segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Duas mãos e o sentimento do mundo (I)


I. No meio do caminho tinha um poeta

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) foi um poeta, farmacêutico, contista e cronista brasileiro, sendo até hoje um dos mais celebrados autores lusófonos. Nascido em Itabira do Mato Dentro, Minas Gerais, em 1902, era filho de Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusto Drummond de Andrade.  Seu irmão, Altivo Drummond de Andrade, fez sua primeira publicação: o poema em prosa Onda, divulgado num pequeno jornal de sua cidade natal, o Maio, em 1918.

O autor seguiu publicando produções independentes como o conto Joaquim do telhado. Uma de suas produções mais conhecidas, o poema No meio do caminho, foi publicado em 1928, na Revista de Antropofagia, de São Paulo. Foi um verdadeiro divisor de águas na carreira do autor:

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra. 
 
O poema escandalizou o mundo literário na época, por sua forma, métrica e repetições. O texto foi muito utilizado para difamar o movimento modernista. Mesmo décadas depois de sua publicação, a obra seguia sendo duramente ridicularizada e criticada (Drummond reuniu e arquivou todas as críticas ao poema publicadas na imprensa). Foi tido como exemplo da pior literatura, vide a crítica de Gondin da Fonseca no Correio da Manhã, em 1938:

O sr. Carlos Drummond de Andrade é difícil. Por mais que esprema o cérebro, não sai nada. Vê uma pedra no meio do caminho - coisa que todos os dias sucede a toda gente (mormente agora, que as ruas da cidade inteira andam em conserto)- e fica repetindo a coisa feito papagaio (...). E não houve uma alma caridosa que pegasse nessa pedra e lhe esborrachasse o crânio com ela? (FONSECA, G. 1938)

O poema foi integrado ao seu primeiro livro, Alguma Poesia, publicado em 1930 pelo selo imaginário de Edições Pindorama, de Eduardo Frieiro. Drummond já trabalhava como jornalista desde 1926, e funcionário público desde 1928.

Mais tarde o autor integrou o movimento literário conhecido como Poesia de 30, conjunto de produções elaboradas entre 1930 e 1945, e integrantes da segunda geração de modernistas brasileiros. Foi profundamente marcada, portanto, por uma conjuntura de fortes tensões sociopolíticas, como o Golpe de 1930 e a Revolução Constitucionalista de 1932, além da Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

Essa fase da literatura ficou marcada pela reflexão dos escritores acerca dos acontecimentos de seu contemporâneo, além das criações comprometidas com a realidade do contexto social, econômico e político. A liberdade formal também era uma de suas marcas literárias; não havia, necessariamente, um compromisso com a métrica e a rima. Outra característica era a experimentação estética através da utilização de versos livres ou brancos. O uso do humor irônico e do coloquialismo, além da rejeição ao academicismo, também estavam presentes. Além de Drummond, nomes como Cecília Meireles, Murilo Mendes, Vinícius de Moraes e Jorge de Lima também integraram esse movimento, iniciado, no caso da poesia, por Manuel Bandeira, Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Em seu primeiro livro, o autor mineiro revela ter assimilado no Modernismo um elemento basal de sua produção literária: o verdadeiro lugar da poesia é no centro da vida, no meio da rua.

Luisa Issa

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