quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Argumento raso


A maré hoje é vazia
a mais rasa da estação
peixe não gosta de baixo mar
hoje o peixe não vai nadar

As vésperas de eleição
a cidade enche
mais que no verão
A maré hoje é vazia
e a cidade também

Renata Rosa

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Vaginava nas ruas de Copacabana


Copacabana
A morte da menina foi estranha
Desde o início ela vaginava nas ruas de Copacabana
Para fazer de elástica a vida
Ela resolveu ser girl machine
De um camicase ao norte sul de Copacabana
Supurar em pêssegos maduros ao invés de ouvir conversas de
vizinhos chatos
Abortou um saco de pancadas da terra natal
E dizia eu sou girl
Virgem de um marido vazio
Vago pelo destino
Um corpo foi encontrado à beira-mar
Ela sempre sonhou em morrer no mar
Mas antes queria ser o mar
E quando ela conquistasse o mar
Ele a levaria numa manhã de quarta-feira
Sob um sótão de arapucas
Com o recado do mar de Lanes
Terra à vista!
Terra à vista!
Meu bem

Marilene Vieira

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Espelho


Que tempos difíceis
De quem tece sonhos
Com dedos em riste
O silêncio se impõe

Do escritor só o ponto
Do pintor nem um risco
Pro menestrel e seu conto
Ninguém deu ouvidos

Perigo que existe
Nos olhos de quem vê
No espelho enfim reside
Tudo que devem temer

Daniella Clark

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

A criança luz néon


A fécula se alastra na temperatura de Copacabana
Lady!
Transpira com o cobertor amassado na garganta
Cheiro de sêmen
Ônibus
Bílis nas entranhas
Uma luz marrom
E uma criança néon
Acende a vela da limusine
Ela entrou no jato de esperma desse homem
Fosco labirinto de luz néon
A criança luz néon agoniza no firmamento
Jatos de almavelozes
Jatos de almacalúnias
A criança luz néon come o pênis no reino encantado de
Copacabana
Terra encantada pós-fécula de néon

Marilene Vieira

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Sem fantasia


A tristeza a excruciar-me o semblante
Perpassa fugidia sob o véu diáfano
De uma nuvem a ocultar-se no céu
A disfarçar-se com o clarão do dia
Em delírios de folia a crer-se Pierrot
Histrião frustrado de teatros vazios

A tristeza que leva a dor um passo adiante
Carrega na garupa o meu sorriso álacre
Qual pileca chucra com destino duvidoso
Barco funéreo sem vintém e sem Caronte
Que transporta este polichinelo anacrônico
Pelo ressecado leito de um burlesco Estige

A tristeza a assolar-me assim de rompante
Depaupera-me a resistência à exaustão
A forcejar como tenaz, férrea e inabalável
Descola o rímel, a viola, a fantasia de tule
Mas gruda no plasma, prolifera no hálito
E só desgarra se do sonho não ouso lembrar

Paulo Monteiro

domingo, 12 de novembro de 2017

Atravessamentos da Língua


Foi no meio de uma semana
De trabalho em Sampa,
Que a carioca aqui,
Ficou surpresa à pampa.

Fechada a contragosto,
Entre reuniões sem sutileza,
Atravessei a Praça da Luz,
À procura de alguma beleza.
Um monumento iluminou meu rosto,
Com sua grandiosa clareza
E a entrar me dispus,
No Museu da Língua Portuguesa.

Quanta história, quanta memória, quanta vivência!
Quando pensei ter percorrido tudo que era possível,
Eis que veio a experiência,
Inesquecível!

Na voz de Maria Bethânia,
Guimarães Rosa
E um sertão inteirim
De linguagem contemporânea
Passou por mim.
Fiquei toda suspirosa.
Cora, Clarice, Leminski, Jobim.

Em plena quarta-feira,
Na linha direta de Xangô,
Poesia me atravessou,
Era Vinícius!
Céu de estrelas se iluminou.

Saravá, Bahia!
Dorival chegou!
Jorge Amado me transpassou,
Caetano cheio de melodia,
Me desconsertou.

Devagar se infiltrou em meu ouvido,
Um moço chamado Chico.
Foi direto ao coração!
Meu corpo estremeceu de arrepio,
Senti calafrio,
E não cheguei à conclusão,
De como o tal moço atrevido,
Me causara tanta emoção!

Pássaros sobrevoavam
Aquele cenário de poesia
Gonçalves Dias chorava,
Manuel Bandeira sorria
E eu ali em estado de graça
E euforia.

Sonetos luminescentes pulavam de repente.
Palavras efervecentes, entorpecentes
Neoconcretas,
Entravam e saíam da gente, incessantemente,
Com rimas embriagantes, viciantes
E diretas.

Eu pecadora e inocente,
Sendo violada e invadida,
Pelos atravessamentos daqueles poetas,
Tonteei com um deleite indecente,
Arrebatada e decidida:
Deixaria a partir desse dia,
Todas as minhas portas abertas.

Mérilin Silveira

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Palestra-ato com Boaventura de Sousa Santos na UERJ!


Sarau das Pretas trata de intolerância religiosa em 16 eventos em novembro


Agenda Pretas em Marcha apresenta espetáculo “Quem é do asè é de paz” durante mês da Consciência Negra

Composta por 16 eventos, a agenda do Sarau das Pretas, tem início neste sábado (4) e vai até o dia 30 de novembro com a programação Pretas em Marcha, pelo segundo ano consecutivo.

Desta vez, a temática passa pela intolerância religiosa, com o espetáculo “Quem é do asè é de paz”.  Todos os eventos são gratuitos e fazem alusão ao Dia Nacional da Consciência Negra.

O Sarau das Pretas vai passar por unidades do Sesc, na capital e no interior de São Paulo e fará também um ciclo de oficinas no Sesc Pinheiros por meio do projeto  Sarau das Pretas: Juventude em FormAção e também participa da programação da IV Mostra Cultural do Novembro Negro, da Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo.

O coletivo, criado em março de 2016 pela poetisa Débora Garcia, é composto também por Elizandra Souza, Jô Freitas Thayaneddy Alves e Taissol Ziggy e conforme destacam as integrantes, para além das comemorações, o dia 20 de novembro é importante para o calendário político e cultural da comunidade negra brasileira.

“É nesta data que encontramos espaço para falarmos de nossa história e das nossas pautas. O mês de novembro é para relembrar o legado de Zumbi dos Palmares e de todas as negras e negros que lutaram por nossa liberdade. É o mês em que temos a oportunidade de ocupar diversos espaços sociais e elucidar as diversas questões sociais que assolam a população negra no Brasil e no mundo. É um mês para colocarmos nosso trabalho na rua e mostrarmos todo o nosso potencial criativo, artístico e intelectual. É um mês para problematizar e afirmar que precisamos falar sobre a questão racial no Brasil nos demais meses do ano e que artistas negros precisam também de trabalho nos outros 11 meses”, pontuaram.

Pretas em Marcha: Quem é do asè é de paz
Para além de uma menção à tradicional Marcha Zumbi dos Palmares, Pretas em Marcha é uma menção ao processo de trabalho do coletivo, que é essencialmente, itinerante. Marca o propósito e o anseio de ocupar todos os espaços sociais de forma coletiva, já que não existe marcha solitária. “Marchar significa um caminhar movido por objetivos comuns. Por isso esse nome, pois queremos que todas e todos marchem conosco”, afirmou a poetisa Thata Alves.

A proposta é que, anualmente, a agenda Pretas em Marcha trabalhe uma temática específica. O mote escolhido é mobilizado e pautado em todas as ações durante o mês de novembro. Em 2016, a Pretas em Marcha homenageou a líder quilombola Tereza de Benguela. Neste ano, o tema: é Quem é do asè é de paz, que já vem sendo trabalho pelo grupo há alguns meses, após vários ataques às religiões de matrizes africanas, bem como a atos de violência física, moral e patrimonial contra as comunidades religiosas e seus membros.

“O cenário é muito preocupante e tem se acirrado com o fortalecimento e articulação de segmentos conservadores e de extrema direita em nosso país. Os ataques às comunidades tradicionais de matrizes africanas têm se tornados explícitos e cada vez mais violentos. Queremos com essa temática chamar a atenção para essa situação, para que ela não se naturalize”, destacou a criadora do coletivo, Débora Garcia.

O espetáculo, Quem é do asè é de paz, traz composições e poemas feitos pela poetisa Débora Garcia especialmente para abordar essa temática, com leveza e mostrando toda a beleza das religiões de matrizes africanas. “Nosso trabalho é afrocentrado. Bebemos nessa fonte para realizar nossas pesquisas e desenvolver nosso repertório artístico”, comentou a percussionista Taissol Ziggy, complementada por Elizandra Souza: “Utilizamos a nossa arte para dar voz a essas comunidades que são diariamente silenciadas e violentadas. Somo negras, e como tal, defendemos e colaboramos com a preservação da nossa cultura”.

Confira a agenda completa no site do evento.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Poema de Camila Silveira


Quando eu me for você

Todos os dias amanhecerão chuvosos
e sem falcatruas

Sem poetas ou cachorros nas ruas

Apenas incólumes verdades

Nuas

Os estalactites das paredes da minha boca sepultarão o cosmos sem imbricações ou zelos

Quando eu me for

O último beatle ter-se-á também ido junto as mesóclises Temerosas as saudades ventosas e as efemeridades pegajosas

Quando eu me

Fuder

Você provavelmente estará operando seu telemóvel enquanto é teleguiado por seu automóvel dentro de uma maravilhosa bolha imóvel

Quando eu

Sair da roda

Você provavelmente ainda estará na moda empunhando um copo impune lamentando a vida foda

Quando

Eu me for

Você

Camila Silveira

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Vida...


Caminhou de maneira lenta em direção ao portão.
Repousando o frágil corpo no sofá acomodou o fucinho
entre as patas dianteira e estendeu um doce olhar sobre
os céus e a terra.

Pássaros revoavam entre o cromos e os homônimos naquele
espaço-tempo, por alguns instantes com olhar sereno admirou
o deslumbre dos tons rosa no pé de muzenza daquele jardim.

Com os olhos marejados, ela buscou os meus olhos molhados,
suspirou ofegante, se libertando daquele corpo ainda presente.
Um rio salgado inundou minha alma, deslizando suas águas sobre
a minha madura face...

Marta Pinheiro

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Orgulho | Pride — poema de Pedro Du Bois e tradução de Marina Du Bois


Na distância
descubro
a inutilidade
do orgulho

a nacionalidade desfalece
no que deixo de lado

habito o silêncio:
não estou perdido
no hino silenciado

(esqueço a letra do hino pátrio)

maior a distância
nítidos os vultos
de todo o sempre

menos o orgulho
na tristeza desamparada.

Pedro Du Bois



Pride

In the distance
I find out
the uselessness
of pride

nationality faints
in what I leave aside

I live in silence
I am not lost
in the silent hymn

(I forget the lyrics to the anthem)

the greater the distance
sharper are the figures
of all time

less pride
in helpless sadness.

Marina Du Bois


sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Dualidade


Em meus lábios surge um triste sorriso
Que exala agonia e solidão apenas...
Dormem no silêncio de minha alma as cenas
Que outrora eram parte de um paraíso.

Às vezes lembranças belas e serenas
Tornam-se suspiros negros, e é preciso
Olvidá-las pra não verter sobre o riso
Do passado lágrimas de eternas penas.

Meu coração pálido chora na treva
Por não deslembrar o Amor que me leva
Para o mais profundo inferno interior.

Eis a dualidade atroz da existência:
O encanto sublime que traz decadência,
E a paz decadente que faz o Amor.

Renan Caíque

quarta-feira, 1 de novembro de 2017