terça-feira, 26 de abril de 2016

Sem Censo


Basta!
Cantiga autocontida autorreferente por hora basta.
Os braços da terra sangram em sua reza ao astro tingido
Sangue do seio materno
O tambor sinaliza; Adrenalina
As armas estão postas e
Carne, unha, tinta.

Lama evita a rima obvia
O silencio constrange, Josué!
Chama o Chico e manda gritar:
“O metal pesado do Mangue invadiu o mundo! ”
Ainda segue o silencio de um Gutemberg deslinguado
Sem casco nem carapaça

Disfarça, liga o radio
Falso e hipotético futuro de sons.
O único que importa nos dias em que há sol
É o que morre em silencio
Hoje porem o mundo usa capuz

Olhos na criança
Com um bambolê no braço
Bambolê azul
Girando
Sem teto e sem deus ela vive
E já não tem credito na praça

Um mar de braços e círculos
Um ar rarefeito em que se respira facilmente
Sem colher de pau nas mãos
Somente os olhos abertos pro escuro

Tem remédio na prateleira e
Com uma simples receita
Pode-se dormir com os anjos
Uma existência coletiva numa chuva de pílulas.

Alex Maniezo

segunda-feira, 25 de abril de 2016

What's in a date?


“Romeu! Romeu! Por que há de ser Romeu?
Renega teu pai e recusa teu nome,
ou, se não quiseres, jura somente que me amas
e não serei mais uma Capuleto.
[...]
É só o seu nome que é meu inimigo.
Mas você é você, não é Montéquio.
Afinal, o que é um Montéquio? Não é pé, nem mão,
nem braço, nem rosto, nem parte alguma
pertencente a um homem. Toma outro nome!
O que há num nome? O que chamamos rosa
teria o mesmo cheiro com outro nome.
E assim, Romeu, chamado de outra coisa,
continuaria sempre a ser perfeito
com outro nome. Romeu, deixa esse nome.
E em troca dele, que não faz parte de ti,
toma-me a mim, que já sou toda sua.”
(Romeu e Julieta, ato II, cena ii – William Shakespeare. Edição: Ana Flávia Barbosa)

“Numa aldeia da Mancha, de cujo nome não quero me lembrar, não faz muito tempo vivia um fidalgo desses de lança no cabide, adarga antiga, pangaré magro e galgo corredor. (...) Nosso fidalgo beirava os cinquenta anos. Era de compleição rija, seco de carnes, rosto enxuto, grande madrugador e amigo da caça. Dizem que tinha por sobrenome Queixada, ou Queijada, que nisso há desacordo entre os autores que escreveram sobre o caso, embora por conjecturas verossímeis se entenda que se chamava Quixana. Mas isso pouco importa para nossa história: basta que em sua narração não se saia um ponto da verdade.”
(Dom Quixote de la Mancha, pág. 61 –Miguel de Cervantes. Tradução: Ernani Ssó)

O que há num nome? Se a rosa teria o mesmo perfume com outro nome, se Romeu poderia ainda ser perfeito sem se chamar Romeu, e se Dom Quixote pode ser Quixote, ainda que antes fosse Queixada, ou Queijada, ou Quixana, de que serve um nome?
            Shakespeare e Cervantes foram ambos alvos de teorias conspiratórias. As acusações sugeriam inexistência, falsidade ideológica, fraude, ou qualquer uma dessas coisas que o ser humano trata de inventar para duvidar de seu passado.
            O cúmulo disso que gosto de chamar de piração conspiratória veio quando alguém decidiu declarar que Shakespeare e Cervantes eram a mesma pessoa. Certamente um gênio sem igual, capaz de dominar o inglês, o espanhol, o latim e um bocado de francês com mestria suficiente para, sozinho, produzir pelo menos 58 peças, 156 sonetos, 2 poemas narrativos, 9 novelas, um número desconhecido de poemas, registrar mais de 2.000 palavras da língua inglesa, além de lutar uma batalha em Lepanto e ser, por mais de 450 anos, símbolo nacional de dois países ao mesmo tempo. Para uma teoria tão completamente alucinada, logicamente o argumento fundador deveria ser muitíssimo forte, não? Claro que era: ambos morreram no mesmo dia – 23 de abril de 1616.
O que os fundadores da piração conspiratória esqueceram de levar em conta é que, naquela época, o calendário vigente na Inglaterra não era o gregoriano, mas sim o juliano. A morte de William Shakespeare, portanto, hoje celebrada no dia 23 de abril – junto com seu aniversário – teria, na realidade, ocorrido no dia 03 de maio. A de Miguel de Cervantes, por sua vez, parece ter acontecido no dia 22 de abril, e só foi registrada no dia 23 porque essa foi a data de seu enterro. Por fim, o mais provável é que a data que hoje usamos para celebrar os dois autores não seja, na realidade, a data de morte de nenhum deles.
            Mas o que há numa data? O dia 23 de abril o mesmo valor teria se não fosse, na verdade, a data de óbito de nenhum dos dois. Afinal, faz tanto tempo que decidiram celebrar ambos os autores nesse dia que não faz nem sentido tentar contradizer – aliás, nada melhor para dois questionadores dos limites entre realidade e ficção, loucura e sanidade, do que uma data real que na verdade é ficcional.
Tentar deslocar cada autor para a sua data original espalharia muito as atenções. Tudo perderia força. Parece ter havido um grande (e muito valioso) esforço universal para centralizar num só dia a memória do auge da humanidade. Não importa se dizem por aí que foi 22, ou 03, e que nisso haja desacordo entre os autores que escreveram sobre os casos. Por conjecturas verossímeis, se entende que tenha sido o dia 23 de abril, e pouco importam os outros debates para a nossa história: basta que em sua narração celebremos The Bard e El manco de Lepanto.

Yasmin Barros

sábado, 23 de abril de 2016

Entrevista com o professor Leonardo Bérenger - 400 anos da morte de William Shakespeare


(por Yasmin Barros)

23 de abril de 1616. Nesse dia, as artes perdiam duas de suas figuras mais transformadoras. Símbolos nacionais da Inglaterra e da Espanha e eternos habitantes do imaginário popular ocidental, completam hoje 400 anos de morte o dramaturgo, ator e poeta inglês William Shakespeare e o romancista, dramaturgo e poeta espanhol Miguel de Cervantes.
Entendendo que não poderíamos nos omitir neste dia de celebrações, realizamos uma entrevista com o professor Leonardo Bérenger, um dos maiores estudiosos de Shakespeare do Brasil, professor da cadeira de Literatura Inglesa da PUC-Rio. Os registros dessa entrevista você confere abaixo.

Após 400 anos de seu falecimento, Shakespeare continua imortal. A que se deve a eterna necessidade de voltar às suas obras, estudá-las, debater e refletir sobre elas?

É uma obra com muitos níveis de leitura. Sempre há algo que possa ser revisto, revelado. Sem contar que uma obra tão longeva, capaz de cruzar toda a Era Moderna e a Era Contemporânea e completar 400 anos de existência, não é lida da mesma forma, por questões de tempo e de lugar. O cânone shakespeariano não é recebido no Brasil da mesma forma que ele é recebido no Japão, nem da mesma forma que ele é recebido na Inglaterra. Tudo isso são variantes, formas de olhar para aquela obra, e essas formas de olhar é que estão sempre alimentando os estudos shakespearianos. Além disso, várias são as formas de experiência do texto shakespeariano: como literatura, através da leitura; como teatro, através da performance; pela porta da adaptação – para o cinema, para os quadrinhos, para mangá, para cordel... Tudo isso vai alimentando essa teia de conhecimento que é o campo dos estudos shakespeariano, a necessidade de se estudar a cultura que produziu essa obra, o início da Era Moderna inglesa. Shakespeare nasce em 1564 e morre em 1616, então vive a virada do século XVI para o século XVII, uma época de profunda transformação na Inglaterra, na Europa, no mundo como um todo. Toda uma nova cosmografia, a “descoberta” da América, a Reforma Protestante – tudo isso tem que ser levado em consideração quando se vai falar de Shakespeare. A cultura que o produziu. Então, a necessidade de se estudá-lo é imensa.

Ainda que falassem do período em que foram escritas, o período elisabetano, as peças shakespearianas parecem sempre atuais. Não importa a época e o lugar onde são lidas, sempre despertam conexões e parecem espelhar o que se vive. Você acha que isso se deve a alguma capacidade atemporal da obra do Bardo, ou que o mundo, em suas questões essenciais, pouco mudou nos últimos 400 anos?

Bom, essa é a característica do grande clássico. Todo grande clássico sempre diz muito para quem lê, seja esse “quem lê” um leitor do século XVII, do século XVIII ou do século XXI. No caso especificamente da obra shakespeariana, existem sim, a meu ver, pontos de aproximação entre a cultura elisabetana e a cultura contemporânea – uma época de profundas transformações, de quebra de paradigmas religiosos, morais, científicos, de grandes ambivalências, contradições, paroxismos. Há algo que aproxima a experiência do gênero como fluido – algo que para os elisabetanos estava personificado na própria figura da Rainha Elisabete I, uma monarca que se apresentava à sociedade de uma forma um pouco andrógena, tentando transpor um discurso patriarcal que não via numa mulher a competência e a habilidade para a governança, e ela a partir disso construiu uma imagem e uma ambivalência de gênero. Pensando no palco, a própria figura do boy actor... Isso também é uma coisa que é tão nossa, tão contemporânea.

Já mais de uma vez seus alunos te ouviram dizer que nunca fomos tão elisabetanos. Quais relações existem entre a Inglaterra do século XVI com o Brasil do século XXI que te levam a essa reflexão?

Nós nunca fomos tão elisabetanos por causa disso que eu falei anteriormente, mas mais além. Você vê que os conflitos de poder, por exemplo, que Shakespeare coloca no Júlio César, os perigos do mau governo, isso é uma coisa tão forte na obra shakespeariana e tão patente na nossa vida, se você pensar no contexto brasileiro de agora. A consciência que Shakespeare tinha dos efeitos nocivos do mau governo, isso é tão claro para nós que somos brasileiros, sobretudo por toda a crise política que estamos passando. O perigo de um poder que fica pulverizado na mão de vários, o lugar do poder como um lugar vago, como isso é perigoso, como dá margem a usurpadores, a golpes, a oportunistas, a aventureiros. O Júlio César fala tanto disso – o mau governo e o governo fraco são socialmente muito perigosos. No Ricardo II isso também fica muito claro, no Henrique VI isso é muito debatido, esse perigo do governo fragilizado, como ele fica vulnerável. As contradições que nós carregamos estão muito no Shakespeare.

Você acha que essas relações, se divulgadas, podem levar o público a procurar mais a obra shakespeariana, numa busca de maior compreensão da nossa situação atual?

Sem dúvida. Se as aproximações entre a cultura elisabetana, a cultura que produziu a obra shakespeariana, e a contemporaneidade são divulgadas para o estudante, o estudioso, o espectador, o leitor, isso sem dúvidas fomenta a leitura e a apreciação, a fruição da obra do Shakespeare, claro. A pessoa começa a construir sentidos que dizem respeito à sua realidade, a si mesmo, embora eu ache que isso aconteça mesmo que você não alerte, mesmo que a pessoa não assista a uma aula, uma palestra ou leia um livro. Ela vai se ver porque essa é outra grande característica do clássico, decorrente da já mencionada capacidade de se atualizar. Ela se dá justamente porque existe essa facilidade do espectador ou do leitor em se identificar com aquilo que ele está lendo ou assistindo – a partir disso, o texto se atualiza, se contemporaniza ao leitor ou ao espectador.

Quais são as suas expectativas para os próximos anos, a partir dos eventos e da divulgação dos 400 anos da morte de Shakespeare?

Eu acho que o Shakespeare vai ser cada vez mais centralizado no cânone literário mundial. Aqui no Brasil ele vem ganhando força como campo de estudo. Pensando na própria PUC, o interesse que o Shakespeare desperta nos alunos vem sendo cada vez maior. Mas não só na PUC. Falando aqui do contexto do Rio de Janeiro, temos a professora Fernanda de Medeiros na UERJ, a professora Marlene Soares dos Santos e o professor Roberto Rocha na UFRJ. Estendendo para todo o Brasil, temos a Professora Liana, no Paraná, acompanhada por um grupo grande; a Professora Aimara e um grupo de estudiosos em Minas Gerais; O CESH (Centro de Estudos Shakespearianos), no qual eu hoje em dia ocupo a função de coordenador de pesquisa, cada vez mais atuante, promovendo mais eventos... Eu acho que a perspectiva é muito profícua para o Shakespeare no mundo, e no Brasil em especial. Então as minhas expectativas são muito positivas, muito otimistas para a obra do Shakespeare. Acho que as pessoas têm se interessado mais por ele, seja no mundo acadêmico, seja no mundo daquilo que a gente chama de “leitor comum”, e no mundo artístico. Shakespeare vem sendo mais montado do que era uns anos atrás aqui no Brasil. Ele vem sendo mais adaptado para outros meios culturais. A obra do Shakespeare tende a se popularizar.

Hoje é também aniversário de 400 anos da morte de Miguel de Cervantes, autor da aclamadíssima obra O engenhoso fidalgo Dom Quixote de La Mancha. Ainda assim, as celebrações a Shakespeare são inegavelmente maiores e mais significativas. O que, na sua opinião, causa essa importância tão maior dada ao Bardo?

Eu consigo pensar em algumas determinantes. O primeiro aspecto é claro que é a dominação da cultura anglófona no mundo como um todo. Shakespeare é um autor inglês, e a língua inglesa é a língua franca da contemporaneidade. Então, evidentemente que ser um produto de uma cultura anglófona é sempre uma força, um músculo altamente propulsor da popularização de uma obra, de um autor. Outro aspecto foi o uso que foi feito do Shakespeare durante o imperialismo britânico do século XIX na conquista de territórios pela África, pela América Central, pela Ásia, em que Shakespeare era levado como uma bandeira da civilização. Os ingleses chegaram à Índia, dominaram, e ensinavam, liam, produziam Shakespeare. Ele era usado como símbolo de uma europeização daqueles povos considerados selvagens, primitivos, com uma cultura que não tinha o menor valor e que deveria ser substituída por uma cultura outra. O terceiro grande aspecto eu penso no cinema. Se o cinema deve muito a Shakespeare, Shakespeare também deve muito ao cinema pela popularização de sua obra. A quantidade de adaptações cinematográficas da obra shakespeariana é incalculável, desde o tempo do cinema mudo, desde o nascimento do cinema. E o cinema é um produto que se espalha mundo afora, consumido pelas mais diferentes culturas. Então Shakespeare realmente ganhou o mundo, ele é um autor global.

Quais são os eventos mais esperados dentro das celebrações dos 400 anos?

Além daquilo que nós já tivemos – a Mostra Bosque, na PUC, que teve por tema os 400 anos da morte do Shakespeare –, temos vários eventos agendados. Pensando nos mais imediatos, há, por exemplo, um evento na Biblioteca Nacional, agora nos dias 10 e 18 de maio. Teremos também as Jornadas Shakespearianas, um evento interinstitucional entre a UERJ, que vai acolher o Shakespeare no dia 7 de junho, a PUC, que vai acolhê-lo no dia 14 de junho, e a UFRJ, que vai acolhê-lo no dia 22 de junho, com a presença de outros pesquisadores de outros lugares do Brasil, além de escritores que trabalharam com adaptações do Shakespeare, como o Rodrigo Lacerda. No segundo semestre a gente tem uma outra Jornada, mas essa na USP. Vale também lembrar dos lançamentos de livros – o livro sobre comédias shakespearianas, da professora Marlene Soares dos Santos; um livro que ela e eu estamos organizando sobre tragédias; a reedição do livro Shakespeare sob múltiplos olhares, organizado pela professora Liana Leão, da Universidade Federal do Paraná. Há vários eventos, e vale a pena estar atento a todos, porque todos foram pensados com muito carinho para o público brasileiro e principalmente para o estudante.

sábado, 16 de abril de 2016

Plástico Bolha contra o golpe


O Plástico Bolha apoia todas as manifestações contra o golpe de Estado em processo no Brasil. 

A deposição de um governante legitimamente eleito sem fundamentos legais é, sim, um golpe. Sabemos como essa palavra é evitada, mas nós não vamos recorrer ao erro de chamar um golpe de "revolução", como em 1964, ou de impeachment, simplesmente porque esta palavra está carregada de autoridade constitucional num momento em que a constituição está sendo driblada.

O Plástico Bolha, na esperança de uma ampla tomada de consciência e atitude por parte da população - mas também dos políticos envolvidos no esquema - se despede.

Até amanhã, nas ruas.

Tribos - Plástico Bolha


Terça-feira, no BOSQUE_puc cena experimental (maior evento cultural da PUC-Rio, hoje em sua terceira edição), haverá um bate-papo chamado "Tribos - Plástico Bolha", em que a equipe do jornal discutirá poesia, arte, o projeto e planos abertamente com quem quiser aparecer. Ao final, haverá uma sequência de leituras de poemas publicados ao longo dos 11 anos de existência do jornal.



A tribo se instalará no Anfiteatro Junito Brandão a partir das 17:00 do dia 19 de abril, terça-feira.
Participantes:
Lucas Viriato (fundador e diretor)
João Moura Fernandes (editor)
Yasmin Barros (coordenadora)
Rodrigo Auad Romano (saraus e eventos)

Confira a programação completa da mostra BOSQUE através do link:
https://www.facebook.com/events/595007694014799/

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Poema de Caio Moura


Amputate me, Adulterate me, Assassinate me
Bate me, Bake me, Banquet me
Capitulate me, Consumate me, Coagulate me
Date me, Daze me, Dehydrate me
Elate me, Eviscerate me, Eliminate me
Faze me, Fake me, Fuck me
Graze me, Grate me, Get me
Hate me, Hacke me, Hibernate me
Immigrate me, Immolate me, Incinerate me
Jubilate me, Junk me, Jail me
Kiss me, Keel me, Kill me
Laminate me, Lapidate me, Legalize me
Macerate me, Make me, Maculate me
Nominate me, Numerate me, Negotiate me
Opiate me, Overdose me, Occupy me
Pervade me, Perforate me, Prevaricate me
Quake me, Quiet me, Quit me
Rape me, Rake me, Rip me
Save me, Shake me, Strangle me
Take me, Triturate me, Taste me
Ulcerate me, Understate me, Understand me
Venerate me, Violate me, Vegetate me
Wake me, Wave me, Waste me
X-me, X-me, X-me
Yank me, Yacht me, Yellow me
Zone me, Zigzag me, Zip me

Caio Moura

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Miniode a estes: vozes, voláteis.


Quando presto caminho
entre hortas de esmeralda e ferro 
entes de toda uma vida,
cerram-me os passos e vão.

Estes que falam de teus olhos brancos
Estes que me falam de tua carnadura macia, 
Levam na espádua um novelo

De tempo

espaçado entre teus membros
de cristal sanguíneo.

E horas há que o verde se desprende do limbo
antevendo a madureza da queda,
correndo entre teus dentes de água
e em teu sorriso, torso de cisne,
relembra os gomos de céu e sonho matutino.

Entes de toda uma vida.
E esta porção de choro, lida
sobre a copa lodosa
de um dedo lunar.

Há ali um parado excelente
reduzindo a vozes

a estrada perecível
de areia batida e coro de treva.

Há sementes de corpo
na flor cinza amara

A germinar rios de queratina.
E há na mão que expulsa

O cordão que dilata inda úmido
de susto. Veste o cílio
dos que de esguelha observam;
e vazado se elide
com um maço ígneo de pensamento

a ver pedaços de aurora. 

Heitor de Lima

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Poema de Felipe Andrade


Do centro de deus
  o mundo
e do centro do mundo
  a mulher
e do centro da mulher
   a mulher e a mulher e a mulher

e do centro da mulher
o primeiro homem
ser besta e inútil
correndo no roseiral
ferindo-se nos espinhos

E grunhindo
   grunhindo...
   grunhindo...

É no ferir e no grunhir
que o homem está vivo
 vivo no outro
     e no outro
     e no outro

     tão besta e inútil quanto.

Felipe Andrade

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Susto


Um peixe que é peixe vivo
se livra, escapa do signo.
Salvo do céu, do zodíaco, 
parte num aquário sem vidro.
E nada, por nada,
esquecido: quem foi
a linda deusa afoita,
a sua sombra entre os astros?
Áspera água onde a sorte é deslizar.
O seu perigo bíblico é
quem quer multiplicar
sua morte marinha,
sua carne sem espinha
e replicar seu clone
como chapéus de cônego.
Um peixe é um peixe.
Em inglês se diz fixe
mas não quer dizer
que dizendo existe.
Bárbaro que a grega 
que vê perde a fala.
Palavra: não chega
mas se calhar resvala.
O peixe vazio imita o infinito.
Com a prata da escama
é que é mais bonito!
Não pisca o olho místico,
um asterisco sem nota.
Ser político não dorme
e quer outros em volta.
Na luta sem dupla
sente: não tem mãos
- ai que susto agora! -
mas não o apanharão.
São surpresas os riscos
neste oceano impreciso
onde um peixe vive,
resiste e é só isto:

Durval de Barros

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Crescimento


Um dia
- e demorou muito -
eu vi brotar sementes
no coração do fruto.
E o fruto foi ganhando corpo.
E, de inquieto, caiu tão solo.
E, de maduro, caiu no colo.
Bendito fruto daquele ventre!
E a árvore se encheu de flores,
coroou-se não de espinhos.
Em vez de águas,
banhou-se em vinhos.
Bem no meio do arvoredo!
Na mata mais verde se desfolhou.
Da mata mais virgem se desfrutou!
A árvore que eu vi crescer sem medo.

Raquel Scarpelli

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Parestesia


Ônibus pulsante,
casa, cama, sono;
não veio cabeça ao travesseiro.

Era noite de aperceber
que não era controlável
a sinapse que movia
o mundo translativo

Parestesia tomou o mundo
entendeu seu espaço
de 4 metros
quadrados fixos
como uma prisão
solitário

Não existiram outros
dias de morte
sem morte

Quebrou-se a casca do ovo
no inferno de ferro e realidade
fritou com gema composta
de vida moderna
temperada a pitadas de sal
precípita prantina

Pneu de borracha,
Rodas de ferro,
Caixa metalica,
Janela de emergência,
Emergência; Três pontos.

Três sólidos são só mutáveis.
Na senda pelo nada,
partem a bomba
dividindo a nós
parte da fissão
energia

Reação torta e disforme
não reconhece símbolos
apenas os pequenos
estralos
das desvividas memorias

Descobrir o ser
no dia que ouviu
que a inocência

morreu velha e feliz, numa pensão para idosos; mas não quis convidados nem velório pois estava
realmente satisfeita com a situação hodierna.

Agora voam todos os veículos
e desfolham as arvores
abrindo caminho para a
nuvem de plástico bolha
cheirando a tabaco
servindo asas
aos seres menores
que nas cadeira do ônibus
cantaram-me pela primeira vez
a historia do Novo Mundo.
Ela se chama “Parestesia”

Alex Maniezo

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Remake


que sonzeira
era aquele disco dos Mamonas

os caras esculhambavam pra chuchu
e ainda tocavam rock n’ roll

a molecada adorava
eu adorava

naqueles dias meus pertences
eram somente uma chuteira e o vídeo-game

eu gostava de uma bailarina
e ela de futebol 

naqueles dias eu ainda não via
a vida tão derradeira

eu vivia

Matheus Felipo