terça-feira, 17 de outubro de 2023

mímica, um poema de Kiki


eu vejo você como

um houdini de saia curta

fazendo aquele truque em que se

puxa a toalha de mesa rápido o suficiente

para que nada do que esteja posto sobre

espatife no chão

 

eu te olhava como quem

espera um desastre

glorioso taças e pratos

            pelos ares

o tilintar da explosão

reverberando nos pelos eriçados

da nuca

 

um solo fértil e o brilho

dos cacos de vidro na pele

 

talvez a nossa grande vantagem fosse

saber que teríamos ao menos o asfalto

para servir nosso banquete ilusionista

 

ainda assim fomos capazes de tanto

rasgar a baía ao meio vencer

a barra seus buracos e bistrôs

até forjar uma morte santo cabaré beatnik

 

nossos olhos de alguma dignidade ainda

que fôssemos simples

batedores de carteira amadores

 

talvez seja essa a palavra:

o que nos salva das quinas intransponíveis

das pontas do mundo

 

uma sorte lançada nos dados

milagres magistrais

tremor e a ternura

bruta que nem sempre temos

e tudo bem Kiki

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