sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Filete vermelho


Como és bonito filete vermelho
E como escorres pelo meu braço!
Olho-te angustiado do chuveiro
E os pingos de água, com descaso,

Diluem-te, mas não a minha dor.
De novo, a escorrer, a escorrer.
Da vida à miséria no amor.
Filete que representa tudo, o morrer!

Filete triste, por mim almejado,
Te desfaz pelo meu braço, cortante.
Agora, pelos pingos vermelhos aguados,
Vejo-te longínquo, febril e distante.

Vejo-te findo, a escorrer bonito,
Que dor, que tristeza eternizarás?
Transportaste-me para além do infinito,
Que dor não amenizarás?

Tu, filete vermelho da rósea flor,
Que escorres pelo meu braço.
Como é lindo o olvidado amor!
Como a dor é forte, feito aço!

Mas tu um dia hás de findar
E por mais que no meu braço escorras,
A dormência do meu amar,
Tu não farás com que ela morra.

A respiração, agora irregular,
E tu continuas a escorrer.
O pulso parando de pulsar,
Tu olhas frio, o meu morrer!

Quais tristes sentimentos foram vividos?
Tu és tudo e simplesmente o que me resta.
Que vida frívola, entorpecida e sem sentido
Foi friamente pensada dentro de minha testa?

Cor viva! Cor vermelha! Cor amada!
Por favor! Leva-me e deixa-me mais tranquilo!
Mostra-me tudo, mostra-me o nada,
Conforme durmo sob as folhas de mirtilo...

Guilherme Ottoni

As águas que me banham


Faz duas semanas que não enxergo,
não leio
faz duas semanas que não penso,
não vejo
faz duas semanas que não digo,
faz duas semanas que não choro

Faz duas semanas que me sinto um andarilho
em busca de seu livro
faz duas semanas que peço
por favor
não pegue esse avião

chorar não impedirá o avião de voar
estarei no chuveiro
confundindo as águas que me banham
com as lágrimas
que me escorrem os olhos.

Miguel Lydia

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Lançamento do DVD O vento lá fora


2a feira tem lançamento do DVD da profa. Cleonice Berardinelli e de Maria Bethania! Na PUC, não percam!



the


qualquer coisa de vinicius, ela tem
talvez seja a gávea florindo
um quê de drummond
à janela, escondido
sofre feito um bandeira
feito passarinho
e quando ela deita
e quando ela chora
todos lê
menos a este poeta
que te adora

Cesar Sampaio

Poema


Ah, se eu fosse como Bandeira,
ou feito de Barros,
Carlos.
Saberia menos
do que se sabe preciso,
ciso.
Saberia mais
do que se sabe de fato,
lato.

Tiago Maviero

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Por um saíra-de-sete-cores


se um passarinho entra pela sua janela
vôo errante, agitado
em expressão multicolorida
olhar tão curioso, inquieto;
apesar do receio de
envolvê-lo na palma,
em socorro
não pegues pela cauda
- mesmo sutil toque
as penas soltas mostram
a fragilidade da criaturinha;
e a pena, frágil, é a mesma
que seu pio, tão miudamente profundo,
faz sentir,
e ressoa numa lágrima
tão bruta

Idjahure Kadiwel

Plástico Bolha no Metrô


É isso mesmo! Plástico Bolha estará no metrô levando a poesia a todos os buracos! Microfone aberto pra quem quiser colar junto! A partir das 14h de sábado, 29/11, na estação Estácio do metrô do Rio.
Chega mais!



Amanhã a gente não se viu


Amanhã a gente não se viu
Na soleira da sua porta
Eu não quis dizer
oi

Amanhã eu fiquei com medo
Dos seus tantos compromissos
Da sua escapatória ao dizer
depois

Amanhã eu não soube o que fazer
Com você rondando por aqui
Sem coragem de dizer
talvez

Amanhã eu pensei
Que pudesse me mover
Mas fico parada até poder dizer
adeus

Isadora Falcão


Lançamento do livro de Maria França Cunha, A dança dos sentidos


Esta quarta-feira, 26/11, Maria França Cunha convida para a noite de autógrafos de seu livro A dança dos sentidos, no Espaço Multifoco, a partir das 18h. Não percam!




Lançamento do livro Imagens de Paris nos trópicos, de Angela Perricone


Quinta-feira, a partir das 17 horas, haverá o lançamento do livro de Angela Perricone, Imagens de Paris nos trópicos. Confiram!


segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lançamento de O Ser-se, de Júnia Azevedo


Dia 26 de novembro, às 20 horas no Centro Cultural Midrash, não percam!




Sobra


olhos diferentes
enxergam a mesma coisa
mas veem coisas distintas
a quem sobra
indiferença
a quem falta
vontade faminta

quem tem sapato que fala
sabe onde o calo aperta
a caixa
outrora nova
hoje guarda tralha velha

se sobra algo
além de holerites obsoletos
basta
termino meu texto

Alex Moura


sexta-feira, 21 de novembro de 2014

lançamento de Cachorras, de Claufe Rodrigues


Dia 24/11, segunda-feira próxima, Claufe Rodrigues estará na Travessa do shopping Leblon, lançando seu livro Cachorras. A partir das 19h, não percam!




Meu sonho


Peço-lhe licença para ser humano e tentar,
dou-te meu carinho e meu prazer,
resguardo minha raiva sem te esconder.
Tenho sede e busco luz.
Sinto-me rico às vezes e danço,
tenho vislumbres e piro.
Sinto-me presente, nem sempre
me espanto...
Peço-lhe licença para mexer no teu quarto
e zoar com teus sutiens.
Toma minha mão se você quiser
e minha pele no teu peito.
Oh,  que tem muito mais no meu ser.
Ainda tenho um tempo aqui,
um tempo contigo,
até despertar,
meu sonho.

Dimitri Merino

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A alma antiga


Queria ter a alma de um poeta velho
Escrever histórias num antigo caderno
Recitar cada frase para os apaixonados
Criar rimas sem motivos
Para os nãos inconformado
Sobreviventes de guerras
 Mais que frias
Corpo estalando de dor
Mais que agonia
Sentados em bares
Ou escadas
Até esquinas
Chorar por erros de amores
Que não os compreendiam
Depois de murchar todas as flores
Em sua maestria
A dor acaba tendo seus valores
De cada derrotado desse dia a dia
Me chame de poeta antigo
Com coração dos tempos de guerra
E com a maior prepotência
Me preparo para as batalhas
Escrevendo versos como os poetas.

Camila Lages

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Copacabana


Eu ontem fui pro Forte
atrás de um reforço
porque depois de muito
esforço, eu larguei o tal
E eu fui assim, sozinha
na marra. E de cara
a dor passou
É que a coisa é tão linda lá de cima
que parece até que anima
mesmo que de mentira
Sabe como é?
Aí, eu olhei pra frente
e era tudo, assim,
feito os olhos do Vicente
E por pouco
eu não me apaixono outra vez
o que seria o cúmulo da estupidez
então, eu virei o rosto pro lado
só pra ver se ele sumia
Que nada! era ainda o Vicente
insistente. Que vinha lá das águas
feito peixe:
com escama, espinho, uma enguia!
e me apavora, me olha
me namora, me decora

Vicente vem lá do Leme
e ele olha pra mim
E olha só pra mim:
o peito soca
a perna treme
ele vem, vem vindo
E o Leme ficou pra trás
E Vicente,
Já dá pra ver a barbatana
Quem me dera agora ser Joana,
Maria, qualquer fulana

Mas eu vim é pra cá
eu quero força!
Tô no Forte
e que Deus me conforte
porque não tá dando
Vicente, me larga
vá em paz, boa sorte!

Eu juro que amei
mas acabou, meu amor
Aqui já é outro bairro
dá pro Sul, tem outra cor
E o que houve entre nós
ficou no Arpoador

Jéssica Sena

CONVERSA DE OUTUBRO

(ou daquilo que escrevi e vendi debaixo do sol e como cheguei até aqui, minha jornada)


Em casa o medo de sair
Esbarrões e cotovelos não marcam hora
Enquanto isso, lá fora, rastejam duas senhoras
Numa típica conversa de outubro:
"Meu Deus, que calor!"
"Ainda vai piorar, eu garanto
Na cidade (grande) há muito calor e muito pranto."
Elas parecem mesmo esclarecidas
Mas são de fato esclerosadas
As cucas cozinhadas
Como acontece a todos na cidade
São seis meses… verão maldito
[passa um mosquito]
Agora conte o efeito dos anos
E não são poucos, ainda
Os que vão na praia aos Domingos
Condenados por um terrível mal
Torrando debaixo do sol

Mas afinal, é preciso ir pra rua:
“O homem que sai de casa merece ser aplaudido!”
O porteiro me encoraja, ele sabe, nobre a missão
Sou o supercomum!
Meu destino é a padaria
Minha tarefa, comprar pão
É ali do lado
Andando a pé eu posso ser roubado
De ônibus também
E o motorista é um doido
Ou talvez um mago, inventando espaço

A pressão toma conta da cidade
Na batalha do ônibus com o carro com as pessoas
Não há mais espaço na ladeira, nem na calçada:
Um andaime sinaliza “passagem de pedestres”
e o ônibus para, não há que fazer
As senhoras aflitas não entendem: “o motorista deve tá encachaçado”,
“esse inspetor é uma bicha”
Pobres diabos;


Marcos Padilha

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

idle life


she was about a panic attack
on working too much
on tolerating life
on epidemic ebola
on the fear of death

if we are all dying
then
what are we doing
here?

well,
don’t mistake jokes
for contradictions
I said
sleeping is a way
whisky is another

Jo Vincent Flowers

Tributo a Manoel de Barros

O fazedor de amanhecer

Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.

Manoel de Barros

La danzarina india


Los movimientos de Minú
en el centro del salón
no cabian en las palabras.

Las palabras son estacionarias
no golpean los pies en el piso
no mueven la cabeza de aquí para allí
no tienen campanas en los tobillos
ni una pelota roja en las manos
ni pendientes que se agitan
ni una gota en el centro de la frente
y ni la verdad de un único mudrá suyo.

Donde vá la mano
va la mirada, en alma devolviendo
la calma que la palabra nos robó.

Lucas Viriato

Gelado


Tínhamos que encontrar
um modo de não pensar
no frio de não descascar
as frutas para não feri-las
de pregar os olhos apenas
na cor roxa dos teus lábios
de inverno, um modo de
morder o drops e não
estilhaçá-lo. Tínhamos mesmo
que encontrar a posição
própria para o sono.

Sob o nariz ventava
acinzentado corriam
velozes trens apitando
vibrando tremendo.
Sob o nariz um ar de metal
as botas insuficientes
sobre a trepidante plataforma
mal suportavam o peso
dos olhos fixos no roxo
de teus dentes trincados
mas tínhamos que encontrar
um método para não pensar.

O pescoço afundado nos ombros
a luta contra as evidências
do fracasso. Unhas quebradas
sorriso quebrado o corpo
anulado. Pensamentos
banidos do pensamento.

Laura Liuzzi

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Anarcofunk simbolista


Meu coração respira a original anarquia
E o amor é de guerra total um estado
A revolução permanente
Deve duvidar sempre, sempre
E o corpo, encarnado  exército
Da república popular da China, berra:

– Pelo direito de roubar-te um beijo!
– Pela faculdade de comer-te o rabo!

Cesar Sampaio


Ode a uma puta


Que mistérios esconde o sexo da história?

A mãe de todos os poetas
Musa do sol da tarde dourada
É a puta que se investe contra todos
Na pálida e arrependida madrugada

Fétida vagina aquecida
Que repousei para dormir
Entre seus enmelecados lábios, aparecida
Me olhava, mas não conseguia sorrir

Sabia que a noite a havia de engolir
Não era de corpo
De ninguém
Vivia exclusivamente do porvir
E de nada mais além

Ama os mais belos amores
Acaricia pubianos deleites
Sabia que eram das dores
Que seu destino daria o aceite

Descobriu-se mito da mitologia da modernidade
Afetos despidos de qualquer idade
Sabia que era santa
Mas não rezava com palavras
Rezava através dos amantes
Rezava através das dadas

Era mais antiga que o cristianismo
Mas não sabia o que era o tempo
Suas horas se mediam de outra maneira

...

Porém uma frase que trouxe segurança
A tropeçada puta
Experimentada puta
Desarrumada puta
Que jamais seria iluminada

Musa do sol da tarde
Encarando a madrugada
Via-se novamente
Limpando a boca seca de baba.

Lior Zalis


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Lançamento de Marilia Rothier e Eneida Maria de Souza


Quarta-feira, 12/11, Marilia Rothier e Eneida Maria de Souza estarão lançando livro na Argumento do Leblon. Não perca!





Coleção

I
fico imaginando você
pelas ruas de São Paulo
brincando com gatos
abrigando saudades
e tentando entender
se esse amar é
mesmo amor

II
o rabo do gato ficou pra trás
varrendo o que ficou
caído no chão enquanto
o corpo carregava já
na frente memórias do
amor que ainda nem é
eu queria mesmo era conseguir
não falar sobre os gatos
mas os gatos parecem
palavras que acontecem assim
de repente

III
e se todos os gatos
de repente virassem poemas
você andaria por São Paulo
tentando encontrar algo novo
para aprender a gostar
já que eu peguei todos
os gatos e coloquei
onde você provavelmente
estaria hoje
mesmo que ainda não há
nada que substitua você
nos poemas de amor

IV
quando eu menos espero
aparecem gatos
em minha memória de peixe
e eu sei lá
acho engraçado colocar
gato e peixe
num mesmo poema

V
não sei ser forte perto dos gatos
me tremo inteira
é como se eu tivesse comido jambu
prefiro sentir saudades

VI
todos os gatos saíram do poema
eu avisei
estão todos mortos aqui
Alice me espera na piscina
preciso sair depressa desse jardim
tropeçar nos gatos agora
seria o mesmo que apertar
errado o botãozinho de um
jogo de campo minado

Ana Luiza Gonçalves


sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Epaminondas

Epaminondas mantém a porta aberta. Em breves raciocínios de uma mente desgastada pelo passado, Epaminondas não sabe o que escrever. Escrever seria uma odisséia em ventanias, barulhos de uma janela que afaga a luz de velas, velas que fazem-lhe lembrar do que já foi, do que teria sido, do que já aconteceu e do que não acontecerá nunca mais. 

Suando em colocar palavras em minuciosos papéis, Epaminondas reencontra sua pena de ganso, empoeirada em uma gaveta, debaixo de sua cama. Fazem 15 anos que não escrevo, pensava enquando perambulava pelos mínimos metros quadrados de seu quarto. Fazem 15 anos que não a vejo, fazem 15 anos que não vou ao mar.

O aposentado peixeiro, em dias que passaram, reencontrava-se em agruras de uma paisagem estagnada por sua tristeza estática. Epaminondas nunca mais sairá dessa praia, relembrando que fazem 15 anos que não existe. 

Miguel Lidya


esquina


havia um rumor silencioso
no abrupto do dia
diâmetros, diagonais, diários cansados
relatos são por demasiado exatos
não me interessam!
busco a esquina das palavras
lá onde o absurdo abisma o mundo
a noite
o precipício
e o princípio de tudo

Salvador Passos


intervenção militar


se eu não comesse bem
não comesse fruta não salada
minha mãe minha tia minha avó meu tio
diziam todos em coro
menino vou te mandar pro exército lá você vai aprender

tinha pavor
do exército da marinha da aeronáutica
comi a infância toda mal como a porra
algumas coisas mudaram
outras não

Thiago Gallego


terça-feira, 4 de novembro de 2014

um poema de Amanda Milani


minhas veias estão
desencapadas
e o ponto onde está a
incisão
sangra poesia.
eu estou nua
como estive
pelos cantos do teu
quarto, desenfreado
escondido dentre
cortinas e lençóis
caros
como as palavras destemidas
protegidas
num diário
que eu nunca escrevi,
porque faltava coragem.

eu não aprendi a
lidar com o teu
corpo
ausente.
um pouco ao lado
e um pouco atrás
de onde deveria
estar,
sentado
numa cadeira
pra estudar
morrendo
sem nem ver morrer
devagar
nos intervalos de almoço

eu penso e
repenso e
revejo as
cenas.
no entanto
não posso
mudar o que
você fez,
ainda que
eu queira
poder
voltar atrás
como se a vida
fosse uma fita cassete
pra arranhar o
instante em que
você arruína
tudo.
e, ainda assim,
esse mural
de camurça
parece ser um
bom lugar
para recostar.
pra te ver
sozinho
na sala em frente
em diagonal
pondo a
cabeça
entre as mãos
que quase tocam
os joelhos.

num instante
me esqueço
da dor
e da
humilhação.
parece que
nem me importa mais.
mas não me permito.
quando finjo pra
mim mesma
que você talvez
possa
ser
tão profundo e
tão sensível quanto
eu te idealizei,
eu abro mão
de
ser
real.

(e a realidade é o que separa amar o você que idealizei de amar o abusador que você de fato é)

Amanda Milani

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O homem probo


todo homem que se solta
solitário pela vida
tem os ombros tensos
e não distrai o coração
sabe de si e não fala com estranhos
e se calado, dentro urge um leão

o homem probo conhece seus dotes e não é palavroso
pois se priva da fome ufana
aceita qualquer argumento
e não discute futebol
trabalha todo feriado e final de semana

todo homem que se presa
sede seu lugar para a senhora
não reclama se o troco está errado
nem incomoda a mocinha do vestido decotado

- oh deus , obrigado!
eu tinha tanta coisa pra dizer
mas eu fico satisfeito em ser travado...

Pedro Rocha

A caminho de Roma


Às vezes, temos de seguir em frente.
Solta a mão. Desfaz o abraço. Desapega.
Uma sombra aponta nosso futuro.
Como Creúsa libertando Eneias,
O passado nos liberta. Hesitamos.
Creúsa ficando ao fogo de Tróia,
Para Eneias poder seguir em frente.
Em nosso peito a mágoa que acorrenta.
Sentimos a dor de Eneias ­ o deserto.
Sozinhos, carregando uma lembrança
E a promessa de um distante destino.
Queimaram nossa cidade. Pra trás
Ficaram nossos amores. Em frente
Seguimos. Uma luz cinérea brilha
Em nosso peito e preludia uma Lua
Nova. O futuro, esse feixe de luz
Pequeno, dentro do presente escuro;
Uma rosa que nos cresce lá dentro
E que somente floresce depois,
Depois de fincar todos seus espinhos.

Alexandre Bruno Tinelli

ready-made no masp


disse o hispanofalante para a menina de 8 anos:
toulouse-lautrec,
uno de los grandes
pintores impressionistas
del siglo
18

estan todos muertos

Thiago Gallego

As grandes dores são mudas


As grandes dores são mudas. Eu vi escrito no braço de um senhor. Parecia antiga a tatuagem, estilo de cadeia, onde a pele enrugada absorveu e sugou toda a força da tinta azul, que agora é quase verde. Fiquei pensando no tamanho de uma dor que te faça gritar até cansar, a ponto de você imprimir na pele o berro, por não ter mais voz. Eu poderia fazer outra tatuagem, e não seria de flor. Escreveria no braço: as grandes paixões são mudas. O silêncio diz mais que as palavras. Seis horas da manhã, o alarme já está no sétimo ou oitavo soneca, não podemos, mas queremos muito ficar na cama ao invés de levantar, em alguns segundos pensamos em tudo que queríamos fazer e não poderíamos: os carinhos de bom dia, a transa que acorda o corpo, o banho junto, o café da manhã, o mel no queijo, e aí estaríamos preparados para tudo que a vida nos reserva na esquina seguinte. - Eu te amo, poderia falar pra ele toda vez que abro o olho de manhã, e vejo seu rosto iluminado pela luz que invade o quarto, as vezes só uma metade fica iluminada enquanto a outra é sombra, sempre sereno e bonito, a respiração alta e sofrida, até que em algum momento abre os olhos. Eles são mais claros e menores de manhã. É nessa luz que consigo enxergar os pequenos detalhes: o desenho dos olhos parece ter sido feito com pincel fino, as minúsculas pintas que parecem surgir no pescoço e no peito e os pelos loiros perdidos na barba escura. - Mas não falo, grito em silêncio, e acho que ele escuta. Eu falo muito, ele fala menos. Achei que não conseguiria estar com alguém que não fala, mas hoje prefiro mergulhar do que nadar na superfície. Estamos sempre dizendo. Nessa manhã, ele abriu os olhos e olhou o céu, como sempre, seu olho castanho fica com cor de tronco de árvore, os pelos das sobrancelhas despenteados, e é possível escutar os estalos do corpo com as primeiras alongadas do dia. Ele me olha, não sorri e não fala, só olha. Seus olhos são mudos como a minha paixão por ele. Com os rostos grudados no colchão nos olhamos na distância mínima que a visão permite sem distorcer a imagem. Puxo o travesseiro por cima de nossas cabeças, e já não estamos mais nesse mundo. Agora somos só nos dois, numa dimensão particular entre o colchão e o travesseiro. Nossas pernas se tocam e nossos olhos também, estamos longe, nas profundezas de um e do outro. Atentos ao que o silêncio diz. O soneca dispara mais uma vez, sentimos a volta antecipada ao mundo que naquela hora não queríamos estar. Talvez se apaixonar seja isso também: olhar nos olhos de alguém e ter certeza de que aquela pessoa pode te levar para outros mundos que não esse. Quando aterrissamos eu disse, ainda debaixo do travesseiro: se tivesse que te pedir em namoro, pediria aqui e agora. - mas não sei se essas coisas ainda acontecem - Ele me deu aquele abraço que nem o melhor ator do mundo conseguiria dar com tanta sinceridade. Nos agarramos e desgarramos no alarme do soneca seguinte. Para encarar o mundo naquele dia tivemos que parar de nos olhar. Toda grande paixão muda, reserva uma grande dor muda. E ambas passam como êxtase do canto de uma cigarra. Mas aquele senhor fez questão de não esquecer do dia em que escutou pela primeira vez uma cigarra cantar, e teve vontade de que ela nunca mais parasse. Depois que a cigarra pára de cantar, só se escuta o silêncio.

Carlos Meijueiro