terça-feira, 31 de outubro de 2023

Um poema de Vinni Corrêa


também é ave
o baba-ovo?

Vinni Corrêa

Os olhos de um poeta cego


Nas terras por meus olhos esquecidas, 
Onde a lei só se faz na palmatória, 
Senti, em meio aos charcos e às feridas, 
A realidade mais contraditória! 

Perto e longe de todas essas vidas 
Largadas sem destino pela história, 
Vi que são igualmente submetidas 
À voz da solidão e da memória! 

É no céu dessas terras, dessa gente, 
Sob a mesma Bandeira em minha frente, 
Que o relho se renova mais hostil... 

Este País um labéu violento encerra, 
Pois tais terras não são a mesma terra 
Que aprendi a chamar de meu Brasil!...

Guilherme Ottoni

segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Duas mãos e o sentimento do mundo (I)


I. No meio do caminho tinha um poeta

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) foi um poeta, farmacêutico, contista e cronista brasileiro, sendo até hoje um dos mais celebrados autores lusófonos. Nascido em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, em 1902, era filho de Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusto Drummond de Andrade.  Seu irmão, Altivo Drummond de Andrade, fez sua primeira publicação: o poema em prosa Onda, divulgado num pequeno jornal de sua cidade natal, o Maio, em 1918.

O autor seguiu publicando produções independentes como o conto Joaquim do telhado. Uma de suas produções mais conhecidas, o poema No meio do caminho, foi publicado em 1928, na Revista de Antropofagia, de São Paulo. Foi um verdadeiro divisor de águas na carreira do autor:

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra. 
 
O poema escandalizou o mundo literário na época, por sua forma, métrica e repetições. O texto foi muito utilizado para difamar o movimento modernista. Mesmo décadas depois de sua publicação, a obra seguia sendo duramente ridicularizada e criticada (Drummond reuniu e arquivou todas as críticas ao poema publicadas na imprensa). Foi tido como exemplo da pior literatura, vide a crítica de Gondin da Fonseca no Correio da Manhã, em 1938:

O sr. Carlos Drummond de Andrade é difícil. Por mais que esprema o cérebro, não sai nada. Vê uma pedra no meio do caminho - coisa que todos os dias sucede a toda gente (mormente agora, que as ruas da cidade inteira andam em conserto)- e fica repetindo a coisa feito papagaio (...). E não houve uma alma caridosa que pegasse nessa pedra e lhe esborrachasse o crânio com ela? (FONSECA, G. 1938)

O poema foi integrado ao seu primeiro livro, Alguma Poesia, publicado em 1930 pelo selo imaginário de Edições Pindorama, de Eduardo Frieiro. Drummond já trabalhava como jornalista desde 1926, e funcionário público desde 1928.

Mais tarde o autor integrou o movimento literário conhecido como Poesia de 30, conjunto de produções elaboradas entre 1930 e 1945, e integrantes da segunda geração de modernistas brasileiros. Foi profundamente marcada, portanto, por uma conjuntura de fortes tensões sociopolíticas, como o Golpe de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 1932, além da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Essa fase da literatura ficou marcada pela reflexão dos escritores acerca dos acontecimentos de seu contemporâneo, além das criações comprometidas com a realidade do contexto social, econômico e político. A liberdade formal também era uma de suas marcas literárias; não havia, necessariamente, um compromisso com a métrica e a rima. Outra característica era a experimentação estética através da utilização de versos livres ou brancos. O uso do humor irônico e do coloquialismo, além da rejeição ao academicismo, também estavam presentes. Além de Drummond, nomes como Cecília Meireles, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes e Jorge de Lima também integraram esse movimento, iniciado, no caso da poesia, por Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Em seu primeiro livro, o autor mineiro revela ter assimilado no Modernismo um elemento basal de sua produção literária: o verdadeiro lugar da poesia é no centro da vida, no meio da rua.

Luisa Issa

Labirinto


Labirinto sem saída,
Te amo de um jeito simples:
Como um narcisista
Que se olha no espelho.

Ana B.

domingo, 29 de outubro de 2023

NA TABACARIA, poema de Vicente Valle


À tabacaria comprar uns cigarros no intervalo do jogo do Botafogo

— clima médio de empate —

dou um Sneakers pra minha filha para adoçar um pouquinho (empate com o Goiás...).

O dono da tabacaria vem a porta, tá procurando algo meu filho?

Me vê um cigarro desse aí.

Entramos,

pego o varejo, ouço no radinho: virada do Goiás — saio,

metendo o troco nas calças, e o dono da tabacaria comemora.


Ele vem comigo até a porta, falando — torcedor filho de puta:

Esteves! Vem procurar a estrela solitária aqui na minha bunda!

Acendo meu varejo no isqueiro preso à parede, pego minha filha pela mão, limpo os beiços dela, cheios de chocolate.


Vejo um homem nos encarando da janela do outro lado da rua. Eu conheço ele? Que que ele está olhando a minha filha?

Será um desses pedófilos, sequestradores de crianças, ou só mais um torcedor da porra do Goiás?

Adeus, ó Esteves! Ele grita

— vai queimar no fogo do inferno, seu goiano de merda!


E o dono da tabacaria sorriu.


Vicente Valle

sábado, 28 de outubro de 2023

acordo genigráfico, de Vinni Corrêa


Vinni Corrêa

Um texto de Miguel Suzarte


rio. epopeia incomum. a politeia centrada no um. na qual judas clamou ajuda. em que a ateia beata se ata ao bdsm. donde lêmures trepados saldam um conde educado aos coqueiros do leme. Miguel Suzarte

sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Manoel Bandeira, por Gabriel Terra



                                              Gabriel Terra

NOTURNO


A lua, detrás dos prédios,
surge redonda e manchada,
e logo depois se esconde
atrás de uma nuvem rasgada,
como se, cheia de espinhas,
se escondesse envergonhada.

Zilka Vasconcelos

quinta-feira, 26 de outubro de 2023

GAGO


numa rua pequena em botaf—

fogo de manhã eu caminhava em direção a—

a um sebo que eu já conhecia e ti—

tinha esquecido


me encontrei já dentro sem perce—

ceber um li— livro em minhas mãos que já estava aberto e—

e as lágrimas da página 

não 


se anunciavam como

antigas ou minhas

não to— toquei pra ver— 

to—

toquei pra ver se estavam secas. José Bial


quarta-feira, 25 de outubro de 2023

F&B, um poema de Bruno Madeira


um relógio parado na gaveta
uma cama vazia
uma "família"
dois ou mais neurônios que não cumprem seu papel
um nome
um sexo
uma identidade com nome e sexo
uma sexualidade
um sorriso
(ou melhor)
a falta de um sorriso
dois filhos distintos
um par de sapatos gastos
algo de muito errado
uma mãe
um pai
20 dedos sem tato
sem afeto
sem coragem
um tumor extremamente escondido
um maligno
um terno de listras brancas
um jarro de flores mortas
duas pessoas que se amam muito
  mas nem tanto Bruno Madeira

terça-feira, 24 de outubro de 2023

SONETO SEM SEDATIVO


Quem disse que meu nome é Zeferina?

Quem foi que escangalhou meu guarda-chuva?

A tâmara é mais doce do que a uva.

A mãe do cafetão é a cafetina.


Confete, fantasia e serpentina.

Comeram as tulipas as juruvas.

Não cabe um urinol num porta-luvas.

O nada é como um tudo que termina.


Que mais? Não terminou este soneto,

E já a inspiração pediu penico.

O metro é uma prisão, uma pedreira.


O filho do teu filho: eis o teu neto.

Nasci em Niterói, mas lá não fico.

E agora concluí a brincadeira.

Zilka Vasconcelos

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Um poema de João Lima


achou tão bucólico
o que escrevi

e sem que eu esperasse
olhou pra mim

me senti mais velho
de repente

João Lima

domingo, 22 de outubro de 2023

VIAJAR NA MAIONESE


Como pode a maionese

ser considerada um meio

de transporte?

Viajar dentro de um

pote de maionese

é gorduroso demais.

A maionese não voa,

a maionese não anda,

a maionese não nada.

A maionese só faz

minhas tardes

saborosas e emulsionadas.

Afinal, as tardes

precisam de um

pouco de emoção.

Por isso, viajo na maionese:

o pior meio de transporte do mundo,

que rima com telecinese.

Vicente Valle

sábado, 21 de outubro de 2023

Melancolinear

Tenho os dentes

amarelados

e sempre que posso

mantenho-os todos

na boca fechada

sorrindo sem eles

estilo contido

e me envaideço

de minha proeza

porque não sorrir

nunca matou

ninguém Italo Diblasi

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Gota, uma tréplica

esticada verticalmente

em direção à roda

amarela

no meio do cinza

res

pingo

res

piro

fluo

com uma corrente de irmãs

do amarelo para o

cinza

nós chegamos para um

cantinho assim

em direção ao breu

total

do esgoto

res

piro

lembrando da queda livre

e da roda amarela

Vicente Valle

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

A gota, poema inspirado no conto de anteontem


redondinha e cristalina

sou volátil como um gato

que se espreme num buraco

atrás de uma sardinha


minha espécie é ordinária

somos do tipo mutantes

nos encontramos nas calhas

e também nos hidrantes


quando pingo é um estouro

sou sempre bem notada

ou me secam com toalha

ou lambida de cachorro


quando o clima fica quente

muita gente evapora

é um caso recorrente

aqui em ibitipoca


eu gosto é mesmo é de matar 

sede e me chamam assassina

porque odeio cloro

no meu reino, a piscina


tenho várias amizades

vida de gota é tão pública

clotilde é da minha idade

e é sempre tão cirúrgica… Paula Reis Vianna


quarta-feira, 18 de outubro de 2023

A gota, um conto de Vicente Valle



Em queda livre, totalmente berserker, eu corto a massa de ar frio que vem do sul, sem capacete, nem paraquedas. Sem medo de altura, eu miro a bola amarela que se projeta dois metros e quinze acima do asfalto. Logo antes da hora de cair, bate um nervoso. Mas se até a Fernanda Montenegro fica com frio na barriga antes de pisar no palco, por que não posso eu?

Ufa. Aterrizo sem grandes dispersões de massa, e, rapidamente, sou puxada para baixo por uma força estranha que me junta num fio vertical com várias manas. O tempo é curto demais, e não conseguimos colocar o papo em dia devidamente antes de sermos jogadas nos mares de morros cinzas, todas lutando para não ficar presas em bolsões de irmãs, onde, amanhã, se criam filhotes de zzzzz voadores.

Conseguimos nos desviar, eu e Maria Marta, com as irmãs lá da área dela, para a cascata que nos lança na rota da alegria, que me lembra a saída do Rock in Rio — igualmente em direção, o mais rápido possível, ao bueiro.

Prefiro, ao invés de me irritar com a demora, aproveitar o caminho. Olhar o céu, as irmãs em queda livre, agarradas nas marquises, brincando de mergulho. A fachada das lojas. As luzes.

A queda no bueiro, como todos que já viram Ratatouille sabem, é um momento arriscado. Pois, logo a frente, haverá uma fatídica bifurcação, que mudará o curso da história inteira.

Esquerda, direita? Sempre pego a esquerda. Tudo sereno. A essa altura, meu corpo está sujo, cheio de poeira, terra e bactérias. Espero logo virar fumaça para me limpar. Mas calma! Esse não é o caminho que eu conheço. Essa parede aqui era de uma cor meio atijolada. Hm, talvez seja um cano no-- ahá! Está ali a marca TIGRE, sem manchas. É um cano novo. Aonde ele dará?

Pela estrutura do poliéster, suspeito PVC. Maria Clotilde confirma. PVC. Isso tem cara de invencionice, daquelas que se vê em palestra ambiental, e ninguém nunca faz em casa. Pois é, alguém faz, pondera Clotilde. Bem pensado, Clô. Bem pensado. Opa. Começamos a ouvir um ruído, e o PVC de tigre começa a vibrar sutilmente. Eu me viro para Clô, e, sem precisar falar, entendemos: a rota é para cima. Há uma bomba, em algum lugar aqui.

Schuuuum! Segura minha mão, Clotilde! Estamos juntas nessa. A gente devia ter ido pela direita. Você e a direita, Clotilde! Me poupe! Segura forte que vai virar! Ueeeee, aaa, ihhh! Uhuuuul-- ah!

A serenidade de um decantador sempre me agrada. Contanto que não acrescentem aquele corno do Cloro à festa. Você sempre cirúrgica, Clotilde. Obrigado, irmã. Mas acho que hoje não. Esse daqui, pela cor atijolada, tem cara de...

Saint Johnny! How are you my friend? Very nice, very nice! Uh, let me see the ring! Beautiful. Et comment se passent le cours de français? Très bien. Au revoir, je t’aime!

Vem Clotilde, vamos logo pro andar de baixo que eu quero me limpar. Depois a gente volta. Eu me esfrego nas paredes pretas de chapisco, que absorvem pra fora as impurezas do meu corpo. Eu nunca entendi como isso não faz sair tudo preto no final, mas acho que certas coisas nesse mundo simplesmente não batem lé com cré, e essa é a graça.

Tomp, tomp. Já estou terminando de me limpar. Tomp, tomp, tomp, ẽĩr! E você, Clotilde? Já está cristalina? Tlin, tlin. Blup, blup. Toca a corneta. Chamado à guerra. Abre a torneira. Esse é meu momento favorito!

Daqui, onde caímos, um cilindro transparente, eu e a Clotilde julgamos a mobília do indivíduo.

Poltrona Sérgio Rodrigues! Você sempre cirúrgica, Clotilde. Panela Le Creuset. Um a um. Tem adega. Dois a um Clotilde. E caixa de delivery de japonês no lixo! Três a um. Perdi. Aponta o centro de campo, e game over. Vai, Clotilde, agora segura vem aqui, que ele vai erguer a gente.

A Clotilde fica nervosa na hora do escorrega, pois tem medo de escuro. Eu gosto. O escuro me faz repousar como nunca. Esse camarada aí tá com a garganta inflamada. Tudo bem, essa parte é rápida. Bom daqui a umas seis horas, eu vou ter uma conversa... privada, se é que você me entende. A Clotilde entendeu. Cirúrgica.

Podem me levar, pois sou culpada de crime. Matei a—glub, glub. Tchau, tchau.

Vicente Valle

terça-feira, 17 de outubro de 2023

mímica, um poema de Kiki


eu vejo você como

um houdini de saia curta

fazendo aquele truque em que se

puxa a toalha de mesa rápido o suficiente

para que nada do que esteja posto sobre

espatife no chão

 

eu te olhava como quem

espera um desastre

glorioso taças e pratos

            pelos ares

o tilintar da explosão

reverberando nos pelos eriçados

da nuca

 

um solo fértil e o brilho

dos cacos de vidro na pele

 

talvez a nossa grande vantagem fosse

saber que teríamos ao menos o asfalto

para servir nosso banquete ilusionista

 

ainda assim fomos capazes de tanto

rasgar a baía ao meio vencer

a barra seus buracos e bistrôs

até forjar uma morte santo cabaré beatnik

 

nossos olhos de alguma dignidade ainda

que fôssemos simples

batedores de carteira amadores

 

talvez seja essa a palavra:

o que nos salva das quinas intransponíveis

das pontas do mundo

 

uma sorte lançada nos dados

milagres magistrais

tremor e a ternura

bruta que nem sempre temos

e tudo bem Kiki

segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Um poema de Domingos Guimaraens


É foda por que

São milhões de orgasmos

Pessoas gritando

Morrendo nascendo

Tudo está acontecendo

Agora

A cada letra que digito

Na tela nervosa

Rachada do celular

Agora

A cada dígito que roda

Na bolsa

Nas apostas

Na máquina registradora

Caça níquel

De cada bala perdida

Camisinha

Croissant

Cruzando os céus

Bilhões de gemidos

Estrelas que explodem

E depois a vida com suas esquinas

Encruzilhadas esquisitíssimas

Aquelas perguntas

Tudo

Agora

Ao mesmo tempo

Quantos tiros disparados?

Mensagens disparadas

Quantas bombas detonadas?

Agora

Milhões de pessoas

Que não param de trepar

Crianças sem mãe

Com mãe também

Ou mães

Sem pai nem comento

Pessoal tá nem aí

Mas as crianças estão

Chorando

Querendo mamar

Sugar algo de vida

Nessa esquina

Pós apocalíptica

Estranhíssima

Um letreiro neon

Até hoje o futuro

Tem um letreiro neon

Piscando frenético

Meio queimado

Aproveitando dessa luz

Uma mãe limpa a bunda da criança

No próprio joelho

Usa a espiga de milho

Que comeu no jantar

Pra limpar o coco na perna

Agora

Milhões dessas coisas

Que parecem bizarras e

Banais

Acontecem ao mesmo tempo

Eu cagando no banheiro

Você lendo

É como se estivéssemos

Sempre no mesmo lugar

Mas tem a vida

Esse caminho franzino

Entre o céu e o inferno

Ou o ar e o subsolo

Enfim

Qualquer coisa que você acredite

Porque

Agora

Tem um tanto de gente rezando

Abaixando a cabeça

O tambor comendo

E o medo

O gozo

A fé

Ainda bem que tem algo depois

Daquelas encruzilhadas

Esquisitíssimas

E daquelas perguntas

Ainda bem que alguém

Sabe responder

Tem alguém respondendo

Agora

Mas eu não escuto muito bem

Se falassem todos a mesma língua

E ao mesmo tempo

Agora

Eu escutaria

Não importa onde estivesse

No cu do mundo

Escuro

Imundo

Cu também é legal

Mas enfim

Eu escutaria a resposta

Mas é tudo um som

Indistinto

Esse ruído de fundo

No contrário do olho

Um montão de gente

Vendo

Agora

Qualquer coisa acontecer

No olho do cu

Na TV

Na tela de amoled

No relógio

Na laranja mecânica

Daquela encruzilhada

Cheia de perguntas

Que me perseguem

O que tem para comer?

O que você vai fazer

No final de semana?

Quanto sobrou do troco?

E eu não sei

O que dizer

Agora

Porque parece tudo banal

Mas é seríssimo

Os gritos de cada morte

Os gritos de cada gozo

Os gritos de cada choro

E a cigarra cantando alto

Até explodir

Em um verão incomum

Frio nos trópicos

Tanta gente com calor

Agora

O suor que escorre

Da parede da sauna

O sangue que escorre

Da menstruação

O samba

O sal

O semba

A cumbia

O tamborzão

Agora

alguém que te chama

Que me chama

A encruzilhada

A esquina

A pergunta

Mas eu não escuto muito bem

Queria que fosse diferente

Mais devagar

Mas

Tudo está

acontecendo

Agora Domingos Guimaraens