quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Férias


Todo mundo sabe que a poesia não tira férias. Mas nossos funcionários sim! Feliz ano novo
(em 2015 voltamos)

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Lançamente de "Como se", de Cláudia Chigres


Amanhã cedo tem o lançamento do livro "Como se", da Cláudia Chigres, no Centro. Apareçam!



quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Que perda


você vem tentar fingir ser uma flor
daquelas azuis com lilás se quiser
pode até pintar de rosa, aí fica
igual aos outros diferentes de voce

você tenta despedaçar a espada feita
cortar ela ao meio mas esquece que
uma espada ruim está sem paciencia
para morrer, e para desbainhar

suas lágrimas não irão enferrujar
o que já está materializado aos seus olhos huohuohuouo

eu sou o que eu quiser
ajo da forma que quiser
sem prejudicar a próxima
é assim e tá acabado

suas lágrimas não irão enferrujar
o que já está desmaterializado
aos seus olhos sem vida
que só querem ditar letras, células

suas lágrimas não irão enferrujar
o que já está materializado aos seus olhos huohuohuouo

João Grabois

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Lançamento de Natália Rubra


Será na 5ª feira da semana que vem, na livraria Saraiva do Leblon, à partir das 19 horas. Fiquem atentos!



carrossel


de manhã na
praia eles combinam
o que farão à noite de
noite, na festa eles
combinam de ir à
praia amanhã

Ana Salek

gente grande


enquanto isso o céu metódico
o carro parado a tv desligada – como o rádio
somente o homem resta no sofá

dorme criança depois
da confusão
depois da brincadeira de gente grande
descansa o corpo crescido
da alma que folga

Gustavo Moreira

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Tatiana Salem Levy e seu livro novo


o livro novo da Tatiana Salem Levy vai ser lançado esse sábado agora, dia 6, na Livraria da Travessa de Botafogo, a partir das 19 horas... Vamos?



um poema de Jordano Souza


Trabalha dia e noite
Pela renda que costura
Trabalha sol
Trabalha lua
Trabalha sereno
Trabalha chuva

O sorriso também labuta,
Grisalho, estampado nas rugas
Que pelejam
No sol
Na lua
No sereno
Na chuva

Trabalha sempre pra cuidar
Mesmo que os cuidados
Sejam rejeitados (ignorados)

Prevalece a luta,
Seja no sol
Seja na lua
Seja ardendo

Prevalece a lua
Seja cansado
Seja sorrindo
Seja sofrendo

A barraca protege,
Chuva.
Mas não esconde
A marca da luta.

Jordano Souza

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Filete vermelho


Como és bonito filete vermelho
E como escorres pelo meu braço!
Olho-te angustiado do chuveiro
E os pingos de água, com descaso,

Diluem-te, mas não a minha dor.
De novo, a escorrer, a escorrer.
Da vida à miséria no amor.
Filete que representa tudo, o morrer!

Filete triste, por mim almejado,
Te desfaz pelo meu braço, cortante.
Agora, pelos pingos vermelhos aguados,
Vejo-te longínquo, febril e distante.

Vejo-te findo, a escorrer bonito,
Que dor, que tristeza eternizarás?
Transportaste-me para além do infinito,
Que dor não amenizarás?

Tu, filete vermelho da rósea flor,
Que escorres pelo meu braço.
Como é lindo o olvidado amor!
Como a dor é forte, feito aço!

Mas tu um dia hás de findar
E por mais que no meu braço escorras,
A dormência do meu amar,
Tu não farás com que ela morra.

A respiração, agora irregular,
E tu continuas a escorrer.
O pulso parando de pulsar,
Tu olhas frio, o meu morrer!

Quais tristes sentimentos foram vividos?
Tu és tudo e simplesmente o que me resta.
Que vida frívola, entorpecida e sem sentido
Foi friamente pensada dentro de minha testa?

Cor viva! Cor vermelha! Cor amada!
Por favor! Leva-me e deixa-me mais tranquilo!
Mostra-me tudo, mostra-me o nada,
Conforme durmo sob as folhas de mirtilo...

Guilherme Ottoni

As águas que me banham


Faz duas semanas que não enxergo,
não leio
faz duas semanas que não penso,
não vejo
faz duas semanas que não digo,
faz duas semanas que não choro

Faz duas semanas que me sinto um andarilho
em busca de seu livro
faz duas semanas que peço
por favor
não pegue esse avião

chorar não impedirá o avião de voar
estarei no chuveiro
confundindo as águas que me banham
com as lágrimas
que me escorrem os olhos.

Miguel Lydia

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Lançamento do DVD O vento lá fora


2a feira tem lançamento do DVD da profa. Cleonice Berardinelli e de Maria Bethania! Na PUC, não percam!



the


qualquer coisa de vinicius, ela tem
talvez seja a gávea florindo
um quê de drummond
à janela, escondido
sofre feito um bandeira
feito passarinho
e quando ela deita
e quando ela chora
todos lê
menos a este poeta
que te adora

Cesar Sampaio

Poema


Ah, se eu fosse como Bandeira,
ou feito de Barros,
Carlos.
Saberia menos
do que se sabe preciso,
ciso.
Saberia mais
do que se sabe de fato,
lato.

Tiago Maviero

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Por um saíra-de-sete-cores


se um passarinho entra pela sua janela
vôo errante, agitado
em expressão multicolorida
olhar tão curioso, inquieto;
apesar do receio de
envolvê-lo na palma,
em socorro
não pegues pela cauda
- mesmo sutil toque
as penas soltas mostram
a fragilidade da criaturinha;
e a pena, frágil, é a mesma
que seu pio, tão miudamente profundo,
faz sentir,
e ressoa numa lágrima
tão bruta

Idjahure Kadiwel

Plástico Bolha no Metrô


É isso mesmo! Plástico Bolha estará no metrô levando a poesia a todos os buracos! Microfone aberto pra quem quiser colar junto! A partir das 14h de sábado, 29/11, na estação Estácio do metrô do Rio.
Chega mais!



Amanhã a gente não se viu


Amanhã a gente não se viu
Na soleira da sua porta
Eu não quis dizer
oi

Amanhã eu fiquei com medo
Dos seus tantos compromissos
Da sua escapatória ao dizer
depois

Amanhã eu não soube o que fazer
Com você rondando por aqui
Sem coragem de dizer
talvez

Amanhã eu pensei
Que pudesse me mover
Mas fico parada até poder dizer
adeus

Isadora Falcão


Lançamento do livro de Maria França Cunha, A dança dos sentidos


Esta quarta-feira, 26/11, Maria França Cunha convida para a noite de autógrafos de seu livro A dança dos sentidos, no Espaço Multifoco, a partir das 18h. Não percam!




Lançamento do livro Imagens de Paris nos trópicos, de Angela Perricone


Quinta-feira, a partir das 17 horas, haverá o lançamento do livro de Angela Perricone, Imagens de Paris nos trópicos. Confiram!


segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Lançamento de O Ser-se, de Júnia Azevedo


Dia 26 de novembro, às 20 horas no Centro Cultural Midrash, não percam!




Sobra


olhos diferentes
enxergam a mesma coisa
mas veem coisas distintas
a quem sobra
indiferença
a quem falta
vontade faminta

quem tem sapato que fala
sabe onde o calo aperta
a caixa
outrora nova
hoje guarda tralha velha

se sobra algo
além de holerites obsoletos
basta
termino meu texto

Alex Moura


sexta-feira, 21 de novembro de 2014

lançamento de Cachorras, de Claufe Rodrigues


Dia 24/11, segunda-feira próxima, Claufe Rodrigues estará na Travessa do shopping Leblon, lançando seu livro Cachorras. A partir das 19h, não percam!




Meu sonho


Peço-lhe licença para ser humano e tentar,
dou-te meu carinho e meu prazer,
resguardo minha raiva sem te esconder.
Tenho sede e busco luz.
Sinto-me rico às vezes e danço,
tenho vislumbres e piro.
Sinto-me presente, nem sempre
me espanto...
Peço-lhe licença para mexer no teu quarto
e zoar com teus sutiens.
Toma minha mão se você quiser
e minha pele no teu peito.
Oh,  que tem muito mais no meu ser.
Ainda tenho um tempo aqui,
um tempo contigo,
até despertar,
meu sonho.

Dimitri Merino

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

A alma antiga


Queria ter a alma de um poeta velho
Escrever histórias num antigo caderno
Recitar cada frase para os apaixonados
Criar rimas sem motivos
Para os nãos inconformado
Sobreviventes de guerras
 Mais que frias
Corpo estalando de dor
Mais que agonia
Sentados em bares
Ou escadas
Até esquinas
Chorar por erros de amores
Que não os compreendiam
Depois de murchar todas as flores
Em sua maestria
A dor acaba tendo seus valores
De cada derrotado desse dia a dia
Me chame de poeta antigo
Com coração dos tempos de guerra
E com a maior prepotência
Me preparo para as batalhas
Escrevendo versos como os poetas.

Camila Lages

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Copacabana


Eu ontem fui pro Forte
atrás de um reforço
porque depois de muito
esforço, eu larguei o tal
E eu fui assim, sozinha
na marra. E de cara
a dor passou
É que a coisa é tão linda lá de cima
que parece até que anima
mesmo que de mentira
Sabe como é?
Aí, eu olhei pra frente
e era tudo, assim,
feito os olhos do Vicente
E por pouco
eu não me apaixono outra vez
o que seria o cúmulo da estupidez
então, eu virei o rosto pro lado
só pra ver se ele sumia
Que nada! era ainda o Vicente
insistente. Que vinha lá das águas
feito peixe:
com escama, espinho, uma enguia!
e me apavora, me olha
me namora, me decora

Vicente vem lá do Leme
e ele olha pra mim
E olha só pra mim:
o peito soca
a perna treme
ele vem, vem vindo
E o Leme ficou pra trás
E Vicente,
Já dá pra ver a barbatana
Quem me dera agora ser Joana,
Maria, qualquer fulana

Mas eu vim é pra cá
eu quero força!
Tô no Forte
e que Deus me conforte
porque não tá dando
Vicente, me larga
vá em paz, boa sorte!

Eu juro que amei
mas acabou, meu amor
Aqui já é outro bairro
dá pro Sul, tem outra cor
E o que houve entre nós
ficou no Arpoador

Jéssica Sena

CONVERSA DE OUTUBRO

(ou daquilo que escrevi e vendi debaixo do sol e como cheguei até aqui, minha jornada)


Em casa o medo de sair
Esbarrões e cotovelos não marcam hora
Enquanto isso, lá fora, rastejam duas senhoras
Numa típica conversa de outubro:
"Meu Deus, que calor!"
"Ainda vai piorar, eu garanto
Na cidade (grande) há muito calor e muito pranto."
Elas parecem mesmo esclarecidas
Mas são de fato esclerosadas
As cucas cozinhadas
Como acontece a todos na cidade
São seis meses… verão maldito
[passa um mosquito]
Agora conte o efeito dos anos
E não são poucos, ainda
Os que vão na praia aos Domingos
Condenados por um terrível mal
Torrando debaixo do sol

Mas afinal, é preciso ir pra rua:
“O homem que sai de casa merece ser aplaudido!”
O porteiro me encoraja, ele sabe, nobre a missão
Sou o supercomum!
Meu destino é a padaria
Minha tarefa, comprar pão
É ali do lado
Andando a pé eu posso ser roubado
De ônibus também
E o motorista é um doido
Ou talvez um mago, inventando espaço

A pressão toma conta da cidade
Na batalha do ônibus com o carro com as pessoas
Não há mais espaço na ladeira, nem na calçada:
Um andaime sinaliza “passagem de pedestres”
e o ônibus para, não há que fazer
As senhoras aflitas não entendem: “o motorista deve tá encachaçado”,
“esse inspetor é uma bicha”
Pobres diabos;


Marcos Padilha

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

idle life


she was about a panic attack
on working too much
on tolerating life
on epidemic ebola
on the fear of death

if we are all dying
then
what are we doing
here?

well,
don’t mistake jokes
for contradictions
I said
sleeping is a way
whisky is another

Jo Vincent Flowers

Tributo a Manoel de Barros

O fazedor de amanhecer

Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.

Manoel de Barros

La danzarina india


Los movimientos de Minú
en el centro del salón
no cabian en las palabras.

Las palabras son estacionarias
no golpean los pies en el piso
no mueven la cabeza de aquí para allí
no tienen campanas en los tobillos
ni una pelota roja en las manos
ni pendientes que se agitan
ni una gota en el centro de la frente
y ni la verdad de un único mudrá suyo.

Donde vá la mano
va la mirada, en alma devolviendo
la calma que la palabra nos robó.

Lucas Viriato

Gelado


Tínhamos que encontrar
um modo de não pensar
no frio de não descascar
as frutas para não feri-las
de pregar os olhos apenas
na cor roxa dos teus lábios
de inverno, um modo de
morder o drops e não
estilhaçá-lo. Tínhamos mesmo
que encontrar a posição
própria para o sono.

Sob o nariz ventava
acinzentado corriam
velozes trens apitando
vibrando tremendo.
Sob o nariz um ar de metal
as botas insuficientes
sobre a trepidante plataforma
mal suportavam o peso
dos olhos fixos no roxo
de teus dentes trincados
mas tínhamos que encontrar
um método para não pensar.

O pescoço afundado nos ombros
a luta contra as evidências
do fracasso. Unhas quebradas
sorriso quebrado o corpo
anulado. Pensamentos
banidos do pensamento.

Laura Liuzzi

terça-feira, 11 de novembro de 2014

Anarcofunk simbolista


Meu coração respira a original anarquia
E o amor é de guerra total um estado
A revolução permanente
Deve duvidar sempre, sempre
E o corpo, encarnado  exército
Da república popular da China, berra:

– Pelo direito de roubar-te um beijo!
– Pela faculdade de comer-te o rabo!

Cesar Sampaio


Ode a uma puta


Que mistérios esconde o sexo da história?

A mãe de todos os poetas
Musa do sol da tarde dourada
É a puta que se investe contra todos
Na pálida e arrependida madrugada

Fétida vagina aquecida
Que repousei para dormir
Entre seus enmelecados lábios, aparecida
Me olhava, mas não conseguia sorrir

Sabia que a noite a havia de engolir
Não era de corpo
De ninguém
Vivia exclusivamente do porvir
E de nada mais além

Ama os mais belos amores
Acaricia pubianos deleites
Sabia que eram das dores
Que seu destino daria o aceite

Descobriu-se mito da mitologia da modernidade
Afetos despidos de qualquer idade
Sabia que era santa
Mas não rezava com palavras
Rezava através dos amantes
Rezava através das dadas

Era mais antiga que o cristianismo
Mas não sabia o que era o tempo
Suas horas se mediam de outra maneira

...

Porém uma frase que trouxe segurança
A tropeçada puta
Experimentada puta
Desarrumada puta
Que jamais seria iluminada

Musa do sol da tarde
Encarando a madrugada
Via-se novamente
Limpando a boca seca de baba.

Lior Zalis


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Lançamento de Marilia Rothier e Eneida Maria de Souza


Quarta-feira, 12/11, Marilia Rothier e Eneida Maria de Souza estarão lançando livro na Argumento do Leblon. Não perca!





Coleção

I
fico imaginando você
pelas ruas de São Paulo
brincando com gatos
abrigando saudades
e tentando entender
se esse amar é
mesmo amor

II
o rabo do gato ficou pra trás
varrendo o que ficou
caído no chão enquanto
o corpo carregava já
na frente memórias do
amor que ainda nem é
eu queria mesmo era conseguir
não falar sobre os gatos
mas os gatos parecem
palavras que acontecem assim
de repente

III
e se todos os gatos
de repente virassem poemas
você andaria por São Paulo
tentando encontrar algo novo
para aprender a gostar
já que eu peguei todos
os gatos e coloquei
onde você provavelmente
estaria hoje
mesmo que ainda não há
nada que substitua você
nos poemas de amor

IV
quando eu menos espero
aparecem gatos
em minha memória de peixe
e eu sei lá
acho engraçado colocar
gato e peixe
num mesmo poema

V
não sei ser forte perto dos gatos
me tremo inteira
é como se eu tivesse comido jambu
prefiro sentir saudades

VI
todos os gatos saíram do poema
eu avisei
estão todos mortos aqui
Alice me espera na piscina
preciso sair depressa desse jardim
tropeçar nos gatos agora
seria o mesmo que apertar
errado o botãozinho de um
jogo de campo minado

Ana Luiza Gonçalves


sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Epaminondas

Epaminondas mantém a porta aberta. Em breves raciocínios de uma mente desgastada pelo passado, Epaminondas não sabe o que escrever. Escrever seria uma odisséia em ventanias, barulhos de uma janela que afaga a luz de velas, velas que fazem-lhe lembrar do que já foi, do que teria sido, do que já aconteceu e do que não acontecerá nunca mais. 

Suando em colocar palavras em minuciosos papéis, Epaminondas reencontra sua pena de ganso, empoeirada em uma gaveta, debaixo de sua cama. Fazem 15 anos que não escrevo, pensava enquando perambulava pelos mínimos metros quadrados de seu quarto. Fazem 15 anos que não a vejo, fazem 15 anos que não vou ao mar.

O aposentado peixeiro, em dias que passaram, reencontrava-se em agruras de uma paisagem estagnada por sua tristeza estática. Epaminondas nunca mais sairá dessa praia, relembrando que fazem 15 anos que não existe. 

Miguel Lidya


esquina


havia um rumor silencioso
no abrupto do dia
diâmetros, diagonais, diários cansados
relatos são por demasiado exatos
não me interessam!
busco a esquina das palavras
lá onde o absurdo abisma o mundo
a noite
o precipício
e o princípio de tudo

Salvador Passos


intervenção militar


se eu não comesse bem
não comesse fruta não salada
minha mãe minha tia minha avó meu tio
diziam todos em coro
menino vou te mandar pro exército lá você vai aprender

tinha pavor
do exército da marinha da aeronáutica
comi a infância toda mal como a porra
algumas coisas mudaram
outras não

Thiago Gallego


terça-feira, 4 de novembro de 2014

um poema de Amanda Milani


minhas veias estão
desencapadas
e o ponto onde está a
incisão
sangra poesia.
eu estou nua
como estive
pelos cantos do teu
quarto, desenfreado
escondido dentre
cortinas e lençóis
caros
como as palavras destemidas
protegidas
num diário
que eu nunca escrevi,
porque faltava coragem.

eu não aprendi a
lidar com o teu
corpo
ausente.
um pouco ao lado
e um pouco atrás
de onde deveria
estar,
sentado
numa cadeira
pra estudar
morrendo
sem nem ver morrer
devagar
nos intervalos de almoço

eu penso e
repenso e
revejo as
cenas.
no entanto
não posso
mudar o que
você fez,
ainda que
eu queira
poder
voltar atrás
como se a vida
fosse uma fita cassete
pra arranhar o
instante em que
você arruína
tudo.
e, ainda assim,
esse mural
de camurça
parece ser um
bom lugar
para recostar.
pra te ver
sozinho
na sala em frente
em diagonal
pondo a
cabeça
entre as mãos
que quase tocam
os joelhos.

num instante
me esqueço
da dor
e da
humilhação.
parece que
nem me importa mais.
mas não me permito.
quando finjo pra
mim mesma
que você talvez
possa
ser
tão profundo e
tão sensível quanto
eu te idealizei,
eu abro mão
de
ser
real.

(e a realidade é o que separa amar o você que idealizei de amar o abusador que você de fato é)

Amanda Milani

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O homem probo


todo homem que se solta
solitário pela vida
tem os ombros tensos
e não distrai o coração
sabe de si e não fala com estranhos
e se calado, dentro urge um leão

o homem probo conhece seus dotes e não é palavroso
pois se priva da fome ufana
aceita qualquer argumento
e não discute futebol
trabalha todo feriado e final de semana

todo homem que se presa
sede seu lugar para a senhora
não reclama se o troco está errado
nem incomoda a mocinha do vestido decotado

- oh deus , obrigado!
eu tinha tanta coisa pra dizer
mas eu fico satisfeito em ser travado...

Pedro Rocha

A caminho de Roma


Às vezes, temos de seguir em frente.
Solta a mão. Desfaz o abraço. Desapega.
Uma sombra aponta nosso futuro.
Como Creúsa libertando Eneias,
O passado nos liberta. Hesitamos.
Creúsa ficando ao fogo de Tróia,
Para Eneias poder seguir em frente.
Em nosso peito a mágoa que acorrenta.
Sentimos a dor de Eneias ­ o deserto.
Sozinhos, carregando uma lembrança
E a promessa de um distante destino.
Queimaram nossa cidade. Pra trás
Ficaram nossos amores. Em frente
Seguimos. Uma luz cinérea brilha
Em nosso peito e preludia uma Lua
Nova. O futuro, esse feixe de luz
Pequeno, dentro do presente escuro;
Uma rosa que nos cresce lá dentro
E que somente floresce depois,
Depois de fincar todos seus espinhos.

Alexandre Bruno Tinelli

ready-made no masp


disse o hispanofalante para a menina de 8 anos:
toulouse-lautrec,
uno de los grandes
pintores impressionistas
del siglo
18

estan todos muertos

Thiago Gallego

As grandes dores são mudas


As grandes dores são mudas. Eu vi escrito no braço de um senhor. Parecia antiga a tatuagem, estilo de cadeia, onde a pele enrugada absorveu e sugou toda a força da tinta azul, que agora é quase verde. Fiquei pensando no tamanho de uma dor que te faça gritar até cansar, a ponto de você imprimir na pele o berro, por não ter mais voz. Eu poderia fazer outra tatuagem, e não seria de flor. Escreveria no braço: as grandes paixões são mudas. O silêncio diz mais que as palavras. Seis horas da manhã, o alarme já está no sétimo ou oitavo soneca, não podemos, mas queremos muito ficar na cama ao invés de levantar, em alguns segundos pensamos em tudo que queríamos fazer e não poderíamos: os carinhos de bom dia, a transa que acorda o corpo, o banho junto, o café da manhã, o mel no queijo, e aí estaríamos preparados para tudo que a vida nos reserva na esquina seguinte. - Eu te amo, poderia falar pra ele toda vez que abro o olho de manhã, e vejo seu rosto iluminado pela luz que invade o quarto, as vezes só uma metade fica iluminada enquanto a outra é sombra, sempre sereno e bonito, a respiração alta e sofrida, até que em algum momento abre os olhos. Eles são mais claros e menores de manhã. É nessa luz que consigo enxergar os pequenos detalhes: o desenho dos olhos parece ter sido feito com pincel fino, as minúsculas pintas que parecem surgir no pescoço e no peito e os pelos loiros perdidos na barba escura. - Mas não falo, grito em silêncio, e acho que ele escuta. Eu falo muito, ele fala menos. Achei que não conseguiria estar com alguém que não fala, mas hoje prefiro mergulhar do que nadar na superfície. Estamos sempre dizendo. Nessa manhã, ele abriu os olhos e olhou o céu, como sempre, seu olho castanho fica com cor de tronco de árvore, os pelos das sobrancelhas despenteados, e é possível escutar os estalos do corpo com as primeiras alongadas do dia. Ele me olha, não sorri e não fala, só olha. Seus olhos são mudos como a minha paixão por ele. Com os rostos grudados no colchão nos olhamos na distância mínima que a visão permite sem distorcer a imagem. Puxo o travesseiro por cima de nossas cabeças, e já não estamos mais nesse mundo. Agora somos só nos dois, numa dimensão particular entre o colchão e o travesseiro. Nossas pernas se tocam e nossos olhos também, estamos longe, nas profundezas de um e do outro. Atentos ao que o silêncio diz. O soneca dispara mais uma vez, sentimos a volta antecipada ao mundo que naquela hora não queríamos estar. Talvez se apaixonar seja isso também: olhar nos olhos de alguém e ter certeza de que aquela pessoa pode te levar para outros mundos que não esse. Quando aterrissamos eu disse, ainda debaixo do travesseiro: se tivesse que te pedir em namoro, pediria aqui e agora. - mas não sei se essas coisas ainda acontecem - Ele me deu aquele abraço que nem o melhor ator do mundo conseguiria dar com tanta sinceridade. Nos agarramos e desgarramos no alarme do soneca seguinte. Para encarar o mundo naquele dia tivemos que parar de nos olhar. Toda grande paixão muda, reserva uma grande dor muda. E ambas passam como êxtase do canto de uma cigarra. Mas aquele senhor fez questão de não esquecer do dia em que escutou pela primeira vez uma cigarra cantar, e teve vontade de que ela nunca mais parasse. Depois que a cigarra pára de cantar, só se escuta o silêncio.

Carlos Meijueiro

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Sarau Plástico Bolha

É hoje! É hoje! Avisem aos amigos, irmãos, pai, mãe, tia... Compareça!




máquina de chilrear


eu não sei falar
a língua de ‘ocês
de tramas e podres

eu não sei falar francês
e o meu inglês
não é lá grandes coisas

eu sei falar

de coisas pequenas
e grandes homens
e belas mulheres

e sobretudo

sei manter o silêncio
pousar os olhos sobre os teus
sei fazer poema

poema besta de amor

Santiago Perlingeiro

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Última lembrança


Não suporto cheiro de cigarro. Pior quando um fedelho metido a malandro acende uma cigarrilha do meu lado. Que desrespeito! A gente comendo e a fumaça entrando na nossa saliva. Não há nada mais deplorável do que observar uma vida jogada fora. Que história! Não faz mal, não faz mal. Só porque não traga, dizem os ignorantes que esse negócio não mata. Nem adianta, comigo não cola. É claro que a nicotina fica retida no organismo e vai para o cérebro; li isso há décadas, quando ainda fazia faculdade de letras. Na festa de formatura, meu pai me deu um cachimbo. Cabo reto e cabeça arredondada. Aroma delicioso. Sabor café. Mas sempre preferi cigarro a qualquer fumo. Naquela época todo mundo fumava, mas fumava para dentro, não fumava para fora, como essa droga de cigarrilha. E eu exagerava! Eu só seria escritor se fumasse, se enchesse o pulmão de muita nicotina, como faziam os escritores. Essa droga relaxa e concentra. Li isso na época da faculdade. Então comecei a fumar desde muito cedo, quando ainda escrevia prosas poéticas para um jornal de poesia criado na faculdade por um estudante lá do departamento. Era Valter. Não, Viriato. Eu tinha vinte e três anos. Lembro, claro. Desde aquela época, eu fumava, na certa, para não morrer. Não, não tinha medo da morte. Tinha medo de não viver. Hoje fala-se em carpe... Desculpa, não sei grego. Perdão, é latim. Só queria aproveitar mesmo. Não queria chegar na velhice e ser condenado ao maior dissabor da vida: o esquecimento. Sim, é a morte da alma. Existe castigo pior do que viver sem memória? Os médicos começaram a falar sobre Alzheimer. Que droga seria minha vida se me desse um branco toda vez que pegasse a caneta. Que droga seria viver e esquecer. É, eu fumava sem parar. Fumava para não morrer. Não tenho medo da morte. Tenho medo de não viver. Até o dia em que descobri que estava sendo um idiota. Ninguém na família sofre de esquecimento, não seria eu o primeiro. Parei de fumar, da noite para o dia. Fui um imbecil durante um vasto período, que prefiro esquecer. Por isso, rapaz, joga essa cigarrilha fora e me deixa jantar sozinho. 

— Tá bom, vô, dá aqui a sua última tragada e vou embora.


domingo, 26 de outubro de 2014

um poema de Rafael Perez


chantagem emocional
pra cima do duque

a duquesa reza pelo cu do marido
ele já nem tanto, ri

de mentirinha
é o que faz de melhor

como é torpe a corte inexistente
torpe igual tudo que existe exubera

um vaso chinês é brega.

Leandro Rafael Perez

sábado, 25 de outubro de 2014

poema eleitoral


A mudança é o mote da manada
as cabeças estavam na praça e nada mudou
e dois ou três que não marcharam
e quatro ou cinco que subiram no mastro
puseram a mão assim fechando a testa
mas não viram nenhum céu
no redemoinho dourado brilhante,
gritaram o que já era
e o show da vida continuou.
Se desligassem, tinham visto:
a luz era tão forte que descegava
que óculos escuros nenhum, nenhum
que viseira nenhuma adiantava,
e viseira sempre foi meio ridículo mesmo
então não era isso que fez diferença,
só que quem subiu naquele mastro
pensava nas casacas old-fashioned,
nunca adiantou.
O caso é que se olhassem aquilo
eram vários raios retos de luz,
vários raios com relâmpago e trovão
trovando pro mesmo lugar do coração,
mas ninguém queria tempestade de verdade
e as outras pessoas só queriam proteção,
só que aquelas linhas tinham um nome
tinham umas letras pra chamarem
muda.
Mas ah...
as questões ambientais vivem lá no mar,
moram fundo, bem no fundo pacífico
ou enfiadas numa floresta tropical
ou perdidas na montanha mais alta do sul
na toca solitária de um animal
esperando seus dez anos pra sair.
Quando o dia certo da primavera chegasse
o capitão planeta ia descer o morro
e ia repetir a ladainha do futuro
tentando equilibrar as botas vermelhas
na mesma corda que enforca,
que gira-gira no ar da aldeia
e enlaça o bailarino da gente
do rodeio e da revolução.
Mas o dia ainda não veio
e agora só as duas cores do crepúsculo
não servem pra iluminar as folhas amarelas
e nem que todas as plantas fossem plantadas
que todos os ventos espalhassem
e as mãos cavassem buraquinhos
e a terra se fechasse pro seu céu chover
aquela muda viraria uma mudança.

João Milliet

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

variações sobre teresa



a primeira vez que vi
teresa foi como se
fosse a segunda
os seus dentes
retornando em si
bemol os seus
cílios se atentando
à notícia diária
da terceira vez que
vi teresa o relógio
da esquina marcava
sete e quarenta e
cinco da manhã

a primeira vez que vi
teresa não achei o seu
lóbulo direito quando vi
teresa de novo percebi
o seu estômago arroxeado
da terceira vez que vi
teresa ela acenou pra mim
do outro lado da calçada
e desapareceu pela rua
das laranjeiras

a primeira vez que vi teresa
uns ruídos se ergueram por
entre as paredes e, atentos,
estabeleceram uma dinâmica
de grupo para fins de pesquisa.
quando vi teresa de novo
os ruídos se apresentavam para
a banca e todos diziam que
o trabalho tinha sido em
conjunto.
a terceira vez que vi teresa
os céus se misturaram com
a terra mas os ruídos logo
disseram que isso era
cientificamente impossível

eu acho que nunca vi
teresa

Gabriel Gorini

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Completamente leiga


completamente leiga
na leitura
da sua língua

me embrenhei
por cada sulco
palavra

em cada carne
navalha

viajando
no céu
da sua boca

quantas estrelas
eu contei?

quantas letras
cantei?

não sei
fiz que não vi
de repente era poliglota

versada nos mais diversos
dialetos
de nós dois
mesmos

Elza dos Santos

sábado, 18 de outubro de 2014

"O EXTRA ADMITE OPERADOR DE CAIXA"

(versão 4)

eu vou além
admito professor
grevista admito
estudante
protestante
vândalas min
orias admito
até a arrogância
(ânsia)
e a internet
(et)

só não admito a polícia
militar limitar militar
a democracia cia
a espionagem agem
a dura dita dura
dita do
jornal
na-cio-nal

o jornal o jornal
admite admite
tão mais
que eu ou
Extra
extra

Thiago Gallego

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Uivo Carioca

(Ode à Allen Ginsberg)

I

Eu vi as melhores mentes da minha geração destituídas de insanidade, uivando a nua histeria, carregando pelos arcos da Lapa o sonho de uma droga moral, um justo entorpecimento pra sujeira que cobre as ruas dos garis alaranjados pelos uniformes que se tornaram pele,

que moldaram anjos que limpam nossos becos levando consigo o que deixamos para trás, da imundice que é o que estripamos de nossas consciências, deixando os serafins laranjas levarem nossos pertences, o passado que consumimos, os objetos que não somos mais,

que criaram rodas de samba formando fogo para uma noite fria e inóspista, rodeada pelo males que são as cabeças das figuras que caçam no breu de uma coluna entre copos de cachaça,

que sustentaram flamengos para provar que o tempo é cíclico e a alma um retorno aos seios de nosso amor, flamengo eu vi como você cresceu, flamengo eu sei que você nos mata nessa entropia sádica de se dizer bairro da gênese, nos oferecendo em sacrifício para um ou dois deuses que morreram em suas ciclovias,

que andaram tanto para provar que nada é como os arcos da cidade velha, que tombamento é só uma desculpa para apreciar infiltrações e que vimos como afogou nosso ímpeto quando entregou as chaves das nossas portas para os vampiros que se vestem de terno,

que sabiam que escarlate são os olhos dos cavaleiros que vimos correr em 17 de junho, que negra é a síncope que agora cobre meus cabelos como chuva, dos seios que não ousei desmamar, da forma como enviamos cartas para Minas Gerais procurando algum poeta que soubesse nos dizer algo significante,

que comprou uma TV no dia da bastilha do Congresso brasileiro, que viu sombras dançando nos telhados e parapeitos se fazerem generais, sonhando com o dia em que o ladrilho das gentes ia ser encrustado no enorme mosaico amoral das repartições públicas,

que amou todos como que se fossem a última encarnação de uma alguma entidade persa, perdida entre o desencanto do universo que a renegou ao esquecimento das padarias de Santa Tereza,

que tergiversaram ao ver as tolas asas da hipnose do abutre, quebradas entre verbos drummonianos do sempreamar, pluriamar, e mil e uma besteiras que nos venderam na dogmática da poésis,

que se entregaram à carta de uma amante de dez anos atrás, e assim ficou lá preso ouvindo os debates e pensando em votar em branco, assinando documentos com as mãos trêmulas  sem perceber que nem sua assinatura o define mais,

que quis plantar hortas comunitárias e assim o fez de fronte a um canteiro de obras que agora sujam suas preciosas frutas e hortaliças com pó de cimento e assim petrificam suas mãos, seus olhos, suas unhas tortas de mago citadino,

II

Que te fez se entregar ao louco encanto desse sonho vil?

Mefisto! Sujo pertencimento ao limbo nacional! Sujo real e imoral!

Mefisto! O amor destituído da razão! Nobre encárcere das almas pensantes!

Mefisto! As crianças que aterrorizam a noite levando sonhos em bandejas do Habib’s!

Mefisto! O prazer de gritar no trânsito e buzinar, buzinar, buzinar! A contradição dos motores e das blitz arbitrárias que param todo movimento!

Mefisto! Carne e fantasma dos nossos falsos irmãos e do monarca urbano! Falsa moeda de troca para comprar televisões e ver o congresso ruir! Falsas máscaras negras que entoam cantos anárquicos da Rússia!

Mefisto! Onde nossas janelas encontram a negra faceta da falta de propósito! A fogueira que tanto nos oferece luz como queimaduras! A fogueira que não purifica, mas arde o sol de nossas vidas!

Mefisto! Todo capital investido em investimentos seguros de longo prazo! Todo dinheiro que pensa no amanhã, nas nuvens, no cósmos e na adoração pela clarividência!

III

Meu amor! Estou com você no Rio

onde você deve estar sentindo a fadiga

Estou com você no Rio

onde nada corre além do vento dos mares

Estou estou com você no Rio

onde os frangos ainda giram sem parar nas televisões

Estou com você no Rio

onde a pedra portuguesa me faz sentir imperfeito

Estou com você no Rio,

onde o ônibus me obriga a ser espectador

Estou com você no Rio

onde um dia olhamos pra nossas íris na simetria pirotécnica dos nossos crânios em chamas e nos
chamamos de humanos, seres e anjos

Estou com você no Rio

nos meus sonhos rimos e choramos e continuamos acreditando que as rachaduras no asfalto são mapas do mundo, donde saímos pros bares da vida sem sequer saber dançar

João Daniel de Carvalho




Menina, seu corpo é poesia

À linda Nina

Menina de olhos negros e profundos,
O seu corpo, ele é prosa, é poesia,
É a vida que anda nesse nosso mundo,
É transformar tristeza em alegria!

É o sonhar inteligente e fecundo
Das visões brilhantes e luzidias,
É o dizer das palavras para o mudo,
É o surdo escutar, rindo, as sinfonias!

E então me traz com seu lindo sorriso,
Que se abre contente ao leito do mar,
O encanto e a surpresa e o sorrir do riso

Que se estende em meu juízo ao lhe olhar!
É um sonho que hoje enfim realizo,
É um sonho que vai se realizar!

Guilherme Ottoni

terça-feira, 14 de outubro de 2014

2 poemas de Clara de Góes

i

A poesia não é triste nem alegre
nem pesada ou leve
a poesia é de passagem, avara
de tempo, cria um cinto de solidão
à sua volta e sucumbe
ao olhar que vai embora.:

ii

O poema me constrange à vida
o poeta me conduz, à cama
a saudade restitui-me ao canto
e o veneno faz do risco
aurora.

Clara de Góes

LUZISOLES


queridolhos encantamorados
caminholindo passopertado
carreganhando os olhos teus
brilhoriso andaluz
luzisoles faroletes
amorolhos são os meus

Ana Noronha

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

querida


tua leveza incomparável
semeada no ventre da
natureza mais dócil
abriga as dores do mundo
os calos, a eternidade
e os suspiros de todos os corações
dessa humanidade irrevogável
tu a carregas,

carregas-a com o peso do mundo
sobre teus ombros cansados
insaliente fardo azul maleável,
leveza insustentável

Bruna Lumack

Paradigma


passarinho na mão
ou dois voando
dois amores
em ilusão
ou um amor
amando
mais um sim que é tão sim
que se esqueceu e virou não
mais ou menos, meio que te esperando
essa eternidade nos teus olhos voando
vai ficar pra quando?
se ela tiver em falta
me dá troco pra cem?
aceito ações em alta ou cartão
tua alma na minha mão
meu bem
ou quem sabe
teu coração

Guilherme Bacchin

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Lançamento, Bizarros e Solitários, de Guido Brasil


Você, caro leitor, está convidado a participar da festa de lançamento do livro 'Bizarros e Solitários', de Guido Brasil, em parceria com a editora Organograma Livros. Será uma honra tê-lo conosco na consagração de mais essa parceria de sucesso!



quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Enconderijo


Vento. Frio. Inverno. Tudo passa e aqui dentro um turbilhão de emoções se constrói. Aquela menina temerosa está deixando esse coração em busca de aconchego. Ela quer proteção, procura refúgio em um lugar aquecido por carinho. Do lado de fora, os muros da cidade vão construindo a mulher de ferro. Aquela que não tem medo, pavor ou temor. Mas por outro lado, não tem sentimentos, ou pelo menos, os esconde muito bem para mim. Enquanto escrevo à caminho da Escócia não vejo final feliz para ela. Perdida dentro de si mesma. Parece tão obscuro o caminho que percorreu, a direção de sua vida. A mulher refugiada aparece somente quando suas emoções vacilam. Ela sofre. Dentro dela o inverno é constante e eu tenho vontade de acolher aquela menininha, mas tenho medo do metal e dos espinhos que cercam a mulher.

­ Janeiro de 2014, em algum lugar em um trem no Reino Unido

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Trechos de um diário de viagens pelo norte do Brasil II


O povo daqui é meio sério, meio “ar de preguiça”. Todos muito gente boa. Dão direções e indicações. É só fazer uma pergunta que logo uma conversa se forma. Mas o rosto costuma ser sério e a fala preguiçosa, por isso quase não entendo e tenho que perguntar de novo. Mas minha impressão é de que eu que pergunto com as palavras na ordem errada. E talvez o rosto sério seja por tentarem entender minha pergunta. Há um esforço sincero e simpático pelo entendimento, somos brasileiros.
A tal da preguiça na fala deve ter alguma coisa a ver com dormirem em redes. Já estou contaminada.

(...)

Sai mosquito!
Que essa rede não te pertence

Ontem a chuva foi laranja aqui no Marajó

(...)

Hoje fomos para Araruna. Fomos de bicicleta até a balsa que leva a Soure. Chegando em Barra Velha atravessamos na canoa nós e as bicicletas. Só ouvíamos o vento e os pássaros ao longe. De um lado, o rio que parece mar; do outro, mato. Ser empurrado pelo vento a favor na bicicleta é uma delícia depois do esforço de ir contra ele. O reflexo das nuvens na areia molhada é lindo, como pedalar no céu.

(...)

Subindo, o rio Amazonas vai ficando estreito, a mata mais próxima. Há vários moradores de beira do rio em suas casas de palafitas. As mães e suas crianças se aproximam do barco em canoas. As crianças gritam um coro desconhecido, como animais esfomeados. Algumas pessoas do barco jogam sacolas bem fechadas contendo roupas, comida e não sei o que mais. É uma visão bonita, curiosa e corajosa, mas ao mesmo tempo tão forte. Tiro fotos e sinto o peso da beleza na pobreza.

(...)

Terminei o livro de Bernie Krause com uma intensa tristeza da devastação que com nosso “progresso” ilimitado provocamos à natureza. Chega a ser irônico estar nesse barco, entrando na floresta Amazônica. Minha vontade era contemplar a musica da natureza e lidar com meu silêncio interior. Mas aqui todos berram música machucando os ouvidos de qualquer um. O som abafa e não acredito que chegue à floresta; mas penso no impacto fora e principalmente embaixo do rio com o barulho do próprio barco. Se para mim é tão barulhento, imagina para os animais dentro e fora d’água. Esperava ver mais da natureza beira-rio e não duvido nada que isso esteja relacionado. O choro fica preso e me sinto culpada pois também estou dentro dos aviões que sobrevoam paisagens naturais impedindo suas biofonias locais. O quanto nos prendemos a necessidades inúteis... Criamos necessidades para criar utilidades em inutilidades.
E dentro do barco um gorila macho alfa sem camisa e crucifixo de madeira no pescoço impõe seu tráfico de drogas. Cada gorila em seus galhos faz mais balbúrdia que os outros. Fico quietinha no meu, tentando fazer alguma diferença.

(...)

Fumamos um todos juntos, dez dias sem fumar nem beber fazem diferença no corpo. O lugar, as palavras e a música me levam de volta ao chá. O dia de hoje é uma preparação para a consagração de amanhã. Tudo faz sentido.

(...)

Sinto que o que escrevo é bem mais ralo do que o momento que desejo retratar. Mas contanto que o escrito me leve de volta àquele sentimento o ato já vale por si.

(...)

Sentada na cadeira de praia de marca “mor” pela segunda vez, vendo o fim do dia na clareira. Aqui as cores vão mudando e escrevo com o último resquício de luz do céu. Me sinto bem. Com vontade de ficar em silêncio, embora tenha conversado o dia todo e, o mais difícil, em outra língua. Sanne é ótima e nos aproximamos muito.

(...)

Demorei para querer fechar os olhos. E só a decisão de querer a segunda dose já pareceu corajosa para mim. É preciso coragem para querer entrar mais ainda dentro de si. Não sinto que resolvi muitas coisas, não estou tão cansada, talvez não tenha trabalhado tanto. Mas me conectei com a natureza, com os sons, com o ventre materno (como quero ser mãe!), com os guardiões da floresta, com o amor pelas pessoas. As primeiras estrelas surgem de novo.

(...)

Sanne está partindo. Os meninos estão na cháoca e ela fumou um cigarro atrás do outro sempre dizendo que partiria no próximo. Ficamos tão íntimas em tão pouco tempo. Falamos muito, mesmo sendo gostoso ficar calado pós chá, a conversa fluiu. E os silêncios, quando vieram, não foram constrangedores. Nunca vou saber exatamente a busca dela, mas de alguma forma ela se curou. Aqui, ela lembrou das florestas perto da cidade dela na Holanda, onde os ciganos ficavam. E como tinham muitos cachorros e apanhadores de sonhos pelas árvores. A special place not so different from here.

(...)


Essa cobra dourada dançando é o Tapajós se pondo.

(...)

Luísa Pollo (parte I)

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Dentro de Ariane


As coisas não poderiam estar melhor entre nós. Agora eu moro dentro de Ariane. Depois que eu passei a morar dentro de Ariane, tudo ficou mais calmo. A paz é constante e o silêncio se ouve lá de fora. Está tudo bem mais seguro. Ela diz que é porque agora eu sou um novo homem. Ela diz que depois que eu passei a morar dentro dela, que ela não sente mais a falta das pessoas que já se foram. Dizem, e eu não estou aqui para negar, que quando se perde alguém, perde-se também a esperança. E estar dentro dela lhe fez sentir tudo de novo. Nos divertimos à beça. Ariane dá gargalhadas, quando lhe faço cócegas por dentro. E eu fico todo bobo! Esperei por isso há anos. Ela me diz que quer ouvir coisas bonitas saindo de dentro dela. Eu digo: meu bombom de chocolate com recheio de coco. Sorvete de queijo com doce de leite. Minha delicinha. Minha riqueza. Meu pitéu. Minha coisinha. Coisinha de louco. Agora sou eu quem a enche de expectativas. Esperança de gol em reprise de futebol. Balão de gás que dure para sempre. Três partes iguais de raspadinha. Não poderíamos estar melhor. Dentro dela não há frio. E a chuva nunca incomoda. Sempre que há calmaria, ela repousa as mãos sob os seios e conversa comigo:

— Existe alguma coisa que você ama?
— Amo você, Ariane.
— Quanto?
— Muito.
— Desde quando?
— Desde sempre.

('Dentro de Ariane' faz parte de uma série, da qual já publicamosa 'Ariane com asas')

domingo, 5 de outubro de 2014

Cor e som


Acendo o cigarro e apago o sol.
Na rua mil passos e mil casos:
a mais nova universitária ri em meio a muitos colegas — não vê tanta graça, mas vê
muita necessidade;
o garçom se abana pra fugir do calor do inverno — odeia aqueles moleques, vê uma
cerveja aí;
o estagiário da grande empresa não ouve o que os amigos falam — pensa no
boné que usa para esconder a calvície precoce, bomba é trocar cabelo por
músculos;
os maconheiros se amontoam nas esquinas, sempre do lado oposto à mão dos
carros. Fumam e pensam mil coisas. Fumam e esquecem mil e uma coisas;
o indigente tenta conversar com os maconheiros — ele diz ter nome, mas para
não ser indigente não basta ter nome, é necessário pessoas que saibam seu
nome;
o dono discute com o que tentava fumar dentro do bar — vou tomar multa, vou
tomar multa;
o vendedor de amendoins tenta vender amendoins, e quem sabe algumas histórias
também;
o casal briga — ela sabe que não se importa, ele sabe que só se importa com ela;
a garota (tão bonita ela, gente!) se exibe. Ah, como gosto dos olhares!;
o cachorro tenta arranjar uns restos de alguma mesa — de qualquer uma, qualquer
resto, e se possível, de todas todos;
o DJ bota as músicas escolhidas a dedo, durante três madrugadas muito
trabalhosas (ninguém dá a mínima, entretanto);
a bêbada (ela sempre fica bêbada rápido e passa vergonha) vomita e chora ao
mesmo tempo. Até sabe porque vomita, mas o porquê do choro se alterna a
cada fração de segundo;
os policiais olham os maconheiros, e os maconheiros fogem do olhar dos policiais
— quem eles acham que enganam?;
o pai procura a filha — ela falou que ia ficar na casa da amiga, ela vai ver!;
a filha ri ri ri bebe bebe bebe e vê o pai. Corre. Some;
o irmão vai pela primeira vez a um bar — não para de sorrir. Nem gosta muito do
bar, mas ficou tão feliz por sua irmã ter chamado!;
a irmã pede para que os amigos maneirem nos papos enquanto seu irmão vai ao
banheiro — ai, por que chamei ele?;
eu olho, e vejo meu corpo misturar-se à noite.

Sou olhos e ouvidos, sem língua e sem mãos.
Engulo o mundo sem mastigar, e a cada vez sinto-o mais indigesto.

Damiens

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Anúncio de jornal


por Leonardo Ferrari


não sei se te amo
ou se te odeio
logo eu
que fugi sempre
ao encontro
que sonhei sempre
o momento distante
que esperei sempre
o dia em que diria
enfim
agora
não veio
veio você
silenciosa e meiga
e discretamente me disse
nada
nunca
será
mais real
do que esse exato instante
como naquele sonho que eu tive
e não te contei
em que havia um mar
cuja água não passava
nunca do joelho
e era impossível mergulhar por inteiro
como naquele sonho
estamos aqui
eu e você
e aquele sentimento de que
ficou alguma coisa
de fora mas não
tudo
é só
isso
tudo
não sei se te amo ou se te odeio.

Felipe II

terça-feira, 30 de setembro de 2014

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Pássaros


Que me dizem, pássaros?
Esse leve balançar que nos cedemos
é desencontro ou só
um longo outono sem mar?

Esqueci de voar esses dias,
minhas asas encontram-se
tão tímidas! Esquálidas,
sem o que amar.

Nosso vôo, queridos pássaros,
é ternura suspensa, algo como
três séculos de tristeza, quiçá?

Dos edifícios que entorpecem
as mentes, os corpos, derretem.
Somos pedras tentando voar?

João Daniel de Carvalho

sábado, 27 de setembro de 2014

"Por..."


Por um papa negro,
Por um prof funkeiro,
Por um Buda magro,
Por um Jesus viado,

Pelo tráfico de tabaco;
Pela overdose de álcool;

Pelo filho do aborto;
Da mãe que se envolveu com outro;

Pelos crimes impunes;
Pelos Sambas e batuques;

Pelo povo analfabeto;
Pelo cidadão sem teto;

Por futebol sem bola;
E o pirralho a cheirar cola;

Qual é sua raça?
Sua raça é humana, por incrível que pareça a mesma do povo sem grana.

Está tudo errado!
Está tudo falho!
Tenho medo do Acaso...
Do Descaso...

Naiara Raposo

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Fractal de Mandelbrot

(Prêmio Paulo Britto - 3o lugar - Prosa)

Certo dia — um dia comum, sem nenhuma característica especial —, andando sem rumo por ruas e portas, entrou sem motivo em uma livraria qualquer. Andava lentamente, observando sem interesse a vastidão de livros expostos. Um muito particular, entretanto, chamou-lhe a atenção. Chamava-se Fractal de Mandelbrot. Um nome incomum para um livro, especialmente naquela livraria qualquer. Não conseguindo resistir à curiosidade, pegou-o e, após o encarar demoradamente, buscou a primeira página e começou a ler.

“Certo dia — um dia comum, sem nenhuma característica especial”, começava. Por muito tempo leu, talvez para sempre, ou quem sabe durante apenas um instante. “Imaginava as possibilidades, mas tentava, sobretudo, entender.” A narrativa, enfim, terminava.

Ao fechar o livro pensativo, continuou muito tempo parado, distante, antes de devolvê-lo ao seu lugar em uma estante qualquer. Mas não conseguira abandonar as dúvidas com a obra. Imaginava as possibilidades, mas tentava, sobretudo, entender.

Leonardo Ferrari

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

heróico

(Prêmio Paulo Britto - 3o lugar - Poesia)


não um homem de Homero – plano –
mas um Aedo a cantar meus feitos
não ter Musas, ter desenganos
ter direito ao que está no peito
não importa ser de guerreiro
importa que seja de humano

ser um homem mais mundano
amar eu mesmo do meu jeito
buscar em mim o próprio plano
plano que é meu – só meu – direito
recusando de Zeus o trejeito
recusando todo o inumano

viver – construindo meus defeitos
morrer – destruindo meus enganos

Alexandre Bruno Tinelli

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Dormir pra quê?


Se o viver, o sentir, o estar, o criar
falam tão mais alto...

Gritam!
Exaltam!

E por fim, no cansaço
renunciam às próprias vontades.
Se depois de cumpridas suas funções,
já tranqüilos,
acabam por adormecer
mesmo inconscientemente
se entregando ao sono, a Somnia;

Porém, cuidado: Inconstâncias hão de aparecer no caminho dos sonhos

João Duarte

um teste

(Prêmio Paulo Britto  - 2o lugar - Poesia)

ontem à noite comecei a ler o livro novo da marília garcia
um teste de resistores
comecei a ler pelo último poema
a poesia é uma forma de resistores?
comecei a ler pelo último poema porque já tinha ouvido uma versão dele
lida pela marília na casa de leitura dirce côrtes
no humaitá
e tinha vontade de ouvir de novo
acontece que quando li o último poema
a poesia é uma forma de resistores?
não era a minha voz na minha cabeça
que lia o poema
era a voz da marília nos encontros
da casa de leitura dirce côrtes
e hoje no ônibus quando comecei o primeiro
poema e o que vem logo depois dele
ainda era a voz da marília na minha cabeça
fiquei fascinado pela ideia de ler com uma voz e um ritmo
tão diferentes do meu
fiquei fascinado e imaginei que todo o livro seria isso

desci do ônibus pensando com aquele ritmo aquela voz e escrevendo com eles
também
passei o dia assim

ao contrário do que eu esperava
conforme avançava
no anfiteatro da puc
em outros dois ônibus
a voz na minha cabeça foi se tornando um híbrido
entre a da marília e a minha
ora era como eu e quase só eu
lendo
ora era a marília
mas na maior parte
um dueto

escrevo com algum medo de que soe uma tentativa
de imitar texto tão vivo
ainda assim escrevo
num híbrido algo tosco
de vozes
porque acho bonito
muito bonito
quando uma coisa dessas
um ataque direto do poema no corpo
feito bactéria
acontece

Thiago Gallego

sábado, 20 de setembro de 2014

aos teus pés


Existe coisa mais de menina, que tirar foto dos pés? Aqueles dedinhos fininhos, enfileirados, salientes; as pernas e a coxa de moça em formação vão se afinando lá embaixo, sugerindo o infinito. A fibra rija de fruta da estação se perdendo na penumbra da distância da mudança de foco. As lentes digitais não captam, mas eu bem sei aqueles micro-pelinhos loiros, cobrindo toda a pele como um jardim sutil. Nem a Canon nem a Nikon registram seu cheiro seco de flor ressecada entre páginas de um caderno. Ou aquele dos saches perfumados do seu armário. Nada disso sai. Então, por que será que me lembro tanto de você vendo esses mini-dedinhos lá no fundo do fim da foto? Eu intuo de você tudo, a partir dessas duas pernas, desses dez dedos. Tudo que não está lá. Eu não tenho dimensão do seu tamanho. Não sei a distância que a fibra percorre do quadril à sola. Não sei quanto você calça. Seus pés não são reais, são dois, barrocos e consoladores, insinuando paz onde há só guerra. São um alento religioso. É isso: eu tenho fé; eu tenho fé nos teus dedos de moça. Nas unhas pintadas do pé, que eu sempre achei uma futilidade. Sou pura fé e entrega e estou sempre estive a teus pés.

César Sampaio

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O vendedor

(Prêmio Paulo Britto  - 2o lugar - Prosa)


Começou por vendê-las na praia, anunciando-as bem alto, com seu pregão seco e rouco: CACETADAS! Vendo cacetadas. E causava estranhamento na reserva do recreio. Como era de se esperar, não vendeu nada no primeiro dia, nem no segundo, tampouco no terceiro... mas no quarto dia, ao cair da tarde, hora em que as pessoas de bem começam a retornar às suas casas, energizadas de sol, ouviu o chamado, em um carregado sotaque lusitano: dai-me uma gajo, mas desejo recebê-la entre as nádegas, de modo que o som chegue estalado aos meus ouvidos, pois é assim que a aprecio. E abaixou a sunga, deixando à mostra as bandas embranquecidas. O caceteiro aproximou-se do cliente e com ares de digno profissional cravou-lhe uma bofetada. Serviço prestado, o homem estendeu a mão e disse “são 10 reais”. O galego olhou-o surpreso, procurando intenções libidinosas, e quando não as encontrou enfureceu-se! Ora seu paspalho, então és louco, é isso que és? Estás a vender cacetadas como se fossem queijo coalho e por isso queres recompensa? Ora vai-te a ver se estou lá na esquina! O caceteiro suspirou profundo, como se pensasse “mais um caloteiro”, e replicou monocórdio: eu vendo um produto de qualidade, sou um profissional dedicado e lhe ofereci a melhor cacetada do mercado. Ou recebo meus 10 reais ou chamo a polícia. O galego perscrutou o vendedor dos pés à cabeça. Em fração de segundos, sondou-lhe o vigor físico, caso escolhesse a violência como saída, e analisou-lhe o semblante, procurando traços de loucura que justificassem o comportamento inusitado. O caceteiro era forte, mas não aparentava loucura alguma, e o português, ainda irritado por ver frustrados seus impulsos carnais, resolveu levar o impasse às mãos da justiça: “chamemos a polícia”. Pararam a viatura, desceu o policial. Bom dia “cidadões”, em que posso servi-los? O caceteiro abriu a boca, mas o galego tomou-lhe a frente. Este gajo ensandecido esta a vender cacetadas em plena praia. Sim, e esse senhor as comprou, mas não quer pagar. Ora pois, mas que não pago mesmo, onde já se viu pagar para levar cacetes. Se não gosta do produto não comprasse. Tu és um louco, demente e... “peraê, peraê”, vamos com calma, interrompeu o policial, não “tô” entendendo nada, porra. Fala um de cada vez.

 O caceteiro ergueu a mão e com tal autoridade que o bravo lusitano se calou. Então, expôs assim seus argumentos: senhor policial, sou um humilde vendedor autônomo, cegamente respeitador da lei e da ordem, que acordou às 4h da manha para chegar aqui, tomou um ônibus, um trem e uma van e está desde cedo na labuta. Este senhor comprou o meu produto e, após tê-lo consumido, recusou-se a pagar. E o policial perguntou: e que produto você vende, rapaz? Vendo boas cacetadas. Como, rapaz? Cacetadas, cacetadas de vários tipos: estaladas, em concha, cascudinhos; fortes, médias e fracas; uma, duas, ou a sessão. Cacetadas... , murmurou o policial, sei..., e por acaso o cidadão tem licença para vender tais cacetadas? Como tenente? Vou repetir, cidadão, POR ACASO O SENHOR É CADASTRADO PELA PREFEITURA, LICENCIADO PELO ESTADO, QUERO DIZER: O SENHOR TEM ALGUM DOCUMENTO DANDO PERMISSÃO PARA VENDER CACETADAS NESTA PRAIA? Nã, não senhor, na verdade eu não sabia que tinha que ter licença pra... Então o cidadão se diz um profissional autônomo, arrota profissionalismo, mas vende seu produto na ilegalidade? O português fazia uma força tremenda para manter o silêncio, enquanto se deleitava com a situação difícil em que se encontrava o caceteiro, até que, não conseguindo mais se conter, destilou o lusitano veneno: prenda logo este gajo safado, seu policial, não vês que não passa de um matungo, um sacripanta, um velhaco da pior espécie, a vender produtos que ninguém em sã consciência venderia e a extorquir vultosas somas de dinheiro de pessoas de bem!?

E foi assim que, sem que o galego se desse conta, suas palavras salvaram o caceteiro, funcionando como um taser paralisante descarregado sobre o homem da lei: “vultosas somas de dinheiro, extorquir pessoas de bem, produto que ninguém vende”, e as palavras ressoavam como um mantra girando em torno à cabeça do tenente, que olhando os próprios olhos, de dentro para fora, percebia aquela faísca de luz que conhecia muito bem... e indagou ao caceteiro: quanto custa exatamente a cacetada? Bem, senhor, depende da modalidade. Mas, grosso modo, cobro 10 reais se for uma cacetada única, 20 se for dupla, e 30 a sessão completa. Hummm, resmungou o policial, e quanto você imagina que poderia cobrar por uma cacetada com um porrete legítimo de um homem da lei? Bem, capitão..., tenente, retrucou o oficial, mas com essa eficiência chegará em um instante a capitão, sorriu o caceteiro (e o tenente, pela primeira vez, sorriu de volta), bem, como eu dizia, creio que uma cacetada bem dada com um material de qualidade como o do senhor, artigo raro no mercado das cacetadas, poderia chegar a uns... 50 reais por nádega!

 O policial refletiu, refletiu e com ar austero sentenciou: olha, caceteiro, num primeiro momento pensei que o senhor fosse um desses que acha que pode exercer seu trabalho da forma como quiser, fora dos regulamentos da ordem e da lei, e minha intenção era conduzi-lo à delegacia para averiguação. Só que, durante nossa conversa, percebi que o cidadão é um profissional competente, que conhece profundamente seu metiê e, por isso, merece uma segunda chance. Afinal de contas, que policial seria eu, se não garantisse ao homem de bem a chance de ganhar o pão da família com o suor de seu rosto, não é mesmo? Portanto, tenho uma proposta justa a fazer à sua pessoa: darei permissão ao senhor para vender suas cacetadas aqui na minha praia, além disso, garantirei sua proteção, a exclusividade de vendas em toda a reserva e, ainda por cima, emprestarei meu cassetete para que o senhor trabalhe durante a madrugada, contanto que esteja pontualmente aqui às 5h da manhã, já que a revista da tropa é às 6h e eu preciso me apresentar ao batalhão com meu cassetete nas calças. Por fim, em troca de todos esses favores que prestarei ao senhor, o caceteiro dividirá comigo os ganhos da sua atividade, 50% a 50%, pagamento semanal, que aceitarei apenas para não fazer desfeita à sua demonstração de gratidão. Espero, sinceramente, que o senhor compreenda a generosidade de minha proposta, arrematou o valente soldado, dando leves pancadas com o bastonete na palma da própria mão. O senhor compreende, não compreende, cidadão?


Claro coronel, claro que sim, podemos começar agora mesmo essa promissora parceria, o senhor só terá de me ensinar como usar o cassetete, pois não tenho experiência com tal ferramenta de trabalho e, atento que sou à qualidade de meu serviço, necessito saber utilizá-la com a maior proficiência técnica possível. Nisso, o português, que contrariado com o rumo da conversa preparava-se para partir, levantou-se subitamente da pedra em que se sentara e, quase aos berros, intrometeu-se no diálogo dos dois homens: se os senhores acharem de bom alvitre, posso servir-lhes de cobaia para os testes, desta feita colaboro, a um só tempo, com a lei e a educação deste país, que tão bem soube me dar e receber! E enquanto discursava já se foi aproximando da viatura, abaixando a sunga e deixando à mostra a bunda alvíssima, algo carnuda, que mais parecia um pequeno urso polar de pelúcia. O policial, então, de imediato, sem sequer agradecer-lhe o oferecimento, tira o cassetete das calças, ergue-o perpendicularmente às nadegas do português e desfere uma pancada no felizardo que, a esta hora, já estava devidamente de quatro, com as mãos apoiadas no veículo, os braços esticados para a frente, a sunga arriada nos joelhos e o bumbum empinado para a lua (a qual, por sinal, brilhava cheia e sorridente como a bunda do galego). O tenente, ofegante, com uma centelha faisquenta entre as pupilas, recupera a muito custo o autocontrole e transmite o bastão ao caceteiro, agora casseteiro, que, apropriando-se da ferramenta e com o semblante impassível de um cirurgião suíço, imita com precisão, dessa vez na nádega direita do patrício, o golpe certeiro que havia apreendido com o novo sócio. Ambos, então, satisfeitíssimos com a promissora sociedade e, poder-se-ia mesmo dizer, empolgadíssimos com a perspectiva de ganhos futuros, apertam-se as mãos com a firmeza dos empreendedores, enquanto que o português, ainda em estado de transe, com rosto e tronco estatelados sobre a viatura, repete, como que numa prece, a enfadonha ladainha: oh minha senhora dos cacetes, abençoe esta terrinha benfazeja, ô terrinha; oh minha senhora dos cacetes, abençoe esta terrinha benfazeja, ô terrinha... oh minha senhora dos cacetes, abençoe esta terrinha benfazeja, ô terrinha...

Gustavo Sant'Anna

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Os matadores

(Prêmio Paulo Britto  - 1o lugar - Prosa)


Esse tipo de briga era comum na Escola Munro. Um garoto deu em cima da namorada de outro garoto, que veio tomar satisfações com o primeiro. Naquele tempo os conflitos ainda eram resolvidos no braço. Na hora da saída juntava uma penca de estudantes na pracinha para assistir ao combate. Às vezes vinha até gente de fora. Chegava mesmo a rolar uma banca de apostas.
                A coisa estava feia para o lado de Rico D’Ambrosio. Cinco atletas da equipe de futebol se apresentaram para prestar solidariedade ao capitão do time. Mas Rico, o tal primeiro garoto, era abusado. Nos poucos intervalos do massacre ele buscava ânimo, não se sabe de onde, para lançar, assim, meio de perfil, um sorriso amassado para Alice, valioso objeto em disputa. A menina correspondia discreta enquanto os mini gangsteres voltavam à carga, cada vez com mais disposição.
                Giovanni “Grandalhão” Santini não tolerava covardia. Ao presenciar o magrelo encarando o grupo inimigo sem titubear, resolveu comprar o barulho e equilibrar a balança. Juntos conseguiram derrotar os oponentes, botando os meninos para correr. Desde então, se tornaram um só (e seria assim por muitos anos ainda). Rico, a cabeça, Grandalhão, o muque, e Alice, o coração.
                Moravam todos no mesmo bairro, ao norte do município. Os rapazes iam se virando do jeito que dava. Pequenos delitos aqui e ali os apresentaram a uma variedade de reformatórios. Aos poucos a dupla foi conquistando respeito, se enterrando alegremente no submundo local.

Ela costumava ficar de frente para o espelho saboreando as provas do vestido reformado, que fora da mãe e antes disso da avó, enquanto repetia incansável em voz alta: Alice D’Ambrosio, Alice D’Ambrosio. Era tempo de substituir o Lofredo original pelo outro, que julgava sonoro, ao menos mais elegante que o surrado nome de família. Grandalhão foi o padrinho.
Engravidou na primavera. A espera pelo herdeiro encheu de alegria e entusiasmo a casa recém comprada, fruto dos lucros que começavam a nascer das atividades do companheiro na organização. Foi nesse período, talvez um pouco antes, que o marido passou a ser chamado de Rico Três Olhos. O apelido fazia referência à assinatura profissional: Mandava suas vítimas para o inferno com um único tiro, certeiro, bem no meio da testa.
Grandes sacos pretos, recheados de folhas secas, ficavam esquecidos no fundo do quintal. Foi ali que Rico jogou o trenzinho de madeira, presente de boas-vindas para o rebento, ao sair batendo o portão. Não se deu ao trabalho de nem mesmo desembrulhar. Recolheu de volta ao regressar para casa de madrugada e trancou no armário do sótão. O novo enxoval, comprado às pressas pela avó, também não combinava com a decoração, trabalhada em diferentes tons de azul, que o pai preferiu manter. Alice acostumou-se a testemunhar solitária as gracinhas que a bebê a cada dia lhe ofertava sorrindo, enquanto Três Olhos se envolvia mais e mais com o trabalho e as distrações da rua.
Havia um assunto delicado que precisava ser resolvido na região próxima à zona portuária. Uma família, responsável por outra área da cidade, vinha fazendo seus negócios por ali. Eles bancavam os surdos, apesar dos conselhos encaminhados, e, certamente, buscavam aumentar sua fatia do bolo. Prenúncio de guerra. Como se dizia naquela época, os soldados estavam armando os colchonetes. O velho par Três Olhos-Grandalhão foi, mais uma vez, convocado para a linha de frente.
A missão era apagar um bem colocado membro da facção adversária. Depois de horas de tocaia o alvo surgiu no beco, como previsto. Acontece que algo deu errado e Três Olhos acabou preso. Tudo indicava se tratar de uma emboscada. Alguém abriu o bico e isso não era coisa que se perdoasse. Grandalhão observava impotente toda a cena, de uma distância segura.
O acordo com o promotor previa o seguinte: Rico entregaria todo o esquema da corporação em troca de liberdade. Seus comparsas foram caindo um a um. Só o Grandalhão fora poupado.

O letreiro piscava torto o nome do estabelecimento: NEST’S. O E e o R iniciais haviam caído há tanto tempo que os moradores da vizinhança já tinham se acostumado a chamá-lo assim. A garçonete limpava o extenso balcão do bar como se não tivesse mais nada para fazer. Era tarde quando os dois forasteiros entraram fazendo a porta ranger, jeito peculiar de anunciar uma chegada.
Bom dia, rapazes! – disse a funcionária ultra animada.
Bom dia? Tá escuro ainda. – um dos homens, o jovem, respondeu mal humorado.
Passou da meia noite já deixou de ser ontem, não te ensinaram isso na escola, não?
Bom dia. Tem como você ver dois cafés para nós? Meus ossos congelaram com esse vento lá fora. – esse tinha um jeitão de chefe.
Café... ô, Grandalhão, vamos executar logo o serviço. Se a gente se apressa ainda dá pra pegar o almoço na cantina do Luigi.
Calma, garoto, você é muito afoito. Podemos muito bem saborear as delícias locais antes de amanhecer. Ainda mais servidos por questa bella ragazza. Na vida tudo tem seu tempo.
Tá certo, tá certo. Diz aí, Gatinha, qual é o seu nome mesmo?
Ricarda.
Ricarda? Isso lá é nome que se apresente? Parece que seus pais não gostavam muito de você, acertei? Mas, peraí um pouquinho. Não é isso que tá escrito aí no crachá, não.
Maria é meu primeiro nome, homenagem à nonna. E se você já tinha lido, perguntou por quê?
Estava só puxando conversa.
Vocês vêm de onde?
Da capital, ora essa.
Sabia! Têm pinta mesmo de cidade grande. Meu sonho é sair desse buraco.
O namorado vai chiar, hein, Gatinha.
Vai não. Aqui só tem caipira.
E os nossos cafés? Tira para nós, por gentileza. Aproveita e traz também uma fatia daquela torta ali, ó. Quer também, Rato?
Já disse pra não me chamar assim.
Ôôô... esqueceu de com quem você está falando?
Com todo respeito, Sr. Santini, é que eu não gosto que me chamem dessa maneira.
Tudo bem, Rato, tudo bem. Não precisa se borrar, o quê que a mocinha vai pensar de mim?
Que barulho é esse lá dentro? – o ruído assustou o rato.
Ah, é o Charlie! Ele pensa que me engana, mas toda noite tira um cochilo no estoque.
Chama ele lá para nós. Diz que um cliente quer lhe falar. O Rato vai com você para ter certeza de que não vai se perder.
Tem mais alguém malocado nessa espelunca, ô Preto Velho? – Rato chacoalhava o homem pelo avental.
O que o meu colega quer saber é se não há mais algum funcionário na casa.
Não, senhor. Aqui só tem eu e a moça.
Você conhece um tal Rico D’Ambrosio?
Não tem ninguém com esse nome aqui por essas bandas, não senhor.
Ora, Rato, é claro que hoje ele usa outro nome. O amigo por acaso sabe de algum italiano metido a galã? Ele costumava andar assim, ó, meio de lado. Gingando feito malandro das antigas.
Ah, esse é o Tony! Só pode ser o Tony. Ele é velha guarda assim que nem você?
Bom, menina, acho que sim. Pode-se dizer que sim. Isso, velha guarda.
Então, eu não disse? Tony Fratello!
Vamos na casa dele, Sr. Santini. A gente executa o serviço e sai logo desse fim de mundo.
Você me leva junto?
Ficou maluca, Gatinha?
Leva, Ratinho, você não vai se arrepender. Eu nasci para rodar o mundo! Quero conhecer o mundo, sacou? E então, leva?
Tá certo, tá certo, levo sim. Garanto. Você vai se amarrar, Gatinha. Eu conheço tudo na cidade grande. Pode contar comigo pra te apresentar o mundo.
Ele vem aqui todo dia.
Menina...
Ah, Charlie, não enche! Ele vem sim, toda manhã.
E a que horas mais ou menos?
Sete. Ele chega sempre às sete horas.
E não tem erro isso, amigo?
Senhor, eu trabalho aqui há dezessete anos e nunca, nunquinha mesmo, ele chegou sequer atrasado. Dá até para acertar o relógio por ele.
Ótimo. Não é por nada, mas é que fomos compagno d’armi por toda uma vida, acho que por tempo demais até, e gostaríamos de lhe fazer uma surpresinha. Você entende, não é mesmo?
Então é melhor se apressar! Está quase na hora já, daqui a pouquinho ele deve estar estourando por aí. – ela disse, dando uma espiada pela vidraça.
Até que enfim um bocado de ação nesse cafofo. Como é que a gente faz, Sr. Santini?
Não sei, não sei. Me deixa pensar um minuto.
Tem o quartinho dos mantimentos.
Como é que é?
O quartinho. Podem esperar por lá enquanto o amigo de vocês não chega. Aí, no momento certo, é só sair e matar as saudades.
Você tá pensando que eu sou otário, Gatinha? Deu pra dar defeito agora, é? E se você tranca a gente e sai pra avisar alguém?
Cala a boca, Rato. A ideia é boa sim. Aliás, é perfeita, até porque ela vai estar lá dentro com a gente, certo, mia cara? E eu tenho certeza de que o amigo ali vai fazer tudo direitinho, não vai?

O som abafado de dois estampidos quase não se percebeu. Rica deixou a despensa saltando por cima dos corpos. Cada um deles tinha agora um olho a mais. Ela dá uma piscadela discreta para Charlie ao passar para o outro lado do balcão. Já podia ocupar a mesa de sempre para o tradicional café da manhã com o pai.

Carlos Eduardo Pereira