras
e língua
e te falo
voz análoga à voz
reprovada na tradução de
todos os meus sinais telepáticos
meu corpo extraviado de tempo
pescoço pesado de destino
a forca me aperta pré-sentença
já morri antes
morreria de novo
belíssimo carvão incandescente
tem medo da forca
coração na boca
dedos largos
agarro o que me resta:


Ágatha Kreisler

domingo, 3 de agosto de 2025

olfato interior


o interior dos
livros com cheiro da estante
                             de meu pai

o interior dos
lençóis com cheiro do armário
                              de minha mãe

o interior de minas
fedendo à passagens subterrâneas
                                        do eixão


Felipe Rezende

sábado, 2 de agosto de 2025

racha


de que me serve acelerar
se o que corre é meu sangue
em fuga desesperada
na sua direção

nem toda velocidade das rodas dos carros alcança meu
querer-te


Bruna Escaleira

sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Trivial I


No varal penduro a roupa
para secar meus lamentos.
O vento bate, de agosto
leva dor, traz sentimento

Nos vasos em flor na janela
brotam desejos e tormentos.


Nazareth Fonseca