segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Wit, de Eduardo Tornaghi


As coisas não são o que vemos
As coisas nem são o que são
Toda certeza que temos
É vaidade
Qualidade do que é vão


Eduardo Tornaghi

domingo, 21 de setembro de 2025

(mensagem na garrafa)


S.O.S
Me deixem.
Estou perdido.
Favor não me encontrar.


Pedro Tostes

sábado, 20 de setembro de 2025

sombra


como pode o sol debaixo da pedra?
toda sua giganteza atrás dum  pedregulho tão pequeno
pedrinha de ladrilhar a rua pro meu amor passar
o amor é traiçoeiro


Bruna Escaleira

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Um poema de Frederico Barbosa


mundo inundado de
filme negro fumaça morcego no ar
antena de rápido radar
anda
por ecos ondas e nós


Frederico Barbosa

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Salto ornamental


os poucos segundos diante da câmera
não fariam jus aos anos (uma vida
inteira) de ensaios e dores musculares
e alimentação regrada e tantas outras privações
os poucos segundos mostram
a atleta no trampolim
ela se prepara para o salto
ornamental que quem sabe
vai lhe render uma medalha
uma vaga nas olimpíadas
a consideração de alguém tanta coisa
o treinador apreensivo finge


Alice Sant'Anna

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Um poema de Daniel Pereira


beijos e abraços
sabor babaloo
dedo na boca, pose
ares de mon amour
faz e acontexe
cresce e aparexe,
tipo assim, bye-bye
ai, ai, sai
é luxo, não é lixo
sacou, bicho?


Daniel Pereira

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Vilarejo


Pessoas apenas passam
Assim como os ventos
No vilarejo
Do esquecimento


Arnoldo Pimentel

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Seppuku


Rendidas sob a katana
e a flor da honra, as mãos
se preparam para esculpir
o fim:
         toda a luz do vivido —
agora — entregue a lâmina
e ao eterno sono. Exceto,

a cerejeira escarlate
na lã do kimono.


Salgado Maranhão

domingo, 14 de setembro de 2025

Um poema de José Elvis Ermano


urubus e andorinhas
decidem na porrinha
a cor do entardecer


José Elvis Ermano

sábado, 13 de setembro de 2025

Zezé Motta faz do mundo ativista de Maya Angelou um templo de delicadeza

Crédito: Reprodução Facebook CCBB RJ / Ariel Cavotti

A escritora e poeta norte-americana Maya Angelou (4 de abril de 1928 – 28 de maio de 2014) deixou rastro de luz e ativismo no mundo ao perpetuar em relatos autobiográficos a força perene do povo negro diante dos abusos cotidianos da branquitude dos Estados Unidos. Essa luz tem sido espalhada nos palcos do Brasil pela atriz e cantora Zezé Motta com o espetáculo Vou fazer de mim um mundo, monólogo ora em cena no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro (RJ), até 5 de outubro, após passar por Brasília (DF) e Belo Horizonte (MG).

 

Em Vou fazer de mim um mundo, primeiro monólogo da carreira da atriz fluminense de 81 anos, Zezé Motta interpreta trechos do primeiro livro autobiográfico de Maya Angelou, Eu sei porque o pássaro canta na gaiola, publicado em 1969. No livro, obra-prima de literatura calcada na resistência e no humanismo que se agigantam em oposição à brutalidade do racismo e da violência sexual praticada contra mulheres negras, a escritora relata o estupro que sofreu aos oito anos em St. Louis (EUA) e uma série de abusos cometidos nos Estados Unidos segregacionistas dos anos 1930 e 1940.

 

Na voz e no tempo de delicadeza da interpretação de Zezé Motta, as palavras de Maya Angelou calam fundo na alma do espectador. Sem carregar no tom, a atriz concentra e interioriza a emoção de um relato que combate o horror com a poesia. Aliás, foi pela poesia e pela literatura que a escritora saiu do estado de mudez — no qual permanecera por anos, refugiada no mundo interior — e que recuperou a voz. Voz que se tornou ativista com a escrita de livros autobiográficos e que levaram Maya — nascida Marguerite Ann Johnson — a ser condecorada em 2010 com a Medalha Presidencial da Liberdade pelo então presidente dos Estados Unidos Barack Obama.

 

Em Vou fazer de mim um mundo, Zezé Motta aproxima o universo ativista de Maya Angelou do Brasil, com a consciência de que, parafraseando verso de música do grupo Titãs, miséria humana é miséria humana em qualquer canto do mundo. Maya Angelou foi brutalizada na infância por uma miséria humana recorrente no cotidiano brasileiro, historicamente regido pela violência e pela injustiça social. 

 

No monólogo, encenado por Zezé sob direção de Elissandro de Aquino, o paralelo entre Brasil e Estados Unidos é feito não somente pelo canto de temas afro-brasileiros entre temas norte-americanos, mas também pela citação de nomes como Carolina Maria de Jesus (1914 – 1977) e Elza Soares (1930 – 2022), cantora brasileira que também transcendeu os abusos sofridos ao longo da vida pela força da palavra, no caso da palavra cantada.

 

Na cena de Vou fazer de mim um mundo, a música executada pela percussionista Mila Moura e pelo guitarrista Pedro Leal David (diretor musical arranjador do espetáculo) embala o canto transcendental de Zezé Motta. Mas é a palavra de Maya Angelou a força motriz do monólogo em que Zezé se eleva com voz ativa, pronta a neutralizar o horror do racismo com a resistência do humanismo, espalhando a luz irradiada pela escrita ativista da autora norte-americana.


Mauro Ferreira

sexta-feira, 12 de setembro de 2025

Enfim


Quanta coisa fiz
quando tudo impedia
que a felicidade, alegria
quantificasse em mim

Enquanto fingia
sentir o que eu sentia
tanta coisa mudou
que acabou, enfim

Quando não mais quis
querendo você, veio e diz
o quanto gostaria
que a gente fosse feliz


Mariana Teixeira

quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Quinta


Sempre quinta.
Primeiro: um breve intervalo,
uma conversa distraída
uma pausa do dia-a-dia.

E uma quinta...
Um dia foi mais longa,
porque eu aceitei deitar para descansar.


Rosilene Jorge dos Ramos

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Matrimandir


arquitetura que é poema
de água luz pedras
cristal e silêncio
— beleza

lugar idealizado
construído imaginado
a duras custas
— dedicação

reflexo no espaço
dos sonhos da Mãe
centro da galáxia
— Auroville


Lucas Viriato

terça-feira, 9 de setembro de 2025

Da inocência


No abatedouro das línguas
não vibra palavra encaroçada:
                doce no tacho,

olhar de criança cobrindo ossos de galinha
no chão de domingo
                               - anúncio de dança:
                                                   amarelinha
                                                   goiabada
                                                   e o gosto do verbo nos dedos


Carolina Barreto     

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

azulão


nenhum não trava a boca do céu


Naila Rachid

domingo, 7 de setembro de 2025

Soneto social


É sete de setembro. E em muitas valas
Mil bocas putrefatas negam hinos...
Olhando o céu enxergam só senzalas
E a fúria sentem dos grilhões divinos...

É sete de setembro. E queimam balas
De fuzis que hoje marcham sob os sinos
Da catedral. Mil corpos sem abre-alas
Enfeitam de revolta seus destinos!...

É sete de setembro. E da avenida
Se sente a aura de um cuspo contra a vida
Na povo ali a se acenar, absorto!...

Hasteada sobre o curso do desfile,
A auriverde Bandeira envolta em bile
Fede ao cadáver de seu filho morto!...


Guilherme Ottoni

sábado, 6 de setembro de 2025

Um poema de Isabel Diegues


intuo
tua boca
carnuda
dando
(doce
cena)
na maior
orgia
a língua
a alguém
enquanto
todo mundo
doido
duvida
da tua
aliteração


Isabel Diegues

sexta-feira, 5 de setembro de 2025

pelé


dê um soco no ar e comemore até segunda-feira


Augusto Guimaraens Cavalcanti

quinta-feira, 4 de setembro de 2025

O quarto azul


No abismo oco o mundo exausto
Alto e forte o choro guerreiro
Tatuado e recluso em números
A fantasia de porta em porta
Disfarça ao mutante o preconceito
O quarto rosa é de algodão
O bebê no colo sacia a vida
Nos bicos de mel da enamorada 
A mulher ciente olha o tempo
O quarto azul é indicador 


Neuza Ladeira


quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Como fugir


(decúbito frontal,
boca de gruta pro mar,
reunidos sal, dente-raiz,
concha e estrela morta)
           como o silêncio reconstruído
           na lenta aproximação dos minérios.

           como esfinge sem jurisdição,
           porto de um tétano intocado.

           como habitante - sem trabalho -
           do intestino de um colosso náufrago.


Daniel Valentim Mansur

terça-feira, 2 de setembro de 2025

Cantata pra Mnemosyne


finalmente li o poema "quando eu tinha seis anos"

era o paraíso. mesa para quatro, comida pra dois
os meus olhos correndo as antigas avenidas. solidão

tão espessa a chuva, para tão curto encontro, senhor

— senhor, era como chamava, em mania
senhor, era o que escorria fogo dos lábios.

o poema inesquecível, chuva de zeus sobre dânae
os dedos perdidos em algum buraco. ponte preta, manicaca.

tão perenes os traumas, pra o dilaceramento tão breve, senhor.


Nina Rizzi

segunda-feira, 1 de setembro de 2025

País


Quantas Igrejas de São Francisco
no topo de tantas ladeiras de pedra
e sem calçamento...

Quantas Sebastianas e Antônios
caminham até elas de olhar baixo,
desde o fundo mais fundo
do tempo mais antigo...


André Giusti