quinta-feira, 30 de novembro de 2023

CLARA ANA




Ao ver o esbelto amigo de seu filho,

Clara Ana pensou: “Que peitoral!

Essas costas largas, esse sorriso,

Maxilar perfeito de um maioral.

 

E esse volume nas calças? Chupava

O saco e o pau. E sua namorada?

Peituda e bunduda, mulher encorpada,

Me olha com medo, sabe que eu sou braba.

 

Já Marcos Paulo, marido letárgico,

tem papo, barriga, pau mole, e é chato.

Nunca me fez gozar e nem conseguiria,

 

É fraco, fedido, fútil e não sabe fazer putaria.

Claro Ana! Casamento claramente não foi bom negócio.

Tu não precisa de terapia, mulher, tu precisa é de divórcio!” Yan de Holanda

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

o jamboeiro do IMS, poema de Paula Reis Vianna


jamboeiro me avisou que as frutas estão caindo, está na hora que antes de apodrecerem devo chamar meu pai pra colhermos juntos — a nossa escola o prenúncio do tapete rosa e depois de maduro a queda (o doce-ácido, o branco-rosa) então aqui estamos nós: ele sentado carregando a Sacola de Jambo enquanto me olha catar os frutos debaixo de duas sombras tão antigo hábito esse eu nunca vou deixar de contar os dedos dos pés dos outros na rua pra ver se dá cinco então conto os meus conto os do meu pai conto quantos frutos exatamente caem esse que sobrou catei, estava tão limpo, raridade estar tão limpo, limpo como se estivesse pronto para ser comido entrego ao meu pai num cuidado correto (um alento infantil que outrora inverso) estamos testemunhando o pé de jambo se desfazendo dos seus filhos meu pai aqui, o esforço de vir comigo catar jambo, esse último gesto uma árvore secular, e ele está tão velho desfrutando o jambo, me olhando com olhos de amor de fato mordendo um fruto deixando rastros (eu penso: está soltando a minha mão) assumo então novos frutos que nascem e recolho os que caem aos meus pés Paula Reis Vianna


terça-feira, 28 de novembro de 2023

posições cuneiformes, de Vinni Corrêa

 


Vinni Corrêa

menina enfabulada


menina pela estrada

levando doces pra avó

encontrou o lobo mau

baita situação uó


disse, lobo por favor

me deixe em paz e só

retomar o meu caminho

na cesta carrego pó


o lobo ficou maluco

querendo cheirar loló

agarrou a chapeuzinho

com todo borogodó Malu Brito

segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Duas mãos e o sentimento do mundo (V)

V. O amor bate na aorta

Em Amar-Amaro, o poeta versa sobre os conhecimentos sobre o amor, afeto muito presente em toda sua obra e temática de alguns de seus poemas mais celebrados como O Amor Bate na Aorta. As paixões intensas - passageiras ou não - e seus caminhos, as atrações românticas ou sexuais e as desilusões amorosas são temáticas bastante exploradas, como nos textos Ciclo, O Quarto em DesordemQuadrilha. Evidenciam-se no trecho de O Mito:

Amarei mesmo Fulana?
Ou é ilusão de sexo?
Talvez a linha do busto
Da perna, talvez o ombro 
 
Amo Fulana tão forte
Amo Fulana tão dor
Que todo me despedaço
E choro, menino, choro 
 
Mas Fulana vai se rindo 
Vejam Fulana dançando

O autor reflete constantemente sobre o amor em si e seus efeitos e transformações no âmbito individual ou coletivo:

Um dos pontos mais problemáticos é o enlace do amor com o conhecimento, como os percalços existentes na impossibilidade de se fundir emoção com razão, reforçando mais um dos aspectos da dialética barroca do poeta mineiro. Se ‘minerar’ remete a explorar, extrair, garimpar, o poema propõe a ‘decifração da decifração a que obriga o sentimento’. Arrigucci Jr. (2002, p. 113) ressalta ainda que ‘o caráter problemático do amor é também o da linguagem poética que se esforça para exprimi-lo: alquimia insólita, que deve transformar em poesia o ouro já transformado em outro ser’. (ERTHAL, 2016)

Este caráter é trabalhado em textos como Entre o Ser e as Coisas, Amar-Amaro, Véspera e Memória. Exemplifica-se no trecho do poema Amar: 

Que pode, pergunto, o ser amoroso
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha 
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?


Luisa Issa

Beijo russo


chupe um gelo
e leve a língua
ao grelo

Vinni Corrêa

domingo, 26 de novembro de 2023

Ossos do ofício


O que se pensa não é o que se canta.
Difícil sustentar um raciocínio
com a rima atravessada na garganta.

Mesmo o maior esforço não adianta;
da sensação à idéia há um declínio,
e o que se pensa não é o que se canta.

Difícil, sim. E é por isso que encanta.
Há que sentir — e aí está o fascínio —
com a rima atravessada na garganta.

Apenas isso justifica tanta
dedicação, tanto autodomínio,
se o que se pensa não é o que se canta,

mesmo porque (constatação que espanta
qualquer espírito mais apolíneo)
a rima atravessada na garganta

é o trambolho que menos se agiganta
nesse percurso nada retilíneo,
ao fim do qual se pensa o que se canta,
depois que a rima atravessa a garganta.

Paulo Henriques Britto

sábado, 25 de novembro de 2023

Um poema de Gyzelle Góes

a essa hora vc vem
me encontra
a essa hora seu bonde
tá passando
eu também

Gyzelle Góes

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Pulo do gato


Os campeões cavalgam
Em um cavalo alado 
Que passa sempre selado

Ao dar uma volta
Os urubus sobrevoam
As águias fazem apostas

Alegre o novo campeão
Desafia a gravidade
Mas o público ainda não aplaude

Neste momento surge uma ideia incrível
O novo campeão consegue laçar
O cavalo alado e segue montado

Aplaudido e reverenciado
Todos notam a beleza do cavalo 
E do cavalheiro montado nele

Rodrigo Auad

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

neto da timidez ou a tristeza da certeza

o pecado do tímido é não
fazer com que seus possíveis pecados
venham a nascer; de pronto enforcados
pelo desfundado medo de um não

ao tímido, então, será reservado
seu próprio não-ser, triste encarnação
pois na tristeza da certeza estão
os poucos gozos de um viver frustrado

imputar-lhe culpa por seus não-atos
não viria a ser por obvio fardo injusto?
eis que pela memória do pecado

torna-se de sua tristeza o culpado
paga pela tal certeza alto custo
na timidez há solidão de fato

Caco Ishak

quarta-feira, 22 de novembro de 2023

amor,


li seus poemas

em todos eles

o que mais
chamou minha atenção

foi o silêncio

aberto no branco
dos versos

semelhante à reza

que diariamente
ergue o sol

lavando o rosto
dos dias e das noites

com sua espuma
ardente de palavras

levando as coisas
que dizemos
a nós mesmos

e as coisas
que nunca ousamos
nos dizer

branco aguaceiro

dentro dos poemas
que você não escreveu

Alexandre Bruno Tinelli

terça-feira, 21 de novembro de 2023

sextema, de Vinni Corrêa



                                         Vinni Corrêa

FACE A FACE


Eu não devia dizer isso, Mônica,

Mas esse Johnnie Walker Black

Depois daquele gim com tônica

Vai me dar um tremendo de um pileque

Zilka Vasconcelos

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Duas mãos e o sentimento do mundo (IV)

IV. Tempo de homens partidos

Em Na Praça dos Convites, o tópico explorado é o choque social. Drummond procura um significado para o ofício poético no mundo contemporâneo, como relata o professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Roberto Said:

Moderno por excelência e desdobrado ao longo de quase todo o século 20, esse processo de subjetivação deflagrado pelo poeta itabirano revela uma dimensão eminentemente reflexiva e filosófica, com a qual se desenvolve e se abre ao mundo, de modo a expandir, para um universo de interesses coletivo e histórico, o campo individual da experiência. (SAID, 2020)

O poeta aborda temas que tangiam a sua atualidade. Há a constante presença de sua inquietude perante o mundo e a forma de se viver: incômodos e desamparos nos âmbitos político (observado em textos como Congresso Internacional do Medo), social (como nos poemas Nosso Tempo e Anúncio da Rosa), trabalhista (visto em Elegia 1938), afetivo (como em Coração Numeroso e Os Ombros Suportam o Mundo).

O autor viveu e produziu plenamente na Era Vargas (1930-1945), onde diversas transformações sociais, políticas e econômicas ocorreram, incluindo um golpe de Estado, promovido pelo então presidente Getúlio Vargas, em 1937. Simultaneamente, ocorria a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Era, portanto, um momento profundamente conturbado, e isso se reflete em sua obra, como evidenciado nessa passagem de Elegia 1938:

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição 
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

O medo, a revolta e o desejo e procura por um mundo melhor são sensações constantes neste conjunto. Isso é exemplificado nestes fragmentos de Nosso Tempo:

IV

É tempo de meio silêncio,

de boca gelada e murmúrio,

palavra indireta, aviso

na esquina. Tempo de cinco sentidos

num só. O espião janta conosco. (...) 

 

VIII 

 

O poeta

declina de toda responsabilidade

na marcha do mundo capitalista

e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas

prometa ajudar

a destruí-lo

como uma pedreira, uma floresta

um verme.


Nessa divisão, o poeta se utiliza da poesia para denunciar os horrores observados no cotidiano, como observado no poema A Morte do Leiteiro e O Desaparecimento de Luísa Porto.

Através de uma contorcida escrita do eu, sua visão de mundo não só nos remete ao universo sociopolítico propriamente mineiro, de que os poetas do século XVIII da cultura do ouro são referência obrigatória, como também nos permite uma elaborada visão do roteiro moderno do Brasil no contexto das nações. (SANTIAGO, 2002)


RITUAL BUDISTA


a cabeça pende no peito
moedas cobrem as pálpebras
as duas mãos no coração
crisântemos amarelos e brancos
em cima do terno amassado
unhas e cabelos da família
protegem os deuses

Marilia Kubota

domingo, 19 de novembro de 2023

A esgrima, um poema de Bruno Madeira





Para Y, que luta sem saber

A esgrima é uma luta em pista

14 x 2m

e possui duas fases: classificatórias e eliminatórias
diferente das outras lutas a esgrima

é caracterizada por se usar da arma branca

sendo florete a espada de ataque e

a roupa

dum branco tão neutro que assemelha-se a nudez
é completamente proibido contato físico na luta
sendo assim

fica estabelecido o olhar como a arma mais forte

e a mais tesa

Na esgrima os dois (ou mais) oponentes
se utilizam de uma lâmina flexível

ou seja

não há como se machucar ao menos

não como morrer

(talvez até como morrer) mas

eu estou vivo com você

cheio de prazeres ansiosos e ansiedades prazerosas
dureza e maciez

Para se saber quem está ganhando ou

melhor dizendo

quem está perdendo

os pontos são computados de forma eletrônica visto que
as roupas

(tão neutras quanto a nudez)

possuem sensores que percebem toques
pontadas de prazer — e dor
dureza e maciez


A esgrima ainda que inofensiva

matou ao menos duas vezes em torneios registrados

dia 12 de abril de 2004 Yevgen Prokopyev foi ferido

após ter a fria lâmina do florete penetrada em seu pulmão

o golpe duro

golpes e galopes tiraram o ar do jovem ucraniano que morreu
ali mesmo

na pista

Vladimir Smirnov em 1982

também morre ao ver de perto a espada atravessar seus olhos
perfurar sua órbita

alojar-se em seu cérebro

Vladimir resiste

mas morre 9 dias depois no hospital

Você não acreditaria nisso que digo
em meus movimentos

meus desejos

sequer no metal que te toca frio

te excita a carne e
você nega

No entanto, nos olhamos

e quando nos olhamos somos os únicos oponentes da terra a se olharem
estabelecemos uma batalha aqui mesmo

fazemos da cama uma pista digo

das roupas não roupas

da arma dois beijos

e repetimos uníssono:

eu estou vivo com você

e estou vivo com você Bruno Madeira

sábado, 18 de novembro de 2023

Ansiedade, um poema de Thais Vicente


Sombrio
Silenciosamente sonoro
Fugaz.
Traz o terror de um aperto voraz.
É algo que não se sabe bem o quê.
Passa longe da calma 
e parte rumo ao caos.
Não sei definir muito bem. 
Sei apenas que, por aqui, 
a paz é algo insólito.

Thais Vicente

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

19:00h


Escrevo o rasgo
Escrevo e rasgo
Me escrever rasga

Afasto, contemplo
Filho do nefasto tempo
flutuam vontades densas
Tento agarrar, suspensa

Escapa entre fendas
Verdade, certeza
Resta-nos beleza
Eco no abismo

Escuto um som que sai de mim
Vejo os olhos que são meus
Adentro no quarto escuro
Fecho as pálpebras

Acordo de súbito
Em mim pulsa incessante
As pressas, de como quem espera
Dou luz à poesia

Thalie

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

SONETO PARA FREEMAN DYSON

Prazer, sou um ateu praticante mesmo não sendo nada crente As palavras do livro me encantam as reconheço como documento e canto um ateu de valores protestantes duma generosidade gigante que conhece o poder de uma cerveja e não tem medo de quem o serpeja se considera um cristão praticante que mesmo sem acreditar em Deus era um homem livre humilde diante da ignorância perante o importante essa singularidade dançante que é sempre impossível de tocar José Bial Na foto, o físico e matemático inglês Freeman Dyson, estudioso da eletrodinâmica quântica.

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

PARABÉNS PELO QUÊ?

Não tomo mais leite
Tenho menos tarefas
Durmo mais cedo
Meu pace aumentou
Meu metabolismo desacelerou

Os dias passam por mim apostando corrida. Isabelly Gama

terça-feira, 14 de novembro de 2023

comunicação


ela é de ralações púbicas
eu sou de jorralismo
juntamos com um rabalista
e com uma pubiscitária
tá faltando um fodógrafo

Vinni Corrêa

Thereza, um poema de Guilherme Zarvos


Visito minha mãe no Jardim Botânico
Faz dois anos que ela morreu
Parece que faz uma vida
Tenho tanta saudade
Das conversas
Do uisquinho, até do barulho nervoso do gelo
O excesso de uísque ajudou a matá-la
Pena que os excessos matem
Já conheci quem morreu de amor
De excesso e falta

A árvore que eu e minha irmã escolhemos para
              depositar suas
Cinzas não tem nada de excepcional
É um Tiliacea da Malásia
Ela me parece velha
Foi um descuido espalhar as cinzas numa
Árvore que pode tombar logo
Mesmo antes da minha morte
Me parece um canto agradável
Ela deve estar contente no céu
Estou aqui na terra

Depositar cinzas de cremação no Jardim Botânico
É proibido. Tirar fotos de casamento pode
Imagino se todos depositassem seus mortos no
Jardim Botânico se assemelharia ao Ganges
Todo humano deveria passar uma tarde
Olhando uma cremação do Rio Ganges, na Índia
Depois de pôr fogo no morto, com a presença da
Família, com um pedaço de pau dilaceram-se os
Ossos e o crânio que são muito resistentes ao
Fogo. Tudo é calmo e sagrado. As cinzas vão para o rio

Minha mãe não sofreu muito ao morrer
Eu e minha irmã ficamos contidos. Nossa família é
Assim. Fatalista. Já me falaram que é um resquício
Aristocrático. Sempre nos orgulhamos da
República. Em volta da Tiliaceae nasceram cogumelos
Cada vez que visito minha mãe tem novidade
Em volta da árvore. Minha mãe está sempre
Presente e o chão sempre apresenta surpresas
Os cogumelos formam um ajuntamento
              como uma ninhada
Do meio salta uma flor! É da raça das Therezas.

Guilherme Zarvos

segunda-feira, 13 de novembro de 2023

Duas mãos e o sentimento do mundo (III)


III. Minas além do som

Não sou ainda suficientemente brasileiro. Mas, às vezes, me pergunto se vale a pena sê-lo. (...). Sou um mau cidadão, confesso. É que nasci em Minas, quando devera nascer (não veja cabotinismo nesta confissão, peço-lhe!) em Paris. O meio em que vivo me é estranho: sou um exilado. (ANDRADE, 1924)

Na segunda sessão da Antologia, Drummond aborda textos sobre sua terra natal, Minas Gerais. O autor trabalha as tradições e características socioculturais de seu estado, além de suas lendas e histórias populares, como visto nos poemas Canção da Moça Fantasma de Belo Horizonte e A Morte de Neco de Andrade

O escritor se debruça sobre o modo de vida interiorano em seu celebrado texto Cidadezinha Qualquer,
que abre esta categoria da antologia:

Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.

A religiosidade católica, basal na cultura mineira, é bastante presente. Em Romaria, é trabalhada a tradição católica dos Romeiros, grupo de fiéis devotos que realizam peregrinações a locais considerados sagrados. Em Estampas de Vila Rica, o autor versa sobre o tema utilizando-se de cinco pontos turísticos da cidade de Ouro Preto, Minas Gerais: a igreja de Nossa Senhora do Carmo, a igreja de São Francisco de Assis, a igreja de Nossa Senhora de Mercês de Cima, o Hotel Toffolo e o Museu da Inconfidência. Percebe-se no trecho II: São Francisco de Assis:

Dai-me, Senhor, a só beleza
destes ornatos. E não a alma.
Pressente-se dor de homem,
paralela à das cinco chagas.

Mas entro e, Senhor, me perco
na rósea nave triunfal.
Por que tanto baixar o céu?
Por que esta nova cilada?

Senhor, os púlpitos mudos
entretanto me sorriem.
Mais que vossa igreja, esta
sabe a voz de me embalar.

Em 1934, Carlos Drummond de Andrade mudou-se para o Rio de Janeiro, onde passou a maior parte de sua vida. Drummond aborda nesta sessão a dualidade sentimental pela qual passava: sentir a dureza e orgulho de ferro herdados de sua origem, descritos em Confidência do Itabirano:

Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.

A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.

E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.

Ao mesmo tempo, o autor relata a saudade da pátria imaginária que sentia vivendo no Rio de Janeiro, relatada em Prece de Mineiro no Rio:

Espírito de Minas, me visita,
e sobre a confusão desta cidade,
onde voz e buzina se confundem,
lança teu claro raio ordenador.
Conserva em mim ao menos a metade
do que fui de nascença e a vida esgarça:
não quero ser um móvel num imóvel,
quero firme e discreto o meu amor,
meu gesto seja sempre natural,
mesmo brusco ou pesado, e só me punja
a saudade da pátria imaginária.

Esta sessão da antologia dialoga com a categoria seguinte, A Família que Me Dei, que aborda a infância e vivência familiar do escritor. Nela, Drummond rememora suas vivências e dores, partindo da infância e seguindo para outros períodos da vida. Parte, em diversos momentos, da perspectiva de perdas diversas. Nos textos relacionados à sua puerícia, destacam-se Retrato de Família, A Mesa, Viagem na Família e Infância. O poema Os bens e o Sangue também integra essa categoria; nele, Drummond funde sua própria vivência com a história de Minas Gerais.

A morte também é uma temática muito presente nessa categoria, como nos poemas Perguntas e Convívio. Inclui-se também o poema Ser, dedicado ao seu filho, Carlos Flávio, que faleceu meia hora após seu nascimento.

Seguindo na exploração de declarações de afeto, na categoria seguinte da Antologia, Cantar de Amigos, Drummond versa sobre suas amizades com diversos artistas. Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Américo Facó e Federico García Lorca são alguns dos nomes sobre quem o autor se debruça; retrata sua admiração e estima por cada um. Vide trecho de Mário de Andrade desce aos infernos, originalmente integrante do livro A Rosa do Povo, de 1945:

O meu amigo era tão
de tal modo extraordinário,
cabia numa só carta,
esperava-me na esquina,
e já um poste depois
ia descendo o Amazonas,
tinha coletes de música,
entre cantares de amigo.


Luisa Issa 

EU SOU


Rua, rota, som, direção,
carro, tráfego, carburador,
quina, esquina, motorista,
mão, retrovisor, imagem,
alfabeto, intelecto,
linguagem... Sou a fresta.
Adivinha! Entra!

Soéli de Souza

domingo, 12 de novembro de 2023

Noturno, Alexandre Bruno Tinelli


A vida é uma centelha. E o coração
quando se ateia logo se encaverna
nas águas dessa noite que se alteia
brilhante de escaravelhos de estrelas.

Alexandre Bruno Tinelli

sábado, 11 de novembro de 2023

Poema para um ser, um poema de Cob Jones


como você está?
está tranquilo?
a vida não é
nada daquilo

deixe de brigar
de reclamar
deixe de falar
de abusar
pois a vida
não é nada
nada daquilo

passe a viver
e a não chorar
passe a querer
pois é bom amar
pense só no bem
que o bom já vem

aaah... a vida
a vida não é
não é nada
daquilo

Cob Jones

sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Beijo de Fumaça


Tão de repente se quebra corrente, e muita graça
Quero tanto um manto de encanto, que estilhaça
Quero ver a vontade dum prado forte
Nas graminhas nascentes em meios-fios
Que se amarram e entrelaçam na meada.

Só espero que o que procuro, me procure
como tiro no escuro
derreta a hipoderme num incêndio
que usurpa toda queimadura
energize e fracasse, em tomar o veneno.

Suplanta vidas e aduba sonhos
Deslumbra desde as pontinhas cuticulares
prontas para serem puxadas
Que nunca são só as pontas
E se rasgam quando penetram o “Até”.

Só espero, e espero só
que esse breve ar, me faça respirar dor
e seja eu, seja meu,
um reflexo dum mais alguém…

Bernardo ArouK

quinta-feira, 9 de novembro de 2023

cidade de palavras


ler mais uma vez a carta que te escrevi
não mandar 

dizer a mim mesma: quando 

esses encontros acontecem 

nunca duram 

então não mandar

desenhar em torno do sonho 

na borda da carta 

uma cidade de palavras 

ali sim 

ali eu mandaria mil 

uma carta por dia 

relatando a discrepância dos nossos objetivos

e a razão promíscua de eu estar aqui

ontem eu estava bêbada 

que foi um desperdício 

hoje já me sinto eu 

e com isso quero dizer mal Paula Reis Vianna