sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Destino: Barcelona


Desceu a rua, passou pelo museu, atravessou em direção à estação. Estava adiantada quase duas horas. Pediu um expresso no balcão do bar. Catou o celular na bolsa. Duas ligações de Olavo. Ele nunca a deixaria em paz? Trocaria o número assim que desembarcasse. Àquelas alturas já tinha lido a carta que ela deixara no quadro de recados da cozinha. Se bem o conhecia, estava dando murros nas paredes. Olavo não era violento. Não com ela. Mas tinha lá seus descontroles. Um homem possessivo que a enchia de mimos para comprar sua submissão. Antes do casamento, Maria Tereza tinha planos de publicar um livro de crônicas e investir na carreira jornalística, mas Olavo a convencera de que era um sonho sem futuro e por comodidade, ela cedeu. Agora estava decidida: queria retomar seus planos. E mais que tudo, queria distância de Olavo. E Luiz Antônio que não chegava? Era cedo ainda. Faltava uma hora para o último trem e o trânsito estava calmo. Buscou no celular a foto dele, clicada no último encontro. Sorria. Ela retribuiu como se ele a pudesse ver. Tudo a encantava naquele homem: o jeito pausado de falar, o meio tom da voz, a elegância, a discrição; o humor sempre pronto a fazê-la gargalhar.  Amante intenso, ele dedilhava sua pele com a maestria de quem conhecia todos os caminhos. Nenhum outro a fizera experimentar tal plenitude. Foi por acaso que se conheceram numa livraria-café na Porta do Sol.  Ela folheava um livro de Juan Ramón Gimenes e ele, gentil, aconselhou-a que levasse. Assim começaram uma conversa sobre outros autores. Foi para casa pensando nele. Voltou lá no outro dia. Sentaram na mesma mesa. Naquele e em todos os outros dias daquela primavera. Depois vieram os encontros no apartamento de um amigo dele na Calle de las Huertas. Luiz Antônio tinha uma esposa de quem quase nunca falava a não ser para deixar claro que o casamento já afundara fazia tempos. Amor mesmo, só por ela, Maria Tereza. Ela nada perguntava. Mas falava de Olavo, se queixava. Ele ouvia calado e depois a abraçava com ternura espantando os fantasmas daquele quarto emprestado. A ideia de começarem uma vida juntos partira dele. No começo Maria Tereza teve medo. Depois teve dúvidas. E logo veio a certeza de que ele era o único homem com quem queria estar.  A vida ao seu lado seria bem diferente daquela que levava com Olavo. Olhou o relógio da estação. Faltava ainda meia hora. Saiu. Abriu a bolsa, apanhou o espelho, limpou o excesso de batom. Acendeu um cigarro. E esperou. Vinte minutos. Luiz Antônio Já deveria ter chegado. Vai ver teve problemas no trabalho, era seu último dia na redação. Correu os olhos pela rua. Nada! Sete minutos. Não. Ele não vinha. Aquele trem tão esperado partiria sem eles. Não a amava. Devia estar em casa com a família, o mundinho perfeito onde todas as coisas se encaixavam. E ela ali, tentando evitar uma lágrima teimosa. Era o fim. E sequer tinha para onde ir. Jamais voltaria para Olavo e aquela vida sem brilho. Apagou o cigarro com a ponta da bota. Correu para a saída. Precisava de algum lugar seguro para chorar. Nada mais fazia sentido. A multidão se aglomerava à porta da estação para fugir da chuva. E antes que pudesse ultrapassa-la, alguém a segurou pelo braço. Voltou-se assustada tentando se livrar.

Ele sorriu.

Ela tremeu.

E o alto-falante anunciou a última chamada para o trem.

Destino: Barcelona.  

Marga Cendón

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O jogo da imitação


O macaco faz sinais
e o humano não entende
o polegar direito do macaco se une ao indicador
e dá meia volta num sentido horário
enquanto a mão esquerda se afasta de si
com todos os dedos esticados
e a palma apontada para o humano
O humano pensa é um jogo
e sorri e consente e acena
se sente privilegiado, se sente escolhido
e coloca sua mão esquerda sobre a cabeça
e com a direita retira seu chapéu imaginário
O macaco nega e faz outros sinais
aponta para a perna do humano
o humano olha para sua própria perna
põe uma mão no bolso
o macaco faz um movimento com a cabeça para cima e para baixo
o humano aponta para a perna do macaco
e faz um movimento afirmativo com todo o corpo
O macaco leva as duas mãos a cabeça
parece dizer de-ses-pe-ra-da-men-te
com os olhos voltados para o alto de sua cabeça
depois repete todos os gestos pausada-mente
O humano acha graça,
gira seu corpo para esquerda
gira seu corpo para direita
e segue para a jaula dos leões
O macaco não pode fazer nada
voltou para o fundo do cenário
e não se moveu mais.

Ellen Maria Vasconcellos

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Puxadora de Palmas


microfone
na mão
do
guru

é
uma
palestra

que
avança
e
não
termina

espia
no relógio
as
horas

(boceja)

a
tiete
da primeira
fila

ela
toma
a iniciativa

é
palma
contra palma e
repetição

(...)

alguns
acompanham
o gesto

(outros não)

Fabio Ramos

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Ponto Cruz


A mulher
é um emaranhado de linhas curvas o homem
de linhas pontiagudas mas o mais necessário são os laços os entrelaços porque
depois tudo deixa de curva ou pontiaguda e passa a ser apenas

uma linha única.


Felipe Andrade

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Aconchego


De manhã sou acolhido
Pelas luzes sorridentes dos teus olhos,
Refletidas do sol que vem nascendo.

Tremulam caracóis anelados mal dormidos,
Sob a brisa marinha que te embala


João Luiz Azevedo

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Poema de Matheus José Mineiro


[ . . . ]
o poema em posição de mudra
antídoto que medita
em cima da ogiva nuclear.
quando caminha,
caminha em topografias acidentadas,
com um jeans-azul encharcadíssimo,
                                              mas caminha.
posiciona o crânio no raio x
que exibe a estrutura esquelética
de um ornitorrinco perfurado
por 365 arbeletes e arpões.
enquanto no travesseiro, a cabeça
é a manada de éguas castradas
relinchando por toda madrugada
dentro da sua quitinete.

[ . . . ]
como uma arara azul em apuros
eletricistas e alpinistas industriais,
telhadistas, carvoeiros, um parque fabril
e atletas de levantamento de peso
formigam nas partículas infinitesimais,
nos átomos e fractais que compõe a vértebra
                                    deste entusiasmo
                                    que expectoramos
                           encanamento que estoura
todo os dias neste alvoroço,
nesta preocupação
que sonha e se resonha mundo.

restam poucos metros cúbicos no cilindro
mas que oxigenam um bairro inteiro.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Campo de batalha


Nova votação na Câmara dos Deputados
O povo assiste a tudo em regime fechado
Reviravolta entre reprovação e aprovação
Da noite pro dia, o que era sim vira não

Nenhuma bandeira nos representa de fato
De todas essas siglas nós estamos fartos
Valemos bem mais do que alguns reais
Há propaganda política em todos canais

Não se renda a toda essa hipocrisia
Pense por si mesmo, não desista
Não se venda por qualquer fantasia
Seja você mesmo, seja realista

Que país sobrará às próximas gerações?
À medida que são tantas as corrupções
Parece que virou normal ser desonesto
Na hora de decidir, escolha o lado certo.

Allan Caetano Zanetti 

Seminário A Poesia Hoje, dias 13, 14 e 15 de janeiro, às 19h, na CAIXA Cultural Rio de Janeiro


Hoje, às 19 horas, tem início o Seminário Poesia Hoje, em que será discutida a literatura brasileira a partir da democratização do conhecimento proporcionada pela internet e tecnologias da informação - por consequência, entram em questão a nova configuração do poema no ambiente virtual, sua relação com o leitor e a relação do autor com o leitor influenciadas pelas mídias sociais.


Programação (entrada gratuita):

13 de janeiro (quarta-feira)
19h – O amor e o humor na poesia contemporânea
Com Gregorio Duvivier e Domingos Guimaraens

14 de janeiro (quinta-feira)
19h – Viver de Poesia
Com Paulo Henriques Britto e Lucas Viriato

15 de janeiro (sexta-feira)
19h – Geografia do Poema ou A arte imita a vida
Com Bruna Beber e Alberto Pucheu

Mediação das mesas: Caio Carmacho


CAIXA Cultural Rio de Janeiro – Cinema 2
Av. Almirante Barroso, 25, Centro (Metrô: Estação Carioca)
Entrada franca (distribuição de senha uma hora antes do evento)
Informações: 21 3980-3815 e www.facebook.com/apoesiahoje