sexta-feira, 27 de maio de 2011

Quando a alma castiga o corpo

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Permaneça em suspenso
A promessa de amor
O quadro sem cor
O abraço tenso

Sem graça a despedida
Dois amantes sem freio
Sem conta ou qualquer outro meio
Além da estrada perdida

O lar em chamas
Sob a tempestade
Um pedido de socorro porque amas

Não encontrarás nenhuma piedade
Nessas viciadas damas
Apenas uma estranha obviedade

Descobrirás tarde demais o inútil soneto torto
Melhor é viver fora do alcance de Deus e do Diabo
Não há ritmo ou rimas
Para acompanhar um coração louco
E antes que todas as mulheres te abram as pernas
Também descobrirás que há inimigos entre amigos
Que nada é fixo ou medido
Que tua herança será uma má reputação.
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Anderson Pires da Silva
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Anderson Pires da Silva já publicou diversos textos aqui no Blog do Bolha.
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POEMA DO HOTEL M.

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Ressaca no mar/ branco/ 18 graus no Rio/ surpresas ao descer do ônibus/


nublado/ pombos/ areia vazia/ ondas grandes/


pessoas pequenas lá longe & caminhando/ ooohmn/ cháááá/ a espuma é amarela, suja como areia amarela/ quebra-mar/ mar vazio/ peixes solitários dando lições aos filhotes/

cabelos pro lado por causa do vento/ se movimentando/ a água deve estar fria/ trabalho/ o mundo inteiro em casa/ o mar revolto/ lá vem chuva/ acordar pra trabalhar/ marina


Paulo Vitor Grossi
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Paulo Vitor Grossi já publicou diversos textos no jornal Plástico Bolha e tem um texto na Antologia de prosa Plástico Bolha.
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quinta-feira, 26 de maio de 2011

Bénédicte vê o mar


Bénédicte vê o mar, o novo livro da nossa amiga-de-bolha Laura Erber, foi lançado nestas comarcas virtuais: desenhos desentranhados de noites nórdicas e um poema que conta a história dessa rapariga, seus dias no porão sob o encanto de uma musa carrancuda (a única que ela conhece). O livro pode ser acessado gratuitamente no site: www.editoradacasa.com.br. Aproveite!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

É o CEP de Maio!




ESPAÇO CULTURAL SÉRGIO PORTO
Rua Humaitá, 163 (fundos)

QUARTA-FEIRA, 25 de maio

20:30, 5 reais

PROGRAMAÇÃO:

CINECURTA CEP:
Pretinho Babylon, de Emílio Domingos e Cavi Borges

PERFORMANCE:
Gabriel Fomm e Ângela Câmara

POESIA:
Romã Neptune, André Pessoa, Gregório Duvivier,
Ismar Tirelli Neto, Leonardo Marona, Fred Coelho
e a participação dos poetas da oficina Farani Cinco Três!

ESPECIAL DE JUIZ DE FORA:
Eco Performances Poéticas - a missão!
com: André Capilé, Anelise Freitas, Larissa Andrioli, Laura Assis,
Lucas Viriato, Luiz Fernando Priamo, Tiago Rattes de Andrade,
Thais Thomaz (fotos) e Pedro Paiva (som)

MÚSICA:
Dimitri BR: voz e cavaquinho
+
Os Siderais
+
Show da banda DeLírios Tropicais


Site do Plástico Bolha: jornalplasticobolha.com.br

quinta-feira, 19 de maio de 2011

O Cerne Marginal


A poesia marginal é o centro
As trovas não mais classicam
As trevas encobrem o abandonado
As ruas percorrem o implícito

Devaneios de amor

Se que sofrem, sofram
Quem grita, urra
Sou amalgamo, amargo
Tragédia obscura

Tantos foram os ditos
Tão poucos os momentos
Lixo tristonho despido
Cores e luzes, o sustento

Devaneios de, quase, amor
São minhas, quase, glândulas
Que implicam em meus, quase, remédios
Minhas drogas

Ah que droga!
Neste calor deveria ser político ou economista
Não pobre e fudido
Um poeta


domingo, 15 de maio de 2011

Com a sua Permissão

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Havia tanto a se dizer
Que nem pude escrever

Debaixo do céu rosa
De nuvens densas

O som do chuveiro
E de uma goteira incessante

Foi de tanto olhar
Que a pedra se virou

Passa um avião que
Corta o céu

Verticalmente

Em direção à Marte
Para fazer um depósito bancário
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Rafael Sperling
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Rafael Sperling é poeta, escreve no blog Somesentido e irá lançar, em breve, seu primeiro livro pela editora Oito e meio.
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quarta-feira, 11 de maio de 2011

A ciclovia

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— Meu caro, você conhece o terror que tenho de motos e carros.
(e dos pedestres)

Um passante de
bicicleta
se destaca no horizonte.
Sua intenção é atingir a ciclovia perfeita.
Ele reclama:
— “A pista da ciclovia é inútil, ela termina, ela desemboca na rua”.

O ciclista sabe que precisa
passar pelos carros para atingir a
ciclovia.

O ciclista sabe que precisa
passar pelas motos para sair da
ciclovia.

Ele pedala altaneiro
por alguns minutos respira a sensação
enfim esse espaço.

O espaço da ciclovia se confunde com a calçada.
O pedestre flana.
O pedestre invade a
ciclovia.
Na superioridade de sua preferência
sua prioridade absoluta facilita o acidente [alguém adverte].

Manoel me disse que o carro deve manter a distancia de dois .............................................................................metros da
bicicleta.
Qual a distância que o pedestre deve manter da
bicicleta?

O pedestre vive seu estado de exceção.
O pedestre turista vive seu estado de imposição.
— Ele tem Razão! Isso não é uma razão, diz Michel.

[Outro dia Marília esbarrou com Deguy de bicicleta]

João quer pedalar continuamente mesmo não sendo um atleta.
Sem interrupções, de ponto a ponto, da esquina até Ipanema, até a .......................................................................................... Lagoa.

As pernas retraídas
esticam-se continuadamente.
Se esforçam formando
ondulações.

Elásticas
as pernas
na bicicleta
ondulam.

[Marília depois me contou]

Deguy saiu da
ciclovia
chegou na avenida de
bicicleta.

Naquele momento interrompido em que
caía.
Ridículo na lama.
Quando o poeta se estatelava no
chão.

Masé Lemos

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Masé Lemos é professora de Teoria da Literatura na UERJ. Em 2007, publicou Redor pela 7Letras. Este é seu primeiro poema no Plástico Bolha.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Meu cartão vermelho

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Carlos Minc posa com o Plástico Bolha

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Carlos Minc e o Plástico Bolha na Marcha da Maconha 2011.
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domingo, 8 de maio de 2011

Casa dos desejos

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Na sua casa não havia tapetes. Foi isso que lembrou quando os pés sentiram o macio. Naquela outra casa não se admitiam tapetes nem pelúcia, porque a mais nova era cheia das alergias e, mesmo depois de curada, agora tinha o caçula, e “Deus me livre outra vez”, era o que se dizia.

Naquela outra casa também não se acordava de calafrio porque na Barra da Tijuca não faz frio como na Zona Sul, e isso era outra coisa que ela havia descoberto. Ainda era tempo de se acostumar à mudança. Por enquanto ainda acordava com a surpresa de estar em outro lugar, como quando se viajava e, ainda de olhos fechados, dá para lembrar que não se está em casa. Mas ela estava naquela idade de se prever e sabia que era questão de tempo até lembrar, um dia, quem sabe na hora do almoço, dos anos passados no outro lar. A partir daquele dia, as tardes seriam vazias.

O problema em desejar certas coisas por muito tempo é que, quando a gente as tem, sente falta de desejá-las. Talvez não tivesse tanta graça assim dormir às três e acordar ao meio dia, nem ver TV em paz, nem cantar sossegada, sem choro de criança, sem “atende a porta” ou “traz o telefone”.

Na casa nova não tinha café na cama, não tinha beijo do pirralho. Não só sentiria falta de desejar o que agora a aprisionava, como passaria a desejar, com força, todas as outras coisas que já não tinha.

O caminho do tapete até o espelho era dos menores possíveis, mas era um caminho enorme, arrastado. Ela sabia que, naquela mania de se prever, acabava sempre antecipando tudo e, por isso mesmo, tentou adiar ao máximo a hora de se ver refletida.

De fato, chegando ao espelho, viu uma velha prematura exibindo sua solidão nos olhos cansados. Fez que ia correr, mas voltou. Parou quase de perfil, os olhos ainda alcançando o reflexo. Era uma velha sozinha. Num choque, correu ao telefone. Na pressa, discou um número a mais, agendando uma visita que, lhe foi dito – e era óbvio – não precisava ser agendada.

Logo que chegou, soube que a casa ainda lhe pertencia – ou que ela ainda pertencia à casa – quando percebeu que não estranhava cheiro nenhum. Pediu um abraço, ganhou um outro, um “alô” da cozinheira gorda. Cada vez mais gorda, para mostrar que o tempo passava. Atravessou a sala sem tapete, o triplo da sua, afundou no sofá e ali ficou para sempre, por alguns minutos. Prestes a criar raízes e virar parte do assento, tomou outro choque e foi parar no corredor. Ele era tão minimamente enorme e arrastado como o caminho do tapete ao espelho. Isso porque ela teria, e o sabia, que se encarar ao final.

E, como não poderia não ser, lá estava, pendurada na parede, a menina de olhos viris, a franja mal cortada, um tênis de cada cor e um vestido azul de festa. Dessa vez, não fez que ia correr e nem pensou em ligar, porque ninguém atenderia. Mas, agora sim, ficou em pé, descobrindo que era, ali, tão livre para desejar ser velha quanto seria, lá, para desejar ser moça.

Mariana de Almeida Moura Milani
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Mariana de Almeida Moura Milani ficou em primeiro lugar na categoria "prosa" do Prêmio Paulo Britto, organizado pelo PET do departamento de Letras da PUC-Rio.
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CHUCRUTE&BRONZE

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Sábado, como é de costume a cada 15 dias, fui a Feira do Troca. Sempre na Praça XV, a feira ocorre embaixo do viaduto da perimetral, para ser mais exato. O lugar não é dos mais convidativos na minha opinião, mas o cheiro das velharias, das raridades e do bom preço me agrada demais. Nesse dia, apesar de não ser de costume, não queria me demorar, estava cansado e não queria ficar procurando coisas novas, nem pechinchar. Uma das minhas raras visitas com objetivo. Fui comprar uma agulha nova para minha vitrola, que alguém havia me feito o favor de quebrar (morar com os pais tem seus pontos baixos). Assim que saí da barca, fui a passos largos em direção às barracas de discos e logo na primeira encontrei o que havia ido buscar. Com a minha agulha novinha em folha na mão, decidi voltar a passos também largos para as barcas, mas fui tão rápido que nem me lembrei de que aos sábados as barcas funcionam com intervalos de meia hora. Pensei em ir até o ponto de ônibus, mas minha preguiça “sabatomatutina” me impedira. Pensei, então, em dar uma volta pela feira até a chegada da barca para voltar para casa. Passei pelas barracas de quadrinhos, nada de novo. Nas barracas de DVDs, os preços continuavam altos e os vendedores irredutíveis. Cambada de mal-amados que vão morrer abraçados aos filmes! Já assisti à maioria, mas queria alguns para minha coleção, por isso os invejo e não é inveja boa, se que é existe esse negócio de inveja boa. Perto da escadaria, como sempre, estavam os “vendedores” de celular. Dizem que com eles você consegue comprar os aparelhos mais modernos a preço de banana. Mas, nem quando meu último celular “morreu”, eu cheguei perto daqueles caras. Meu amigo que me levou à feira pela primeira vez, um dia resolveu fazer barganha com eles, achando que faria um ótimo negócio. Enquanto negociava, se arrependeu, ou, em outras palavras: num arroubo moralista percebeu que os aparelhos eram roubados e resolveu não participar da receptação, digo... “negociação”. Quando entrou no carro, percebeu que havia perdido seu celular. O dele mesmo, que havia levado cogitando uma troca. Resolveu, então, voltar e comprar “qualquer coisa” para não ficar incomunicável. Voltou apenas para que lhe fosse oferecido o seu próprio celular. Ai! Como eu amo essa feira! Tem dessas coisas, mas é só não dar mole. Mais perigoso do que ser furtado, só o caldo de cana da barraca central. Bebeu, Morreu e Arsênico da Moenda são os apelidos do líquido (não merece ser chamado de caldo de cana) vendido nessa barraca, logo, acho que não preciso falar muito sobre a qualidade e os efeitos (que seu humilde cronista já sentiu) provocados por ele.

Já perto da hora de partir, me dirigia à estação das barcas, olhando os produtos expostos nas barracas. Acho sempre muito engraçado como a maioria delas tem sempre as mesmas coisas à venda. É possível até utilizar alguns produtos como ponto de encontro. O enorme catálogo cultural de capa dura estampada por um palhaço de sorriso singelo e o vestido florido de grávida expostos logo no início da feira são ótimos pontos de encontro. Cansei de dizer “Me encontra no palhaço!” e “Te vejo embaixo do vestido!”. Fez ou outra alguém ouvia por alto e franzia a testa, o que era muito engraçado. Resolvi dar uma olhada em uma barraca que sempre me chamou a atenção, mas, não sei por qual motivo, nunca havia chegado perto. Ela é bem parecida com as outras, um pouco mais organizada talvez, chamava atenção pela enorme bandeira Dixie hasteada num enorme mastro improvisado ao lado. Quando cheguei mais perto, percebi que havia todo tipo de material relacionado a guerras. Cantis, facas, capacetes e até fardas. “Tudo original e usado em combate!”. Era assim que um senhor que parecia ser o dono da barraca, com uma energia, ironicamente belicosa descrevia alguns itens para um rapaz. Achei aquilo muito interessante, o cheiro de história que dali exalava era forte. Como um bom adorador de coisa velha, resolvi levar algo de lembrança, nada caro. Olhei para um mural pendurado do meu lado e vi vários patches bordados, daqueles que você passa a ferro e eles colam na sua roupa. Enquanto meus olhos curiosos corriam o enorme quadro de feltro, o rapaz esticou um braço, passando na frente do meu rosto para pegar uma bandeira do mural. Eu, absorto com a minha difícil escolha diante de tantas opções, tomei um susto. Mas, meu susto maior foi ver que o patch que o rapaz estava segurando era todo preto com as letras SS, em branco, no meio. Pois é, era o símbolo da Schutzstaffel, uma espécie de polícia nazista. Olhei em volta e, numa epifania muda e em preto e branco, vi que ninguém parecia constrangido.Olhei de novo para o mural à procura de uma suástica. Queria ver a seriedade da coisa. Não vi nenhuma, mas fiquei com a sensação de que elas “aparecem” se você souber como pedir. Fiquei também com uma pergunta na cabeça: “Quem usaria um símbolo daqueles?”. Sei que em São Paulo há alguns grupos neonazistas e que de vez em quando fazem uma besteira digna de noticiário, mas, aqui no Rio, não esperava uma coisa dessas. Acho que por estas bandas, não fizeram nada digno de noticiário. Ainda. Me senti ingênuo e com medo. Medo dos nazistas bronzeados da Praça XV.

João Arthur da Silva Souza

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João Arthur da Silva Souza ficou em segundo lugar na categoria "prosa" do Prêmio Paulo Britto, organizado pelo PET do departamento de Letras da PUC-Rio.
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sábado, 7 de maio de 2011

DOMINGO

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Acordou que nem um desesperado. Sentiu uma sensação estranha e em meio a uma gritaria que ouvia na rua, não queria saber de nenhuma outra coisa a não ser achar sua mãe. Desde pequeno, o maior trauma de sua vida era estar longe de casa. Na escola, espancado pelos colegas e maltratado pelas professoras, não podia esperar a hora da saída. Ele era cheio de traumas. Mas nesse dia, as coisas não pareciam estar claras em sua cabeça. Assim que se levantou, começou a procurar sua mãe. Ela não estava em nenhum lugar da casa. Era estranho, pois ela não costumava sair cedo. Eram sete e meia da manhã.

Sem pensar duas vezes, pegou a lista telefônica e começou a ligar para todos os membros da família. Era domingo, sete e quarenta e cinco da manhã. Ninguém atendia. Não conseguia imaginar o que estava acontecendo. A mãe tinha oitenta e três anos, mal andava. Onde teria ido? Os dois viviam sozinhos desde que o pai os abandonara há cinquenta e cinco anos, idade dele. Rodava e andava de um lado para o outro. Olhava-se no espelho. O rosto pálido e o pouco cabelo todo bagunçado refletiam o estado de angústia. Sair para a rua não era a solução. Não tinha motivo para aquilo estar acontecendo.

Oito e cinquenta e quatro. O vento parecia aumentar e as janelas tinham de ser fechadas. Não tinha força para tal. Não conseguia pronunciar uma só palavra. A situação começou a ficar tensa quando entrou na cozinha e viu que não tinha nada. Abriu a geladeira e encontrou potes vencidos de geleia. Nem água tinha. Não entendia nada. A cada passo que dava, ouvia o ranger do chão. Era o único som presente. Andando adunco e torto, resolveu parar. Queria gritar e entender o que estava acontecendo. Nove e treze. O tempo não passava. Tinha de esperar até as dez para ir perguntar a alguém o que estava acontecendo. As lojinhas só abriam nessa hora.

Nove e quarenta. Subiu as escadas e voltou para o quarto. Viu que havia um bilhete perto de sua cabeceira. Estranho não ter o visto antes. Dizia: Não esquecer de levar. Ao lado, uma caixa vazia. O telefone começou a tocar, mas não teve tempo de chegar e atender. Cai na secretária eletrônica. Dizia na mensagem: Chegarei um pouco atrasado, mas fique tranquila que o negócio está quase fechado. A voz era desconhecida.

Dez e quatro. Era hora de ir perguntar às pessoas na rua quem poderia ter visto sua mãe. Quando pretendia descer as escadas, ouviu um barulho de chave. Um homem alto, elegante e perfumado entrava juntamente com umas três senhoras que aparentavam ter uns sessenta anos. O senhor chamava pelo nome de minha mãe. Ele também a procurava. No momento em que eu ia descer para falar com ele e dizer que também não sabia onde ela poderia estar, uma das senhoras o cutucou e disse:

- Ela não está em casa?

- É, pelo visto não.

- Estranho não é? Logo hoje?

- Ah! Então é por isso. Há alguns meses, ela vai cedinho para o cemitério e fica lá até a hora do almoço. Dessa vez ela até deixou um bilhete para se lembrar de levar as bolinhas de gude. Pretendia enterrá-las junto.

- Nossa!

- Mas não se preocupem! Já ela chega e fechamos o negócio.

O corretor estava ansioso pela venda da casa. Ninguém mais havia topado pagar um preço tão bom por uma casa velha e caindo aos pedaços.

Marcelo Cassar Magdalena
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Marcelo Cassar Magdalena ficou em terceiro lugar na categoria "prosa" do Prêmio Paulo Britto, organizado pelo PET do departamento de Letras da PUC-Rio.
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sexta-feira, 6 de maio de 2011

POTÊNCIA DE FÊNIX

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O palito de fósforo contém
o fogo estacionário dos incêndios;
com o vento, em seu harém,
amansa-os, empresta-lhes, reacende-os.

O poema e a ferrugem
não são nem bem, nem mal.
Não penetram sem que se sujem
no nauta, no pavio, no mar, na cal.

Um verso que se domina
pode-se ver do erro
da régua da indisciplina
do carvão da neve do ferro.

O fato mais comezinho
é que poesia dorme:
cedo acorda e vai passarinho,
águia, embora (ou) conforme.

Escrever é falar sem manto,
começo no ponto final?
Segue-se, apesar do entretanto,
mirando-se, estátua de sal.

Escreve-se porque não se escuta
a fala, tão pouco loquaz.
Tampouco se espera que a luta
acabe. E acaba-se em paz.

Acento, o silêncio e seu ensaio,
fogo se desfia;
Pássaro adentro. Pensai-o
Poesia.
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Marcelo Moraes Caetano
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Marcelo Moraes Caetano ficou em primeiro lugar na categoria "poesia" do Prêmio Paulo Britto, organizado pelo PET do departamento de Letras da PUC-Rio.
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CATARATA

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da minha janela
o que vejo é muro
com grade ainda
tecendo uma divisão
o que enxergo são os limites das plantas
verdes escuras, senão
e suas sombras projetadas
numa parede branca
– mais cinza que essa que então –
desenhando molduras
mais duras que a grade a janela
moldaram em nãos
o sol, qualquer traço de luz
só me chega refletido
: sou beirada num muro de solidão
e as cortinas brancas
leves, que voam a qualquer brisa
só transparecem a mentira que são
tentam confundir-me a liberdade
como que se eu pudesse de fato
ter vontade
não tendo nem ainda
visão

eu recortada em verticais
entre / meadaentre / cortada
longe dos limites da razão
vejo as plantas que caem,
final de vida despencam
e proibidas que são
de me fazer ver mais além
saem do meu campo de visão
que não entra mais nada
mais ninguém

não sou cega porque não me dizem
enquanto não dizem não sou nem o quê
só percebo que resisto nas marcas da chuva,
na ferrugem do metal,
na visão do imundo,
talvez nas palavras que desejo,
mas daqui nada vejo
nada é o mundo
nada mesmo
e sendo só beira
toda vez que o vento entra
só me entra na alma poeira
e nesse muro branco, é essa a minha deixa: eu sigo a vida lá fora
nas suas rachaduras, pela sua sujeira.
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Sofia Vaz Rabinowitz
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Sofia Vaz Rabinowitz ficou em segundo lugar na categoria "poesia" do Prêmio Paulo Britto, organizado pelo PET do departamento de Letras da PUC-Rio.
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A POESIA EM CRISE

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Cesse tudo que a musa canta
Que outro valor mais alto se levanta.
Camões

All art is quite useless.
Oscar wilde


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Tive uma idéia para um poema
Um poema que há de por em questão
Tudo aquilo que se pensa e já se pensou
Sobre o mundo
E sobre a poesia
E sobre a arte em geral.

Tive uma idéia para um poema
Só falta escrevê-lo
Um poema que falará de uma coisa só
E falando dela falará de tudo.
Um poema que não falará de poesia
E por isso mesmo dirá mais do que qualquer outro poderia.

Tive uma idéia para um poema
Só falta escrevê-lo.

Vou fazer um poema sem disfarce
E sacudir a dura estrutura do mundo
Com graça e seriedade.

Com meu poema transcenderei tudo e todos
Trocarei esta minha forma efêmera
Pela imortalidade das idéias.

Meu poema me levará aonde nenhum homem
Nenhuma mulher
Jamais sonhou em ir.

Tive uma idéia para um poema
Só falta escrevê-lo.

Não quero mais saber do lirismo
Nem do modernismo
Nem do pós-modernismo
Nem do pós-pós-coisanenhuma.
Quero que minha poesia suma
Como algodão-doce na boca.

Minha poesia será leve como uma pluma
E terá a força de impossíveis tanques de guerra
E de cima deles, lá do alto, de braços abertos
Gritarei:
Abram-me todas as portas porque hei de passar!
Minha senha?
..............T.S. Eliot!

Mas não passo.
Sequer conheço a porta que quero abrir.
Estou perdido nos destroços, nas ruínas
Dessa cidade irreal.
Não tenho para onde ir.
(Tinha uma pedra...
mas uma pedra aonde,
Se não há nem caminho?)

Este meu poema,
A verdade é que este poema
Não vale coisa alguma.

Luíza Provedel
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Luíza Provedel ficou em terceiro lugar na categoria "poesia" do Prêmio Paulo Britto, organizado pelo PET do departamento de Letras da PUC-Rio.
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quinta-feira, 5 de maio de 2011

ESSE TAL ASSUNTO DE AMOR

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o amor no sossego
cuida do que há no peito
não foge
não rasga
não queima
coisa de quem se demora
nas urgências da vida.
O amor nunca vai embora.
Embala
Contenta
Retifica
O amor pratica mudo
O que dentro da alma grita.
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Flávia Muniz



Flávia Muniz quer ver verdejar! É autora de três livros e vocalista da banda Luisa mandou um beijo. Este poema está no seu segundo livro VILAREJO (pergaminho do fogo).
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Deveres Humanos

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Efetuar a engenharia reversa dos dicionários
repatriar os primeiros sentidos de mundos impossíveis
sepultar as sílabas decompostas
dos tempos mortos nos abecedários

Promover a desordem analfabética dos conceitos
fazer das palavras etiquetas sem cola
para pregar nas coisas paradas e móveis
por reverência a todas as formas de queda.







Reinaldo Ramos é carioca, poeta e professor de Filosofia no ensino médio da rede pública. Já estudou Cinema, fez mestrado em Bioquímica Médica e foi premiado em um concurso nacional promovido pela Academia Brasileira de Letras em parceria com o Jornal “Folha dirigida” em 2008, com uma redação sobre os cem anos da morte de Machado de Assis. Reinaldo também escreve no blog http://fronstispicioconflagrado.blogspot.com e, em breve, lançará seu primeiro livro de poemas.

Entrelinhas, de Manoela Ferrari

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quarta-feira, 4 de maio de 2011

poema sem título, de Knorr:

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toda palavra é cara.
não pelo valor da sua metáfora,
mas pela sua breve existência.
a palavra é perene quando líquida
e corre solta
molhando a casca do ouvido.
toda palavra é cara
porque não se vende
e nem se inibe entre vírgulas.
a palavra fala,
a escrita é decifrada.

no momento em que são ditas
cifrão da dúvida
valorizam o relâmpago da frase.
a palavra é cara
porque hiberna,
e se renova a cada página.

Knorr
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Knorr participou do Eco Performances Poéticas de Abril.
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Tédio

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Escuta
nada importa
lá quero eu saber
o que pensas da minha poesia
sou eu, nada mais
Não me vejo sob luz
brinco de gente
apenas
Não vês?
tens medo

Dos teus olhos
escorrem suores desbotados
no tempo em que citas Rosa
Rosa é pique-esconde
nele não há sei não sei
Nada importa
se sou menina
escondo-me em silêncios
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Raphaela Ramos
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Raphaela Ramos participou do Eco Performances Poéticas de Abril.
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No colo da madrugada

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Embriagadas
as costas longas
rabiscadas de traços
pirotécnicos

estourando

perfumados
no céu exibido.

E eu
Solene
lambendo vestígios de luz

Sou a cidade desperta.

Juliana Stanzani
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Juliana Stanzani participou do Eco Performances Poéticas de Abril.
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Eco Performances Poéticas: amanhã em JF!

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terça-feira, 3 de maio de 2011

as coisas

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As coisas nem sempre são
como desejamos.
Algumas podem ser abraçadas
pressentidas, guardadas
sob um sono vigilante.
Mas as coisas geralmente são livres
e súbitas.

A maioria se esconde em invólucros
caixas bolsos gavetas cofres palma de mão.
Mas também no pensamento
no canto do olho, na curva
de uns lábios.
As coisas aliás
nascem e algumas tombam das árvores.
Às vezes são pássaros
às vezes, orvalho.

Muitas são perigosas, trafegam
pelas ruas, rasgam o escuro da noite
te cravam um olhar
um revólver, te matam.
Mas há as coisas
que são silenciosas
e te entendem: como as mãos
de uma enfermeira ou colo de mãe.
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João Lima
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João Lima é autor da casa. Em breve, lançará seu primeiro livro de poemas.
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segunda-feira, 2 de maio de 2011

The Rolling Stones

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Para os jovens maldosos
Dinheiro e títulos desnecessários
Para atravessarmos os salões
Já bebemos com bandidos
Brindamos com juízes
Fumamos com meretrizes
Expulsos a tiros pelos puritanos
Quebre a rima
Quebre alguma norma
Quebre a ordem
Mas não quebre a perna do bom amigo
Mesmo que isso seja necessário
Porque vivemos em um mundo injusto
Desde a era paleolítica
Eu cobri minha mulher de diamantes
Ela me cobriu de ouro
Mas será que no fim
Ainda morreremos à procura de vida.
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Anderson Pires da Silva
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Anderson Pires da Silva é autor do livro "Mário e Oswald: uma história privada do modernismo".
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domingo, 1 de maio de 2011

MENTE EM BRANCO

O interlocutor do diálogo diz:


– Por favor, comece isso!


Os outros dizem:



– Que é que você está pensando?



– Nada, estava com a mente em branco.



– E antes?



– Nada, também estava com ela em branco.



– E como chegou a isso?



– Branco?



– Sim, seus pensamentos anteriores. O que lhe indagava?



– Bom... pensei em como as pessoas se fantasiam.



– Continue.



– Suas formas de fantasia. A fantasia amorosa, a festiva, moral, a fantasia em torno da morte, ideológica, ídolos, justos... máscaras, idas a lugares enfeitados e fantasias para suas idas a restaurantes ou reuniões em família, por exemplo.



– Tantas situações. Não se desgastou?



– Sim, e daí tudo foi ficando em branco. E quando pensei onde mora nossa hipocrisia...



– A velha e humana hipocrisia, o seu elo perdido.



– Me clareou o cérebro o fato de ser um homo sapiens demais. Os pensamentos se foram, como num suicídio. Já está ficando em banco de novo...



– Que pena. Quanto mais pensamos, mais nos afastamos das questões básicas; os defeitos primordiais do caráter ainda continuam.



– Quanta regressão aos primeiros de nós... Hahahah!



– Somos mesmo ridículos falando assim.



– Sim.


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Paulo Vitor Grossi