sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Boas festas!


Amigos do Plástico Bolha, toda a equipe do jornal gostaria de lhes desejar um excelente Natal e um muito próspero Ano Novo!

Voltaremos no dia 05 de janeiro de 2018 para mais poesia e mais poetas em nosso Blog, impresso, e outras mídias! Esperamos todos vocês conosco nessa parceria de muitos anos!

Ficam aqui os nossos sinceros desejos!

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

DAS SAGAS E DAS LENDAS: PEQUENÍSSIMA FÁBULA DO CONTEMPORÂNEO


O seu nome era Octavius,
que quer dizer oitavo em descendência,
um nome que serviu muito depois a homem de mil rostos
falar do mais volátil: os humanos ofícios nas marés
que, quando aproveitadas, conduzem
à fortuna

Casou com Agripina, herdou tribuna,
tiveram filhos, terras
que lhe herdaram o nome –
o nome dele, que o nome dela de pouca serventia:
nem rito de passagem

E a linhagem (parecia)
foi clara e sossegada

Astrid veio uns séculos depois, em embarcação esguia
coberta de plumagens e dragões,
desembarcou com Igor e guerreiros,
ali chegados não só para pilhagem
de terras e mulheres, mas para as bem lavrar
(às mulheres e às terras)

E límpida (parecia)
lhes foi progenitura

Mas por certo algum curto vórtice de luz,
ou deus de natureza, ou deus qualquer,
não fez perfeita a história acontecida,
e ao baralhar os naipes de outra forma
criou pares novos numa arca nova:

a descendência muito ameaçada,
filhos meio alourados, outros sem cor distinta,
nalguns casos sombria, ou alva como a neve
em baixa temperatura

O filho de Igor: baixo,
íris escura

Igor bramando a Thor e a Odin,
ah, os trovões clamados, Astrid sussurrando-lhe
ao ouvido, dizendo-lhe nem sei, não compreendo
como aconteceu, mas ele era tão hábil e gentil,
tinha uns olhos rasgados, falava-me de estrelas,
e o seu perfil, um pouco estonteante,
e tu estavas na guerra –

E um dos filhos de Octavius, seu herdeiro por lei,
com olhos muito azuis

ah os murros fincados sobre a pedra do lar,
Agripina dizendo-lhe nem sei, perdoa, meu amor,
não compreendo como se passou,
mas ele tinha tranças e eram louras,
e chegou devagar, não fez estrondo de trovão nenhum
(como disseste que eles sempre fazem)
e trazia uma pedra cintilante, dizia ser o deus
que o protegia e que o acompanhava,
e tu estavas na guerra –

E assim por aí fora,
assim deve ter sido, assim foi,
de certeza mais segura

Célticos imigrantes, africanos, alguns árabes
fugidos sorrateiros do fim do continente,
mas que a lenda parece ter esquecido dos efeitos futuros,
e quanto a isso tentou ser
obscura

E godos, visigodos, pictos, germanos, hunos,
alguns casando por amor e terras, outros por terras
e talvez amor, outros porque ordenados
pela ordem das terras e dos usos,
mas na verdade amando o vizinho do lado
em vez da doce esposa, alguma esposa
ansiando das ameias a aia cumpridora e desejante –
mas todos dando filhos, pretexto para saga,
mais tarde literatura

E sempre eles em guerra –

Ah como sabe bem,
como é reconfortante
pensar que nesta circular e comum terra
há os limpos e puros!

Ana Luisa Amaral

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Plágio da nostalgia do presente


Num exato momento, disse a mim mesmo:
Queria providenciar o futuro
mas descobri que ele não existe
e sabendo disso fiquei imóvel
porque o outro em mim
continuou a insistir num projeto
imutável digno do Eclesiastes.
Todavia o jogo muda
e nada permanece pare sempre.
Nesse momento,
descobri que nada é o que foi
nem o que parecerá ser.

Pedro Demenech

domingo, 17 de dezembro de 2017

Bagagem


O meu corpo cansado
e curvado
é o fruto
de uma longa viagem.
Carrego o peso abençoado do aprendizado
que amealhei durante esta trajetória.
Não me pergunte mais nada
sobre essa história,
pois não saberia explicar
e ninguém sabe
onde pode e deve acabar.
Toda história tem começo,
meio e fim,
mas eu não quero mais falar.
Quem quiser
que fale por mim!

Lenita Holtz

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Minha memória


Minha falha memória   
falha!
e anda seletiva.
de te esquecer,
ela me priva.

Renata Rosa

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

ultraísmo furibundo


tão difícil desarmar fronteiras
que palavras-fósseis já sedimentadas
anseiam escapar pelo ar
caindo tortas pelos não-ouvidos
nada de novo, senão a cera do já-tapado
buraco que por sentar-se à mesa num não-dialogo
envolve exatamente um ninguém de pessoas
discutindo alto na casa de ausência preenchida
por barulhos de TV que antes fossem ao vivo

Pedro Demenech

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

Marias sem graças a deus


Quando as horas vagam meu corpo é esfinge
A chuva ostenta as saudades
Os dedos lambem as vestes dos dias
As casas são réstias para a emancipação
E onde fica a rua mais próxima para o amor
Que eu fale reticências, asneiras, onde fica a invasão mais próxima para o amor
Onde ficam as camas, as vagas, as chupadas deliciosas
Só falo é de amor!
Então! Onde fica a voz mais fulgurante para o amor
Onde leva as ideias para o amor
Onde chama o teu amor

A Ponte
Aqui calo-me como um passarinho com dor
Calo-me como um cachorro que já não vê mais jeito para sua vida
Perambulando nestas estradas úmidas e não sabendo que sinal seguir
Afinal em que justo é o mundo?
Não é!
Lá de cima gostaria só de festejar com minhas amigas, vestir
roxo e beber um bom vinho nos próximos dias que se sucedem
Daqui a pouco se rasgam as plumas
E a voz ficará a estupor nesta latitude
As lambidas de sangue
Serão os clowns destas noites frias
As mulheres rasparão as cabeças
E os cílios verterão em Marias sem graças a deus
Raspo e me dispo como ser quem sou e não quero saber dessa
tua repressão me talhando os olhos
Não quero saber se antes não entendia o que é ser mulher
Hoje entendo
E sei aos versos que físico é o espírito que amplia
As costelas dessa bela Maria sem graças a deus
E que aqui neste terraço imenso de dispersão
Quando até maribondos fazem morada em nossos mamilos
O casulo sai para a liberdade
E o cordão que de mais virtude é
Cresceu e virou mulher
Marias sem graças a deus

Marilene Vieira 

sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Soneto Pr. 31


São entulhos jogados n’algum canto
Deste meu coração tuas lembranças,
A sombra dos teus passos vai sumindo...
Daquele vasto Amor o que sobrou?...

Sobrou uma saudade que, baixinho,
Solfeja uma canção desafinada,
Sobrou algum desejo de morrer...
— Seria melhor se não sobrasse nada...

Eu busco o teu esquecimento... Logo...
O bem que me fizeste comparado
Às dores que me deste sem pensar

São nada... Teus critérios se perderam...
Alguns versos de ti inda se aproximam,
Repara!... É por ti que eles não rimam!...

Maurilo Rezende

quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

Fome | Hunger — poema de Marina Du Bois e tradução de Pedro Du Bois


Fome

Quando a fome
não se resolve
com comida

há o prato
a cor
o destino
dos restos
aproveitáveis

quando some a fome
no que não há para comer
há o prato

a receita internacional
a descoberta
a mistura
de restos inaproveitáveis

quando a comida
não atende a fome.

Pedro Du Bois



Hunger

When hunger
is not solved
with food

there is the dish
the color
the destination
of the enjoyable
remains

when hunger fades
by the emptiness to eat

there is the dish
the international recipe
the discovery
the mixture
of unusable debris

when the food
does not meet the hunger.

Marina Du Bois

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Conselho de classe


VIADO: é o recado
Que os meninos me atiram
Junto à mesa.
O vento carrega os papéis
Sem sobreaviso.
“Nos dias de chuva,
Ninguém consegue trabalhar”.

No pátio uma sirene
Perfura a palidez da tarde
Conspirando em silêncio
Com a tempestade
Que segue varrendo
A solidez dos ideais.

Depois do lanche
A classe eufórica me afoga
Com seus gritos -
Dentro do peito, porém
Ausculto uma ressaca
Inaudível
Que faz tremer o corpo
Inteiro, com o pavor
Da criação.

Marco Aurélio de Souza


sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

luto


apenas porque morremos
o sol voltará amanhã
exigindo que ao menos
um
de nós
tente de novo
(ítalo diblasi)


luiz, querido amigo,
vai pela luz vai pela sombra
penetrar as planícies da paz celestial
e aspirar fundo o ar que aqui lhe faltou

vai luiz, meu camarada,
vai pela luz vai pela sombra
colocar em movimento a moviola do céu
pra editar as sequências que imaginou por aqui

vai luiz, finíssima criatura,
com sua diplomacia e generosidade
amotinar as falanges do santo guerreiro
para dar um help na vida dos que ficaram

vai luiz, anjo em todas as dimensões,
que nessa aqui passaste só o trailer
saindo de cena quando ia entrar
como uma estrela que cai para o alto

luiz, meu caro, luiz
você foi mas sempre estará por aqui
nesse devir imperceptível
que rói a carne e se amolécula

aproveita luiz o projetor
multidimensional das salas do paraíso
e programa com tudo que tem direito
os filmes que você quis ver no odeon

vai luiz pela luz e pela sombra
e coloca em ação seus projetos
que essa vida miserável
não deixou acontecerem

vai luiz, vai na paz
confortar com sua frondosa sombra
tudo que se gesta no escuro
e que mais dia menos dia virá à luz

vai luiz vai na paz

Chacal

Homenagem do poeta Ricardo Chacal ao nosso colega Luiz Giban que partiu esta semana.



quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Argumento raso


A maré hoje é vazia
a mais rasa da estação
peixe não gosta de baixo mar
hoje o peixe não vai nadar

As vésperas de eleição
a cidade enche
mais que no verão
A maré hoje é vazia
e a cidade também

Renata Rosa

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Vaginava nas ruas de Copacabana


Copacabana
A morte da menina foi estranha
Desde o início ela vaginava nas ruas de Copacabana
Para fazer de elástica a vida
Ela resolveu ser girl machine
De um camicase ao norte sul de Copacabana
Supurar em pêssegos maduros ao invés de ouvir conversas de
vizinhos chatos
Abortou um saco de pancadas da terra natal
E dizia eu sou girl
Virgem de um marido vazio
Vago pelo destino
Um corpo foi encontrado à beira-mar
Ela sempre sonhou em morrer no mar
Mas antes queria ser o mar
E quando ela conquistasse o mar
Ele a levaria numa manhã de quarta-feira
Sob um sótão de arapucas
Com o recado do mar de Lanes
Terra à vista!
Terra à vista!
Meu bem

Marilene Vieira

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Espelho


Que tempos difíceis
De quem tece sonhos
Com dedos em riste
O silêncio se impõe

Do escritor só o ponto
Do pintor nem um risco
Pro menestrel e seu conto
Ninguém deu ouvidos

Perigo que existe
Nos olhos de quem vê
No espelho enfim reside
Tudo que devem temer

Daniella Clark

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

A criança luz néon


A fécula se alastra na temperatura de Copacabana
Lady!
Transpira com o cobertor amassado na garganta
Cheiro de sêmen
Ônibus
Bílis nas entranhas
Uma luz marrom
E uma criança néon
Acende a vela da limusine
Ela entrou no jato de esperma desse homem
Fosco labirinto de luz néon
A criança luz néon agoniza no firmamento
Jatos de almavelozes
Jatos de almacalúnias
A criança luz néon come o pênis no reino encantado de
Copacabana
Terra encantada pós-fécula de néon

Marilene Vieira

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Sem fantasia


A tristeza a excruciar-me o semblante
Perpassa fugidia sob o véu diáfano
De uma nuvem a ocultar-se no céu
A disfarçar-se com o clarão do dia
Em delírios de folia a crer-se Pierrot
Histrião frustrado de teatros vazios

A tristeza que leva a dor um passo adiante
Carrega na garupa o meu sorriso álacre
Qual pileca chucra com destino duvidoso
Barco funéreo sem vintém e sem Caronte
Que transporta este polichinelo anacrônico
Pelo ressecado leito de um burlesco Estige

A tristeza a assolar-me assim de rompante
Depaupera-me a resistência à exaustão
A forcejar como tenaz, férrea e inabalável
Descola o rímel, a viola, a fantasia de tule
Mas gruda no plasma, prolifera no hálito
E só desgarra se do sonho não ouso lembrar

Paulo Monteiro

domingo, 12 de novembro de 2017

Atravessamentos da Língua


Foi no meio de uma semana
De trabalho em Sampa,
Que a carioca aqui,
Ficou surpresa à pampa.

Fechada a contragosto,
Entre reuniões sem sutileza,
Atravessei a Praça da Luz,
À procura de alguma beleza.
Um monumento iluminou meu rosto,
Com sua grandiosa clareza
E a entrar me dispus,
No Museu da Língua Portuguesa.

Quanta história, quanta memória, quanta vivência!
Quando pensei ter percorrido tudo que era possível,
Eis que veio a experiência,
Inesquecível!

Na voz de Maria Bethânia,
Guimarães Rosa
E um sertão inteirim
De linguagem contemporânea
Passou por mim.
Fiquei toda suspirosa.
Cora, Clarice, Leminski, Jobim.

Em plena quarta-feira,
Na linha direta de Xangô,
Poesia me atravessou,
Era Vinícius!
Céu de estrelas se iluminou.

Saravá, Bahia!
Dorival chegou!
Jorge Amado me transpassou,
Caetano cheio de melodia,
Me desconsertou.

Devagar se infiltrou em meu ouvido,
Um moço chamado Chico.
Foi direto ao coração!
Meu corpo estremeceu de arrepio,
Senti calafrio,
E não cheguei à conclusão,
De como o tal moço atrevido,
Me causara tanta emoção!

Pássaros sobrevoavam
Aquele cenário de poesia
Gonçalves Dias chorava,
Manuel Bandeira sorria
E eu ali em estado de graça
E euforia.

Sonetos luminescentes pulavam de repente.
Palavras efervecentes, entorpecentes
Neoconcretas,
Entravam e saíam da gente, incessantemente,
Com rimas embriagantes, viciantes
E diretas.

Eu pecadora e inocente,
Sendo violada e invadida,
Pelos atravessamentos daqueles poetas,
Tonteei com um deleite indecente,
Arrebatada e decidida:
Deixaria a partir desse dia,
Todas as minhas portas abertas.

Mérilin Silveira

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Palestra-ato com Boaventura de Sousa Santos na UERJ!


Sarau das Pretas trata de intolerância religiosa em 16 eventos em novembro


Agenda Pretas em Marcha apresenta espetáculo “Quem é do asè é de paz” durante mês da Consciência Negra

Composta por 16 eventos, a agenda do Sarau das Pretas, tem início neste sábado (4) e vai até o dia 30 de novembro com a programação Pretas em Marcha, pelo segundo ano consecutivo.

Desta vez, a temática passa pela intolerância religiosa, com o espetáculo “Quem é do asè é de paz”.  Todos os eventos são gratuitos e fazem alusão ao Dia Nacional da Consciência Negra.

O Sarau das Pretas vai passar por unidades do Sesc, na capital e no interior de São Paulo e fará também um ciclo de oficinas no Sesc Pinheiros por meio do projeto  Sarau das Pretas: Juventude em FormAção e também participa da programação da IV Mostra Cultural do Novembro Negro, da Secretaria Municipal de Educação da cidade de São Paulo.

O coletivo, criado em março de 2016 pela poetisa Débora Garcia, é composto também por Elizandra Souza, Jô Freitas Thayaneddy Alves e Taissol Ziggy e conforme destacam as integrantes, para além das comemorações, o dia 20 de novembro é importante para o calendário político e cultural da comunidade negra brasileira.

“É nesta data que encontramos espaço para falarmos de nossa história e das nossas pautas. O mês de novembro é para relembrar o legado de Zumbi dos Palmares e de todas as negras e negros que lutaram por nossa liberdade. É o mês em que temos a oportunidade de ocupar diversos espaços sociais e elucidar as diversas questões sociais que assolam a população negra no Brasil e no mundo. É um mês para colocarmos nosso trabalho na rua e mostrarmos todo o nosso potencial criativo, artístico e intelectual. É um mês para problematizar e afirmar que precisamos falar sobre a questão racial no Brasil nos demais meses do ano e que artistas negros precisam também de trabalho nos outros 11 meses”, pontuaram.

Pretas em Marcha: Quem é do asè é de paz
Para além de uma menção à tradicional Marcha Zumbi dos Palmares, Pretas em Marcha é uma menção ao processo de trabalho do coletivo, que é essencialmente, itinerante. Marca o propósito e o anseio de ocupar todos os espaços sociais de forma coletiva, já que não existe marcha solitária. “Marchar significa um caminhar movido por objetivos comuns. Por isso esse nome, pois queremos que todas e todos marchem conosco”, afirmou a poetisa Thata Alves.

A proposta é que, anualmente, a agenda Pretas em Marcha trabalhe uma temática específica. O mote escolhido é mobilizado e pautado em todas as ações durante o mês de novembro. Em 2016, a Pretas em Marcha homenageou a líder quilombola Tereza de Benguela. Neste ano, o tema: é Quem é do asè é de paz, que já vem sendo trabalho pelo grupo há alguns meses, após vários ataques às religiões de matrizes africanas, bem como a atos de violência física, moral e patrimonial contra as comunidades religiosas e seus membros.

“O cenário é muito preocupante e tem se acirrado com o fortalecimento e articulação de segmentos conservadores e de extrema direita em nosso país. Os ataques às comunidades tradicionais de matrizes africanas têm se tornados explícitos e cada vez mais violentos. Queremos com essa temática chamar a atenção para essa situação, para que ela não se naturalize”, destacou a criadora do coletivo, Débora Garcia.

O espetáculo, Quem é do asè é de paz, traz composições e poemas feitos pela poetisa Débora Garcia especialmente para abordar essa temática, com leveza e mostrando toda a beleza das religiões de matrizes africanas. “Nosso trabalho é afrocentrado. Bebemos nessa fonte para realizar nossas pesquisas e desenvolver nosso repertório artístico”, comentou a percussionista Taissol Ziggy, complementada por Elizandra Souza: “Utilizamos a nossa arte para dar voz a essas comunidades que são diariamente silenciadas e violentadas. Somo negras, e como tal, defendemos e colaboramos com a preservação da nossa cultura”.

Confira a agenda completa no site do evento.

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

Poema de Camila Silveira


Quando eu me for você

Todos os dias amanhecerão chuvosos
e sem falcatruas

Sem poetas ou cachorros nas ruas

Apenas incólumes verdades

Nuas

Os estalactites das paredes da minha boca sepultarão o cosmos sem imbricações ou zelos

Quando eu me for

O último beatle ter-se-á também ido junto as mesóclises Temerosas as saudades ventosas e as efemeridades pegajosas

Quando eu me

Fuder

Você provavelmente estará operando seu telemóvel enquanto é teleguiado por seu automóvel dentro de uma maravilhosa bolha imóvel

Quando eu

Sair da roda

Você provavelmente ainda estará na moda empunhando um copo impune lamentando a vida foda

Quando

Eu me for

Você

Camila Silveira

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Vida...


Caminhou de maneira lenta em direção ao portão.
Repousando o frágil corpo no sofá acomodou o fucinho
entre as patas dianteira e estendeu um doce olhar sobre
os céus e a terra.

Pássaros revoavam entre o cromos e os homônimos naquele
espaço-tempo, por alguns instantes com olhar sereno admirou
o deslumbre dos tons rosa no pé de muzenza daquele jardim.

Com os olhos marejados, ela buscou os meus olhos molhados,
suspirou ofegante, se libertando daquele corpo ainda presente.
Um rio salgado inundou minha alma, deslizando suas águas sobre
a minha madura face...

Marta Pinheiro

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Orgulho | Pride — poema de Pedro Du Bois e tradução de Marina Du Bois


Na distância
descubro
a inutilidade
do orgulho

a nacionalidade desfalece
no que deixo de lado

habito o silêncio:
não estou perdido
no hino silenciado

(esqueço a letra do hino pátrio)

maior a distância
nítidos os vultos
de todo o sempre

menos o orgulho
na tristeza desamparada.

Pedro Du Bois



Pride

In the distance
I find out
the uselessness
of pride

nationality faints
in what I leave aside

I live in silence
I am not lost
in the silent hymn

(I forget the lyrics to the anthem)

the greater the distance
sharper are the figures
of all time

less pride
in helpless sadness.

Marina Du Bois


sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Dualidade


Em meus lábios surge um triste sorriso
Que exala agonia e solidão apenas...
Dormem no silêncio de minha alma as cenas
Que outrora eram parte de um paraíso.

Às vezes lembranças belas e serenas
Tornam-se suspiros negros, e é preciso
Olvidá-las pra não verter sobre o riso
Do passado lágrimas de eternas penas.

Meu coração pálido chora na treva
Por não deslembrar o Amor que me leva
Para o mais profundo inferno interior.

Eis a dualidade atroz da existência:
O encanto sublime que traz decadência,
E a paz decadente que faz o Amor.

Renan Caíque

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Central do Brasil


Berçário e cemitério de sonhos
central de cores e sons
central de destinos, temores
central dos mil passos e odores
central de sabores, jargões
central dos mil vagões

Renata Rosa

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Poema de André L. S. Oliveira


Que vaidade é essa?
Nem árvore, nem livro, nem filho
Irão me perpetuar.
Teimoso, sigo vivendo e escrevendo
O que o tempo um dia irá apagar.

André L. S. Oliveira

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Deu na TV


Um dia eu vi ao vivo
Tamanha histeria
De gritos e estampidos
Em plena luz do dia

Nesse fogo cruzado
A vida é loteria
Ateu de olhos fechados
Pede fim à agonia

De microfone em punho
A repórter não ousa perder
Ecos da cidade partida
Que à noite vão pra TV

Guerra que dá ibope
Pois a vida na favela
Tal qual uma novela

Querem ver de camarote

Daniella Clark

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Lançamento de "Jacarepaguá", de Daniel Castanheira



Mostra Cultural da Cooperifa desafia perseguição à arte


Evento acontecerá entre os dias 21 e 29 de outubro na zona sul de São Paulo e contará com a participação de Wagner Moura, Dexter, Xico Sá, Marcelino Freire, Paulo Lins, Sueli Carneiro, Sarau das Pretas, entre outro.

No próximo sábado (21), começa a 10ª Mostra Cultual da Cooperifa. Completando 16 anos em 2017, o coletivo da zona sul de São Paulo irá receber visitantes entre os dias 21 e 29 de outubro.
 
“Nós vivemos um período de censura à arte e cultura. Nós, da Cooperifa, resistimos e vamos levar o que há de melhor feito na periferia e fora da periferia para a Mostra”, afirma Sérgio Vaz, fundador do coletivo, lembrando os episódios recentes em que exposições em museus ou centro culturais foram atacadas por setores conservadores da sociedade brasileira.

Com início marcado para o próximo dia 21 de outubro, a “10ª Mostra Cultural da Cooperifa” levará à zona sul a possibilidade do público transitar entre nomes já consolidados com novidades do cenário cultural brasileiro.
 
Wagner Moura, Xico Sá e Dexter, figuram na mesma programação que apresentará a cantora Fernanda Coimbra, o poeta Akins Kintê e o rapper Cocão. “É importante trazer gente de fora, mostrar que a periferia se tornou um importante palco da cultura brasileira. Mas a maior parte da programação é, e tem que ser, de nomes que a periferia já conhece e que produzem muito do que é consumido pela periferia”, afirma Vaz.
 
Em 2017, a Cooperifa completa 16 anos e um sarau especial celebrará a data. “Estamos felizes, são 16 anos de sarau e poesia. Toda semana, nos últimos 16 anos, na periferia de São Paulo, depois  de adorar um deus chamado ‘trabalho’, as pessoas param para ouvir poesia”, encerra Sérgio Vaz. 



quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Sede | Thirst — Poema de Pedro du Bois e tradução de Marina du Bois


Porque da sede somos o cantil repleto 
temos deveres e direitos em obrigações 
diversas dos outros que são a seca
no copo vazio onde não aplacam iras
nem votos declarados como prática
da ética: infiéis procuram nas luas
sinais externos de que a vingança
se fará breve e ilusória na hora
em que apenas o sonho for visto
sobre dunas em águas salgadas

meu barco não será seu barco
nem nosso o impulso dos remos
que nos levará as terras opacas
entre espelhos foscos
e o cantil estará pela metade

instante em que nos vemos
sem entendermos as razões
além das órbitas e rotações

por ciúme derramamos o líquido
sobre as faces que na sede
temos o cantil vazio: em areias
encalhamos o barco ao fazermos
as mãos destrançadas em ritmos
e gestos de até logo.

Pedro du Bois



Thirst
  
As we are the full cantel for the thirst
we have duties and rights in different
obligations from the others who are the
drought in the empty glass where they
do not placate ehtics wraths or declared vows
as ethics’ practice: infidels seek on the moons
external signs that revenge will become brief
and illusory at the time that only the dream
is seen above dunes in salt water

my boat will not be your boat
nor ours the impulse of oars
which will take us to opaque lands
between frosted mirrors
and the cantel will be in half

moment that we see ourselves
without understanding the reasons
beyond the orbits and rotations

out of jealousy we pour the liquid
on the faces that on the thirst
we have an empty cantel: on sands
we run aground the boat as we do
with untied hands in rhythms
and gestures of good-bye.

Marina du Bois

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Poema da banana


quando você compra uma banana
e deixa ela muito tempo na fruteira
alguma coisa vai lá e
come parte da banana.

a vida é estranha e
tem louça o tempo inteiro
e esquecer de passar o fio dental é
problema seu.

um ano passa rápido, mais rápido que
a terceira série
e conhecemos menos pessoas interessantes
do que esperávamos.

de qualquer forma,
não tenho medo de muita coisa.
tenho medo da dúvida

(e daquilo que come a banana).

Juliane Leão

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Calendário


No início era um sábado
Sem hora ou lugar pra ir
Tempo suspenso ao seu lado
Sol em junho, julho a florir

Então chegou a rotina
De tédio tudo se inunda
Verbo vira guilhotina
Folga se torna segunda

Não sei se era choro ou chuva
No dia que te vi partindo
Em vão eu pedi ajuda
Tudo acabou em domingo

Daniella Clark

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Tive do verbo terei


Tive você e isso me basta.
Tive por anos, por noites e noites de pés tocados pela certeza de que estávamos ali, um pro outro.
Tive em almoços em frente à TV, em restaurantes sofisticados, em Paris, em Viena.
Tive em jantares
Tive você em muitas camas por esse mundo.
Tive você em Réveillons, em aniversários, em praias, em paisagens.
Tive você nas minhas maiores angústias, medos, dores.
Tive nas suas também.
Tive você no meu amadurecimento,
Tive você no meu aprendizado.
Tive você em meus melhores conselhos, em aconchegos, afagos e repousos.
Tive seu colo
Tive a ponto de sermos lastro
Tive e viramos lembrança.
Tive tanto que isso me basta.
Tanto que nem precisava
Tanto que fez morada, memória, vida
Tanto que nem se foi
Tanto que não se acabou
Tanto que não virou passado
Tu és presente eternizado
Tive e somos além
Futuro do pretérito de ti eu não seria
Eu tenho você e mais que isso
Terei você, e basta

Luciana Targino

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Distância


Pudera ser o toque da minha mão,
O destino dos meus lábios,
O motivo do meu pulso.

Escolhera ser um olhar na multidão,
Um vulto oculto entre vários,
Ser de mim, avulso.

Mérilin Silveira

sábado, 7 de outubro de 2017

Manifesto do Realismo Mântico



Primeiro gesto de um realista mântico: aceitar a proteção do acaso. A nossa poesia está em pré-dizer o belo. Não somos imunes a nenhum tipo de beleza. Descendemos da prosa de miraculação. A prosa de ficção é nosso antepassado distante.       


            Mântra do Realismo Mântico:

Sobrenatural é o poema,
porque é natural
mas está sempre
                                                                              sobre.

O extraordinário é nosso estado de espírito. O ordinário é nosso arquinimigo, faz séculos que estamos tentando bani-lo.


É preciso se abandonar todos os dias. Vivenciar a ambivalência do risco. Escrita e perigo. Vivo no risco para que haja escrita. Vivo no risco para que haja perigo. Produzo linhas, desconfio de meridianos que não crio. Me arriscar significa me inscrever no mundo. Me catapulto no equador da vontade do acaso.


Não somos predestinados. O destino vem nos pedir que o interpretemos, porque ele mesmo não sabe de si.


Primeira crença de um realista mântico: a maravilha está sendo providenciada. Confiamos no livre arbítrio da maravilha, isto é, nada diferente dela se manifesta. Confiamos na liberdade de expressão do insólito.


Só é comum o que é dito de maneira comum.O evidente exige clarividência. Pela transubstanciação do lugar comum e do senso comum através de formas encantatórias. O absurdo é nosso milagre. O absurdismo miraculoso é uma de nossas formas a priori.


Primeira medida de um realista mântico: adotar uma estrela para ser teu coração. Guardar o firmamento no lado esquerdo do peito.


Não se deixe roubar a exceção, ela te pertence.No mundo dos homens,os milagres não concedem exceções, por que você deveria ter compaixão pela regra? A regra é um estado de misericórdia. Chega de pedir perdão.


Só Exu expulsa o Malafaia das pessoas.


A aparência real da coisa é aquela que provoca encantamento, é o único modo de dizer a coisa, de lembrá-la. A maravilha é uma memória afetiva. Tornar as coisas ordinárias é a melhor forma de esquecê-las.


O sublime é cotidiano e mínimo. Mântico: linguagem escolhida para capturar os pequenos gestos. Nossos temas não são celestiais. Acreditamos, por exemplo, que quando alguém que amamos morre vira um ponto em nossa íris e não uma estrela. Acreditamos no milagre do encontro. A real beleza das pessoas não se pode pegar com a mão, só se pode tocar com o mântico. Mânticas são as mãos da nossa imaginação intuitiva.


Afagar o impossível até que ele possa nos tratar com ternura.


Não tentem nos sabotar pela etimologia. Nosso movimento não é a perda de uma sílaba. Não somos Ro-mânticos. O amor é nossa benção, não é nossa maldição e nos realizamos completamente em vida. Também não somos místicos, nossa devoção é ao gênero humano pelo que pode realizar de inesperado.


Só depois do primeiro amor é que se tem contato pela primeira vez com a linguagem.


Prevemos que os de nossa extirpe possam degenerar em Realismo’s Miraculoso,  Místico, Oracular, Profético e outras qualidades de esoterismo barato, misticismo arcaico. Porém, é importante que se diga: O Realismo Mântico não sabe falar sobre o que não existe: o que existe já dá bastante trabalho.


Nossa mediunidade é saber chegar ao outro, precisamos ser capazes de nos incorporar uns nos outros. Hei de cantar o ponto que fará você baixar em mim. Hei de fazer a prece que fará você ser eu. A única oração: o poema.


O poema é um vocativo, atráves dele te invocamos, contrapomos o imperativo do olhar desavisado. Mesmo o passado na literatura mântica, quando vem, inevitavelmente vem sob a forma de aviso. O que deixamos passar sempre volta. Também não é errado dizer que o poema é a vocação do outro, nunca nossa.


Nosso trabalho é mais importante que nossa identidade. O Realismo Mântico é uma grande entidade. Oxímoro Mandrágora é nosso codinome. Somos regidos pelo Oxímoro, lei do universo, aceitamos a dualidade, a co-existência dos contrários. Mandrágora é qualquer mitologia sem nome. Pegamos o sobrenome emprestado como sinônimo do extraordinário que nos escapa.


Os descendentes de Macunaíma dizendo “Ai! que saudade...” do que não fomos.


Por um Brasil mais América do Sul. Brasil, continente perdido,
volte para casa.


Enriquece a nossa literatura o estudo do espanhol, tupi-guarani, yorubá,  quéchua, aimará. São as palavras renegadas de nossos irmãos. A língua cria realidade. A poesia dessas línguas nos abre a dimensão oculta do que ainda não somos. Menos networking e mais compañerismo, amistad, red de contactos. Devolvam as terras dos filhos de ñanderu. Aruanda: a metáfora habitada nos turbantes, porque alguns de nós já não podem voltar para casa. A ancestralidade vivificada na figura de linguagem.


Os poetas mortos são oráculos a ser consultados apenas. Não tenha medo de interpretar a mensagem. Os textos dos mortos devem ser profanados. Pelo saque aos túmulos.


A história da literatura é uma ata de eclipses.


Escreva o que ouviu do além com suas próprias palavras.
Diga aos ancestrais para ler os vivos.


A apreciação estética do poema se dá por excelência através do sexto sentido.


Porque é miraculoso, o poema não se faz, o poema acontece.Ele só existe quando chega até o outro. É no outro que ele dá o primeiro suspiro. Antes disso, o poema é apenas porvir.


Somos os herdeiros de Houdini, o miraculoso.


O milagre é visto. O poema imprevisto. Exemplos de imprevisão do poema:  

1. Insistência de uma imagem, de uma frase, de uma palavra em nosso pensamento que vai se materializando em tudo no mundo ao redor, o poema é um gesto do mundo. 2. Um homem-estátua, pintado de prateado, voltando para casa de ônibus e dormindo no último banco. 3. Um mendigo que em lugar de pedir esmolas, pergunta se você tem medo de borboletas e quando você responde que não, como se fosse algo absurdo, ele passa uma borboleta pousada na mão dele para a sua blusa. Essa borboleta abre e fecha as asas. Você descobre que sim, tem medo de borboletas, pelo menos uma borboleta assim tão de perto, tranquila, pousada em você. O mendigo ri, explica que criou a borboleta desde pequena, tira a borboleta da sua blusa e desaparece levando o milagre consigo. 4. Encontrar um homem de classe média alta com a sobrancelha esquerda branca na fila do cinema e pensar que aquela marca de nascença é tão rara que nunca viu igual. Voltando para casa de trem no mesmo dia encontrar outro homem, um operário, com a sobrancelha direita branca. 5. Ganhar de presente O pequeno príncipedepois de grande na véspera da morte de seu pai. Sentar no ônibus ao lado de uma mulher no momento exato em que ela abre O pequeno príncipe e começa a ler o livro.6.Ouvir da boca de uma desconhecida que você não tem ligação alguma com os arquétipos mundanos e nem planetários. “Você não é daqui, você veio das estrelas. E teu lugar de poder é com os índios das Taigas, os adoradores da lua, pertencentes a lugares frios da região norte como Canadá, Noruega, Groenlândia”. Ela não sabe que teu sonho é ver neve. Viver onde é seis meses dia e seis meses noite. Muito menos imagina que você toca um piano feito de aurora boreal. 7. Um grande amigo seu, poeta, ser chamado para ser o juiz de paz de um casamento em que o noivo está prestes a ser preso, já foi condenado e está aguardando a voz de prisão. A cerimônia é linda. O noivo está radiante. No dia seguinte a polícia vem buscar o noivo recém casado às 6 horas da manhã, arrancando o homem de seu sonho. Um vizinho que acompanhou tudo disse “Depois que levaram ele, o silêncio ficou de luto”. Seu amigo foi o responsável por unir aquelas almas na eternidade. O alívio do preso é que lá o tempo não existe.


A superficialidade é um olhar desatento e o milagre está a 90° da superfície.


Eliminar a superficialidade da forma, do amor, do discurso vazio, da palavra dita sem intenção, da falta de presença, até que só reste o milagre.


O poema que não abre um canal de comunicação mântica, que não fala com o afeto do outro, é uma invenção. O poema não pode ser uma invenção. Se é invenção não é poema.  Se chega até o poema, se acha o poema. Enterrado no deserto. No fundo falso das coisas. Nas escavações arqueológicas debaixo do seu travesseiro. A palavra foi desapropriada pela discursividade. O poema oferece morada à palavra exilada. Poema não é discurso.


Não sei amar, não sei sentir, não sei viver,
não sei quem sou, no poema eu aprendo.


Já disseram que amor é tanta coisa que ele acabou sendo nada. Mal contemporâneo. Se tiver que dizer poesia, já não é. Se disser nosso nome, já não somos. Use todos os recursos necessários ao encantamento, para que a revelação aconteça.


Ofereça ao leitor uma linguagem sem perdão. Misericórdia é a miséria do coração, o verso mântico quer tirá-lo da miséria em que se encontra. É por isso que o poema jamais é uma trégua. O poema é um despertar.


Podem te ajudar em tua reza contigo mesmo:

1 – A rima do entendimento: no verso mântico são os conceitos que rimam. A musicalidade do poema é aquela que faz adentrar o silêncio. O poema mântico é o ensinamento da música do silêncio. Encontrar o presente dentro da rima do silêncio. Tempo e dádiva. As palavras estalam os ossos e aqueles ossos musicais calam o mundo.

2  – A sentença miraculosa: é quando ela não pode ser dita de modo diferente do que foi profetizada. Mas não se engane, profecia tem mais a ver com singularidade da linguagem e menos com adivinhação.Literatura não é abracadabra. Sentença miraculosa é aquela que não permite tradução. Encontre a informação estética do indizível.

3 – A forma extraordinária: o milagre está no mundo, porém a formação literária de um realista mântico consiste justamente em despir o milagre de suas roupas cotidianas. Não se pode simplesmente esperar que o milagre aconteça( “Acontecer” é qualidade do que é visto. Quando se torna algo visível, aquilo acontece). Veja primeiro para que possa acontecer. Conjure o sobrenatural da linguagem. Seja extraordinário, esteja fora da ordem, não compactue com o ordinário. Insinue o invisível,  o sentimento do invisível substitui as lacunas do olhar. Nossa preocupação é com a técnica perfeita do afeto, a técnica da iluminação. Não esqueça, contudo, que para revelar a escuridão é preciso trazer parte dela consigo.

4  – O sussurro da escuridão: é aquele que vem do jamais. A palavra deve trazer assombro tanto pelo espanto, quanto pela suspensão da luz. Em plena luz do dia os mistérios ofuscam, na noite se revelam pela penumbra, pela opacidade, que é quando podemos vê-los. Ninguém é capaz de olhar para o sol diretamente. Para que as estrelas apareçam é preciso evocar a noite. O verso perfeito não é o que está perfeitamente escrito, pontuado, metrificado, rimado, é aquele que é capaz de fazer o leitor “cumprimentar a  beleza”. Para falar ao coração do outro e que o outro aceite a mensagem é necessário algo mais do que perfeição. A revelação vem de lado, oblíqua, para poder atravessar, o que vem de frente é atropelamento. “Nas próprias antecâmaras do sentimento é proibido ser explícito”.

5 – A quintessência da língua: só o quintessencial deve permanecer, o essencial não precisa ser dito, apenas sentido. A quintessência do sentimento é que garante o dizer. É essencial olhar para dentro de si até que a miração aconteça, isto é, a linguagem encontre sua quintessência. O outro da linguagem é a sua forma quintessencial.

6 – O insólito deve ser motivo de fé. A linguagem deve adorá-lo.


Não nos deixemos seduzir pela forma. Só escreve poema aquele que descobriu um segredo. Sem segredo revelado não há poema.


Desejamos que nossa linguagem seja como nossas mãos. É preciso que o leitor sinta o poema como se olhasse para as próprias mãos pela primeira vez. Preponderamos o tato com o indizível.


Andamos de mãos dadas com a miragem.


Somos os últimos falantes do dialeto da maravilha, nossa profissão de fé é que este idioma não morra.


Quântico  confabula  com mântico não só por aproximação sonora, é qualidade da da nossa estética ser quântica quando evoca os amores que não se realizam, os amores perdidos, o primeiro amor, os amores que negamos, os amores que não aceitamos, os amores que nos negam, os amores que vivemos sozinhos. Não é que sejamos platônicos, os exemplos acima constatam um dado sentimental: o que perdemos, o que não foi, o que não é, inevitavelmente nos quantifica.


A estética mântica é uma tentativa de quantificar o imponderável, por exemplo, quanto amor existe no coração de uma baleia. Ainda cantaremos o quântico dos quânticos.


Parágrafo primeiro e único: natural é aquilo que não vemos direito.


A pré-adolescência da eternidade é nossa idade por excelência e por unanimidade. Alguns de nós são pré-adolescentes da eternidade aos 70 anos e outros aos 23 apenas. A modernidadenos fez prematuros em ruínas. A nossa juventude é milenar. Trazemos a inocência dos apocalipses.


Fomos alfabetizados pela lua cheia.


A epifania no poema frequentemente é anunciada por lágrimas. Ser poeta é  apenas um instante. No resto do tempo só contagem de estrelas. Clamamos pelo instante, nosso lugar de existência. O efêmero é nosso guru. A lágrima: aplauso do coração. Nossa medida de recepção são esses aplausos cristalinos dos olhos. É por isso que escrevemos o poema não pelo poema, mas pelo silêncio depois dele.


Quando vivo era apenas Poe. Quando morreu virou Poema.


Encantamento não tem necessariamente a ver com o que é bom para si mesmo. Fosse assim os olhos da serpente não encantariam. O perigo não seria tão atraente. A vertigem não seria a vontade de se jogar no precipício. Os olhos de um assassino podem ser tão encantadores no momento em que escolhe a próxima vítima quanto a pureza nos olhos de um recém nascido. As coisas belas são fatais. A literatura também sabe hipnotizar a crueldade. O poeta escreve seu último poema para o que ou quem o mata, porque lhe apresenta a beleza insuportável da morte.


Somos uma asa cortada: nossa literatura convence os anjos a que fiquem. É necessário escrever o poema que vai conquistar o coração de um anjo e fazê-lo se reproduzir na terra. Nossa literatura é pé no chão, mas a Terra está suspensa no mistério.


Não somos herméticos porque nossa ética não vem de Hermes. O poema não cria um segredo, é através do poema que o segredo chega. Somos contra o hermetismo. Ouvimos a mensagem de Hermes e a mensagem de Exu. Violamos correspondências divinas.


Aceitamos a impermanência: nada é nosso e tudo se transforma.


Os mensageiros somos nós, mas não se esqueça nunca que a mensagem vem de longe. Impermanência. A mensagem vem de longe porque vem de nós mesmos.


Por uma vida mitológica. Viva uma vida lendária.


O sentimento lendário se perdeu ao ponto de acharem que qualquer história para boi dormir se encaixa no gênero. Nos enganaram. Através de falsas lendas, instituiram o desaparecimento.Se você não existe, não tem lugar de fala. Te contaram que índio é coisa do passado. Te contaram que não tem mais quilombolas. Os personagens dessas lendas, porém, continuam vivos. Querem torná-los lendas pela força e pelo aniquilamento. Para nós, lenda tem a ver com vivência.


Por um Brasil menos norte americano e mais Rio Grande do Norte.


Não é preciso impregnar a literatura de cor local. Estamos cansados de ser exóticos. O espírito de um povo, a nacionalidade, não tem a ver com exuberância.


Não somos um movimento brasileiro. Somos um movimento latino-americano. Ainda que não saibamos muito bem o que é ser latino-americanos. Contudo, não sabemos também o que é ser brasileiros.


É preciso falar a língua de nosso povo. É tão importante escrever poemas quanto conversar sobre política com a população de um modo que ela entenda. Traduzir qualquer complexidade filosófica à coloquialidade. Saber falar academês e a gíria da esquina.


Saber recitar Augusto dos Anjos e em seguida dizer “Para aí no próximo ponto que eu vou descer, piloto!”.


Realismo Mântico também é o que fazemos fora dos livros. Seja uma prolongação de seus poemas. Ao fechar o livro, outro poema começa.


O cotidiano é poliglota.


O poliglotismo é nossa escolha. Não é nosso mandamento porque ninguém manda nada. Estudar todas as línguas dentro da própria língua e falar todas.


A cultura oficial é um engôdo.


Consideramos a literatura oral patrimônio imaterial da humanidade.


Aqueles que quiserem resgatar o sentimento da literatura oral serão muito bem acolhidos por nós e fortalecerão em muito nosso movimento. Vertentes do Realismo Mântico: literatura escrita, literatura oral, literatura-canção-popular, literatura-ponto-de-macumba, literatura-jeito-de-andar, literatura-dança. Nenhuma é melhor que a outra.


Por uma métrica de tambores.


Odisseu e sua tripulação sucumbiram às sereias porque não sabiam falar a língua delas. Aqui no Brasil ouvimos seu canto todos os dias, as sereias nos cantam canções de ninar, as sereias nos abençoam. Pobre Ulisses, não sabia dizer Odoyá. Era a palavra mágica para voltar para casa mais cedo.


Pelo fim da matança de baleias e pelo fim do uso de seu nome em vão. O jogo da baleia azul só demonstra a insensibilidade com que nosso mundo está lidando com milagres. Não satisfeitos com a caça ilegal de baleias, agora querem atribuir a elas a morte.


Pelas danças populares. O Coco, o Jongo, o Maracatu, o Cacuriá, o Cavalo Marinho, a Ciranda, etc ad aeternum ainda não foram culturalizados. Pela Umbanda, pelo Candomblé e pelo Toré. Pela Capoeira como prática acadêmica. Se é pra falar de academia, Platão era conhecido por esse epíteto porque tinha as omoplatas muito desenvolvidas de tanto que se exercitava, era um homem fortíssimo.


Chega de intelectualidade sem coordenação motora. Não pode existir um intelectual brasileiro que não dance e não pegue sol.


Os índios e os quilombolas ainda estão vivos. Vida longa a esses sábios. Pelos conselhos ao pé do Preto-Velho. Pela sabedoria dos pajés. Se torne pajé. O pajé é aquele que pode visitar todas as tribos sem ser atacado. Se houvesse mais pajés haveria menos guerras.


Pela sabedoria da floresta.


Pelo fim do anarco-xamanismo e da macumba-freestyle. Vá buscar em outras dimensões a sabedoria para viver da melhor maneira possível nesta dimensão, não se perca por lá. Quem se iluminou já não está mais aqui, se você fosse santo já tinha partido. A quinta dimensão não é lugar de passeio. Viver fora da terceira dimensão é alienação espiritual. Guias espirituais não são call center. Ayahuasca não é suco de laranja. Rapé não é Rinosoro. Jurema não é Gatorade. As plantas de poder devem ser respeitadas.


Abunda o fundamentalismo religioso e falta espiritualidade. A intolerância religiosa é ranço de nosso estrangeirismo, da nossa dificuldade em ser brasileiros. Não nos converteram à cristandade, nos converteram ao eurocentrismo. Brigamos entre nós pelo que é dos outros. Os pastores nos roubaram a palavra de Deus.


Vivemos em um mundo que perdeu a noção de sagrado. Saiba tornar as coisas sagradas por si mesmo. Sacralize o cotidiano. Sacralize cada gesto. Sacralize a efemeridade. Tenha fé no momento. A vida não é um despacho, a vida é assentamento.


Pela astrologia enquanto linguagem poética. O valor literário do esoterismo nos interessa.


A política não é de Deus.  Os “homens de Deus” só tem servido para roubar nosso dinheiro e patrulhar nossos corpos. Roubaram o espírito da palavra, calaram nossos verbos. Pelo dinheiro do dízimo investido em poesia.


Os Deuses são a parte desconhecida de nós mesmos.


A poesia não quer ser beatificada, isto é, canonizada. O que não quer dizer que a poesia não seja um estado de beatitude, um estado de graça. Os santos quando são canonizados é pelos milagres que fizeram e morreram com eles. Enquanto a poesia não for canonizada é porque ainda vive. A poesia não é uma santa. A poesia não quer ser santificada.


Fomos batizados na Baía de Todos-os-Santos, a hierarquia entre eles não é problema nosso.


Pelo Estado laico. A literatura, nosso culto ecumênico.


A arte é o único messias.


A arte é o único messias.


A arte é o único messias.


E a arte é feita por homens. Os salvadores estão aqui. Faça arte, quero me salvar. Preciso que você me salve.


Pela premonição do agora. O Brasil está cansado de ser profecia.


Pela caligrafia da mão esquerda que sonda as coisas do outro lado. Pela oniromancia e pela onironáutica, ou seja, pela interpretação de sonhos e pela viagem onírica.


São 99 os nomes de Deus, mas são infinitos nossos nomes.
Nenhum de nossos nomes deve ser esquecido.


Abençoar o destino que o outro nos traz. Beijar a palma da mão do ilegível.


Todos em algum momento esbarramos com o divino. Porém, nós propomos o mântico em tempo integral. Exemplos de momentos de maioridade do ser:

Carl Jung é realista mântico na intuição sobre a natureza da mente humana e na sua exploração inconsciente. Os Sete sermões aos mortos são essencialmente mânticos, assim como sua autobiografia Memórias, sonhos e reflexões e O livro vermelho.  Frederico Garcia Lorca é realista mântico em sua linguagem onírica, em Ciudad sin sueño. Manoel de Barros é realista mântico na observação da natureza e em saber extrair dela o descuido linguístico. Roberto Bolaño é realista mântico em sua vontade literária, em sua crença radical na verdade da poesia. Amuleto é seu livro mais divinatório. Mia Couto é realista mântico em suas Estórias Abensonhadas. Guimarães Rosa é realista mântico em suas pirlimpisiquices. Júlio Cortázar é realista mântico em suas correspondências. Gabriel García Marquez é realista mântico em transformar cem anos de solidão em algo fantástico, outros sucumbiram por muito menos. Jorge Luis Borges é realista mântico no Ficciones. Richard Linklater é realista mântico em Waking Life, em Boyhood e na Trilogia Before. A Bíblia é a primeira obra mântica da humanidade, mas apresenta muitas ideias corrompidas. E os leitores da Bíblia destruíram grande parte  de seu conteúdo com interpretações profanas, além de usar o livro para fins hediondos. Gaspar Noé é realista mântico em Enter The Void. Mahatma Ghandi é realista mântico em sua guerra pacífica. Jim Jarmusch é realista mântico em Paterson. Walter Benjamin é realista mântico na Tarefa do tradutor, em sua nostalgia pelo narrador e nas Teses sobre o conceito de história. Clarice Lispector é realista mântica em olhar para o abismo, em não temer o êxtase da palavra, nas epifanias que abrem outras dimensões. Eduardo Galeano é realista mântico no Livro dos abraços. Murilo Rubião é realista mântico ao ver estrelas vermelhas. Octávio Paz é realista mântico na Tradição da Ruptura. Haroldo de Campos é realista mântico em suas galáxias e em suas transcriações. Vilém Flusser é realista mântico em Língua e Realidade. Mário de Andrade é admiravelmente mântico em Macunaíma. Kaká Werá é realista mântico em Tupã Tenondé.Eu sou realista mântico ao acreditar em baleias. Fernando Pessoa é realista mântico nas Reflexões Paradoxais, mas não só, seu materialismo mântico é louvável, e sua multiplicação heteronímica de milagres é coisa a ser investigada. Paul Auster é realista mântico no Caderno Vermelho. Rilke é realista mântico nas Elegias de Duíno e nas Cartas a um jovem poeta.


Axé para quem é de axé.


Este Manifesto não foi escrito em aforismos. Foi escrito em hexagramas, em sortes do dia. Quando a literatura puder ser lida como oráculo, um livro ser espalhado em frases soltas que trazem o destino, conseguimos.

Vinicius Varela e Oxímoro Mandrágora, em algum lugar do universo, na via-láctea, no sistema solar, no planeta terra, na América do Sul, no Brasil(mas com o coração no Uruguai), no Rio de Janeiro(e em Montevidéu), em um dos pavilhões da Universidade Desconhecida, em um dos hexágonos da Biblioteca de Babel. 31/07/2666