segunda-feira, 9 de outubro de 2023

A visão da morte nas obras de Manuel Bandeira

A questão da morte é vastamente explorada por Manuel Bandeira ao longo de sua obra. Um dos motivos para isso se dá na experiência com a doença que o autor viveu, sendo expressada de maneira sensível e poética na sua escrita. Bandeira foi diagnosticado com tuberculose ainda jovem, aos 22 anos de idade, sofrendo um profundo impacto em sua vida e, consequentemente, influenciando sua poesia. Uma vez que, na época em que Bandeira foi diagnosticado, a tuberculose ainda era uma doença grave e muitas vezes fatal. Sobre a doença, Manuel Bandeira escreveu:

        PNEUMOTÓRAX

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:

— Diga trinta e três.
— Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
— Respire.


………………………………………….

— O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Podemos pensar ainda em como essa doença afeta prioritariamente os pulmões, deixando a pessoa cansada e sem ar. O que nos levaria a refletir se Bandeira, ao escrever "Vou-me embora pra Pasárgada", descrevendo um lugar e uma realidade utópica, também não estaria registrando, na terceira estrofe dessa poesia, um desejo de saúde, de disposição corporal e de resistência física: "E como farei ginástica/ Andarei de bicicleta/ Montarei em burro brabo/ Subirei no pau-de-sebo/ Tomarei banhos de mar!"
Por ser uma condição crônica, a doença moldou sua perspectiva sobre a vida e o escritor passou a viver esperando pela morte. Essa proximidade com o fim influenciou substancialmente sua poesia, tornando-a muitas vezes reflexiva, melancólica e permeada por temas como a transitoriedade e a fragilidade humana, como podemos observar no poema a seguir, publicada no primeiro livro do autor, A Cinza das Horas (1917):


        DESENCANTO

Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
– Eu faço versos como quem morre.

Entretanto, apesar de ter vivido a maior parte de sua vida com a tuberculose, Manuel Bandeira superou as expectativas médicas e alcançou uma longevidade significativa, falecendo aos 82 anos. Assim, esse fato também foi transpassado por Bandeira para sua escrita, a qual registrou uma grande alteração da visão do autor em relação à morte no decorrer dos anos.
O próprio poema "Pneumotórax”, já mencionado aqui, apesar de tratar de um eu lírico doente, possui um tom de humor e ironia muito mais forte do que possuía em sua obra anteriormente. Isso porque o poema em questão foi publicado pelo autor em seu livro Libertinagem (1930), anos depois daquela melancolia existente nos poemas iniciais. Ainda sobre o tema da morte na obra de Bandeira, vale mencionar os poemas "A morte absoluta", “Poema de finados” e "O último poema". Se antes a morte era sempre permanente, imutável, sendo impossível vislumbrar de outra forma o fim; ao longo da vida, essa perspectiva esmorece, mostrando uma visão com mais humor. Assim, foi-se compreendendo essa alteração e considerando a poesia de Manuel Bandeira cada vez mais leve. 

Por fim, diante do exposto, podemos compreender como a visão de morte do autor estava totalmente atrelada a sua doença e a sua pouca expectativa de vida. Mas também levando em conta o entendimento de como sua visão pessoal era ricamente refletida em sua poesia, conforme pudemos estudar no presente trabalho.
Isabelly Gama

Nenhum comentário: