Desceu a rua, passou pelo museu, atravessou em direção à
estação. Estava adiantada quase duas horas. Pediu um expresso no balcão do bar.
Catou o celular na bolsa. Duas ligações de Olavo. Ele nunca a deixaria em paz?
Trocaria o número assim que desembarcasse. Àquelas alturas já tinha lido a
carta que ela deixara no quadro de recados da cozinha. Se bem o conhecia,
estava dando murros nas paredes. Olavo não era violento. Não com ela. Mas tinha
lá seus descontroles. Um homem possessivo que a enchia de mimos para comprar
sua submissão. Antes do casamento, Maria Tereza tinha planos de publicar um
livro de crônicas e investir na carreira jornalística, mas Olavo a convencera
de que era um sonho sem futuro e por comodidade, ela cedeu. Agora estava
decidida: queria retomar seus planos. E mais que tudo, queria distância de
Olavo. E Luiz Antônio que não chegava? Era cedo ainda. Faltava uma hora para o
último trem e o trânsito estava calmo. Buscou no celular a foto dele, clicada
no último encontro. Sorria. Ela retribuiu como se ele a pudesse ver. Tudo a
encantava naquele homem: o jeito pausado de falar, o meio tom da voz, a
elegância, a discrição; o humor sempre pronto a fazê-la gargalhar. Amante intenso, ele dedilhava sua pele com a
maestria de quem conhecia todos os caminhos. Nenhum outro a fizera experimentar
tal plenitude. Foi por acaso que se conheceram numa livraria-café na Porta do Sol. Ela folheava um livro de Juan Ramón Gimenes e
ele, gentil, aconselhou-a que levasse. Assim começaram uma conversa sobre
outros autores. Foi para casa pensando nele. Voltou lá no outro dia. Sentaram
na mesma mesa. Naquele e em todos os outros dias daquela primavera. Depois
vieram os encontros no apartamento de um amigo dele na Calle de las Huertas.
Luiz Antônio tinha uma esposa de quem quase nunca falava a não ser para deixar
claro que o casamento já afundara fazia tempos. Amor mesmo, só por ela, Maria
Tereza. Ela nada perguntava. Mas falava de Olavo, se queixava. Ele ouvia calado
e depois a abraçava com ternura espantando os fantasmas daquele quarto
emprestado. A ideia de começarem uma vida juntos partira dele. No começo Maria
Tereza teve medo. Depois teve dúvidas. E logo veio a certeza de que ele era o
único homem com quem queria estar. A
vida ao seu lado seria bem diferente daquela que levava com Olavo. Olhou o
relógio da estação. Faltava ainda meia hora. Saiu. Abriu a bolsa, apanhou o
espelho, limpou o excesso de batom. Acendeu um cigarro. E esperou. Vinte
minutos. Luiz Antônio Já deveria ter chegado. Vai ver teve problemas no
trabalho, era seu último dia na redação. Correu os olhos pela rua. Nada! Sete
minutos. Não. Ele não vinha. Aquele trem tão esperado partiria sem eles. Não a
amava. Devia estar em casa com a família, o mundinho perfeito onde todas as
coisas se encaixavam. E ela ali, tentando evitar uma lágrima teimosa. Era o
fim. E sequer tinha para onde ir. Jamais voltaria para Olavo e aquela vida sem
brilho. Apagou o cigarro com a ponta da bota. Correu para a saída. Precisava de
algum lugar seguro para chorar. Nada mais fazia sentido. A multidão se
aglomerava à porta da estação para fugir da chuva. E antes que pudesse
ultrapassa-la, alguém a segurou pelo braço. Voltou-se assustada tentando se
livrar.
Ele sorriu.
Ela tremeu.
E o alto-falante anunciou a última chamada para o trem.
Destino: Barcelona.
Marga Cendón
2 comentários:
Muito bonito esse conto.
Como tudo o que vc escreve...
Frases curtas que contam uma história cheia de significado de forma sintética. A escolha do vocabulário é perfeita e produz um grande efeito. Um conto sem nada a tirar ou acrescentar, parabéns.
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