sábado, 7 de maio de 2011

DOMINGO

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Acordou que nem um desesperado. Sentiu uma sensação estranha e em meio a uma gritaria que ouvia na rua, não queria saber de nenhuma outra coisa a não ser achar sua mãe. Desde pequeno, o maior trauma de sua vida era estar longe de casa. Na escola, espancado pelos colegas e maltratado pelas professoras, não podia esperar a hora da saída. Ele era cheio de traumas. Mas nesse dia, as coisas não pareciam estar claras em sua cabeça. Assim que se levantou, começou a procurar sua mãe. Ela não estava em nenhum lugar da casa. Era estranho, pois ela não costumava sair cedo. Eram sete e meia da manhã.

Sem pensar duas vezes, pegou a lista telefônica e começou a ligar para todos os membros da família. Era domingo, sete e quarenta e cinco da manhã. Ninguém atendia. Não conseguia imaginar o que estava acontecendo. A mãe tinha oitenta e três anos, mal andava. Onde teria ido? Os dois viviam sozinhos desde que o pai os abandonara há cinquenta e cinco anos, idade dele. Rodava e andava de um lado para o outro. Olhava-se no espelho. O rosto pálido e o pouco cabelo todo bagunçado refletiam o estado de angústia. Sair para a rua não era a solução. Não tinha motivo para aquilo estar acontecendo.

Oito e cinquenta e quatro. O vento parecia aumentar e as janelas tinham de ser fechadas. Não tinha força para tal. Não conseguia pronunciar uma só palavra. A situação começou a ficar tensa quando entrou na cozinha e viu que não tinha nada. Abriu a geladeira e encontrou potes vencidos de geleia. Nem água tinha. Não entendia nada. A cada passo que dava, ouvia o ranger do chão. Era o único som presente. Andando adunco e torto, resolveu parar. Queria gritar e entender o que estava acontecendo. Nove e treze. O tempo não passava. Tinha de esperar até as dez para ir perguntar a alguém o que estava acontecendo. As lojinhas só abriam nessa hora.

Nove e quarenta. Subiu as escadas e voltou para o quarto. Viu que havia um bilhete perto de sua cabeceira. Estranho não ter o visto antes. Dizia: Não esquecer de levar. Ao lado, uma caixa vazia. O telefone começou a tocar, mas não teve tempo de chegar e atender. Cai na secretária eletrônica. Dizia na mensagem: Chegarei um pouco atrasado, mas fique tranquila que o negócio está quase fechado. A voz era desconhecida.

Dez e quatro. Era hora de ir perguntar às pessoas na rua quem poderia ter visto sua mãe. Quando pretendia descer as escadas, ouviu um barulho de chave. Um homem alto, elegante e perfumado entrava juntamente com umas três senhoras que aparentavam ter uns sessenta anos. O senhor chamava pelo nome de minha mãe. Ele também a procurava. No momento em que eu ia descer para falar com ele e dizer que também não sabia onde ela poderia estar, uma das senhoras o cutucou e disse:

- Ela não está em casa?

- É, pelo visto não.

- Estranho não é? Logo hoje?

- Ah! Então é por isso. Há alguns meses, ela vai cedinho para o cemitério e fica lá até a hora do almoço. Dessa vez ela até deixou um bilhete para se lembrar de levar as bolinhas de gude. Pretendia enterrá-las junto.

- Nossa!

- Mas não se preocupem! Já ela chega e fechamos o negócio.

O corretor estava ansioso pela venda da casa. Ninguém mais havia topado pagar um preço tão bom por uma casa velha e caindo aos pedaços.

Marcelo Cassar Magdalena
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Marcelo Cassar Magdalena ficou em terceiro lugar na categoria "prosa" do Prêmio Paulo Britto, organizado pelo PET do departamento de Letras da PUC-Rio.
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