quarta-feira, 30 de novembro de 2011

É hoje: CEP VINTE MIL no Humaitá!


CEP 20.000

QUARTA - 30 / 11 / 2011

20:30 - 5 reais

20:30: CINE CEP 20.000

Luca Argel (poemas animados)

20:50 - Microfone Aberto.

21:00 - Farani Cinco Três

21:25 - Fiona O'Leary Sloan

21:30 - André Perim em “Batucopéia”

21:45 - Anelise Freitas e Larissa Andrioli (ECO/JF)

21:55 - Rafael Sperling em Festa na Usina Nuclear

22:00 - Max Sette canta Nelson Gonçalves

22:20 - Beach Combers

22:45 - Microfone Aberto

23:00 – Fim.

www.cepvintemil.wordpress.com

QUARTA QUATORZE DE DEZEMBRO - CEP DE NATAL.


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Vim, Escrevi, Venci... Breno Cesar e seu prêmio!



Breno Cesar de Oliveira Góes, vencedor do segundo lugar da categoria Poesia com o excelente poema Cobra, e o seu prêmio! Participe você também do próximo Prêmio Paulo Britto de Poesia e Prosa.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Oficina


Duas vezes por semana

grandes mestres têm encontro

onde vinte afoitos anônimos aguardam

a abertura de arquivos


Todos, unidos e munidos de

martelos, chaves

notas, sílabas e acentos

amores

dolores

aventuras

e esperanças


(e um passaporte diplomático)


observam

no canto – sempre, é claro, à esquerda

Luis, Gregório, Augusto, Carlos e Manel

sempre os mesmos

a contar nos dedos Alexandrinos


Fim da festa,

Parnasianas ficam com gregos

Modernas com norte-americanos

E, senhoras e senhores,

o mundo ganha rápido às pressas,


um poeta.



Diogo Dupree



Diogo Dupree ficou em primeiro lugar na categoria Poesia do 3º Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia, organizado pelo PET-Let da PUC-Rio.

Lançamento do novo livro de Eduardo Jardim


É na próxima terça-feira, 22 de novembro, o lançamento do livro "Hannah Arendt - pensadora da crise e de um novo início", de Eduardo Jardim.

Último desejo

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Há pouco mais de duas semanas, Aurora recebeu e-mail das irmãs, em que reconhecem o imenso valor psicológico de sua dedicação no decorrer dos anos, desistindo assim da parte que lhes cabe no apartamento. A voz grave e forte, lia a mensagem alto, para as paredes, como se fosse um político em campanha. E se alguém ouvisse? O que é que iam pensar dela? A mãe esticada, ainda quente, olhos encovados, no quarto ao lado. Aurora estudava a mensagem impressa. Entendia-se melhor com papéis do que com a tela de computador. As irmãs não haviam chegado, ocupadas com as respectivas famílias. Ela é que teve de enfrentar sozinha a situação. O principal da herança lhe fora concedido. A divisão entre as três se daria apenas quanto ao dinheiro aplicado no banco. No passado, chegou a pensar que o pai fosse capaz de perder no jogo o segundo andar da cobertura. Morreu antes. Já refletiu muito sobre isso e concluiu ter sido melhor. Do contrário, a mãe não suportaria, terminando por se matar ainda mais cedo. Sim. Porque só pode ser suicídio, uma lenta agonia, o que ela resolveu fazer consigo, desde que tiveram de demitir o motorista, a governanta, deixar de receber em jantares, e nunca mais degustar um Veuve Clicquot. Pelo menos, foi possível conservar a cobertura. A mãe não teria morrido dignamente num apartamento menor e Aurora... Bem, como poderia agora receber as visitas de pêsames e hospedar as irmãs, sobrinhos, os cunhados que são uns queridos? Tudo isso sem um sofá para quatro lugares num living que não comportasse três ambientes? Não daria certo. Além do mais, apesar do trânsito crescente na avenida ou do excesso de turistas estrangeiros acompanhados de moças brasileiras... Apesar disso, convenhamos, ela e a mãe moravam bem. Indevassáveis. Com vista para o mar. Sentiam-se seguras com as comunidades recém-pacificadas a algumas quadras. Mas nada disso interessa agora.

O importante é que tinha achado linda, a mãe morta. A primeira providência foi escolher o vestido com o qual seria enterrada. Optou por um tom beterraba. Que valorizasse a cor da pele. E um modelo com acabamento de laço no pescoço. Que escondesse o colo magro. Delicadamente aplicou a maquiagem. Mas elogios, esperava recebê-los por conta da peruca, perfeitamente apropriada, segundo suas próprias palavras: Minhas irmãs não estão habituadas e achariam a coisa mais diferente eu vestir mamãe pela última vez. Sendo que a notícia desse ato, tão nobre, tão puro, das irmãs em relação ao apartamento, superara todas as expectativas. O e-mail ela imprimiu, leu e relê agora não muito certa se as irmãs viriam. Deixou as malas arrumadas, no chão, ao pé da cama: Vou sair por algumas semanas. Com parte do dinheiro que está no banco. Será que vão achar um absurdo eu passear em pleno luto? Só eu sei o quanto mereço descansar depois do que tenho vivido e de tudo o que fiz por elas e por mamãe.

E pensar que ainda ontem, como todos os dias, a mãe tomara a sopa que ela mesma serviu conforme todas as noites. Recostou seu corpo nos travesseiros e, nessa posição que julgou a melhor, foi instigante, entre uma colherada e outra, observá-la. Os olhos da mãe percorreram o quarto e, dando-se por satisfeita, levantou timidamente uma das mãos. Até sorriu. Nessa posição, doente, manteve-se boa parte da segunda metade da vida. Aurora se lembra de que uma vez, após a morte do pai, a mãe começou com umas ânsias de vômito, umas queimações no estômago. Foi mais ou menos à época em que fizeram as contas, desesperadas, chegaram a considerar a possibilidade de procurar emprego, coisa que nenhuma das duas esteve acostumada. Sentiu-se bastante triste, ela se lembra, mas foi necessário recorrer aos cunhados e aceitar sua ajuda para que mantivessem ao menos a diarista duas vezes por semana. Passou a cozinhar para a mãe. Passaram a viver sem testemunhas. Preciso sair uns dias, espairecer. E o dinheiro de que posso dispor é exatamente a conta daquele pacote para Buenos Aires em baixa temporada: Ah, o outono em Buenos Aires! Uma das irmãs vai reformar a casa porque dá preferência a essas coisas. A outra vai guardar na poupança. Tem medo de o marido largá-la a qualquer momento! Eis o que diriam aos filhos em pensamento, olhando-os com satisfação vingativa: O quê? Dividir com vocês o dinheiro? Como não ceder à tentação de gastá-lo ou simplesmente guardá-lo, como se fosse uma recompensa pelos sacrifícios da maternidade?

Ontem à noite, depois da sopa, Aurora endireitou a mãe na cama, verificou a dobra do lençol sob seus braços e notou que ela mordeu com as mãos o cobertor de lã. Infelizmente aquela era hora de tomar banho e teve de deixá-la. Mais tarde, distraiu-se organizando a maleta de remédios, que guarda trancada na gaveta da cômoda em seu quarto. Remédios, aliás, não faltam na casa. Desde que a mãe adoeceu, um dos cunhados, o clínico, vem cuidando dela com a dedicação de um filho. Isto do ponto de vista médico. Porque o cuidado de todos os dias, aquele imenso trabalho inerente aos males crônicos, este ficou a cargo da filha-enfermeira. Modéstia parte! O cunhado receita uma série de medicamentos, segundo ele, de última geração e que – diz com aquele seu jeito empostado de doutor: “proporcionam o bem-estar do paciente”. Ela achava meio sem sentido o bem-estar para morrer. Precavida como sempre, mantinha na tal maleta analgésicos tradicionais, antitérmicos e até mesmo anti-gases. Mamãe deu para ter dores terríveis após a sopa. Só podem ser os gases, ela apostava. Ontem à noite, distraída, esqueceu-se de retornar ao quarto da mãe. Debruçada sobre as caixas de remédios, todas de uma semelhança insuportável, adormeceu sem concluir a tarefa.

Vou me recostar um pouco antes do velório. Estou cada vez mais curvada de tanto dar banho, a sopa, trocar fralda. Creio que assim seja feita a vontade de Deus. Não tenho do que reclamar. Fiquei sozinha para realizar os mínimos desejos de mamãe. Havia um remédio que o cunhado-clínico naturalmente não aprovara, mas que era um santo elixir para as azias da mãe, o picolé de abacaxi. Um bálsamo, o picolé tinha a vantagem de acalmá-la durante horas. Até uma soneca ela tirava após as lambidas de todas as tardes especialmente na última semana. Não digo que o quadro tenha piorado muito neste período. Mas a verdade é que a mãe caiu em silêncio. Como assim? Perguntou a vizinha de cobertura, quando conversavam através da mureta, enquanto esta tomava sol e Aurora observava o movimento, o corre-corre de seus netos atrás de um bichinho de estimação por entre as folhagens que cercam a piscina. Como assim? Não, mamãe não entrou em coma. Apenas fica me observando, os meus cuidados.

E foi na manhã seguinte a tal conversa com a vizinha, sem ninguém por perto como era de costume e sem saber ao certo o quanto de morte dispunha o corpo da mãe, que Aurora entrou no quarto doente. A filha estava um pouco mais descansada. Por um lado, conseguira dormir melhor aquela noite. Por outro, a cabeça completamente aérea. Tinha nos ouvidos ainda o vinil de Dolores Duran da noite passada. No momento em que se curvou finalmente para ver, a mãe se debatia, ofegante. Tentou suspender a cabeça, ensaiou algum movimento com os lábios como se fosse revelar um segredo. Aurora inclinou-se para ouvir. Parecia finalmente a despedida. Mamãe, o que quer afinal? Então as maçãs cadavéricas de seu rosto azulado momentaneamente inflaram e, até meio coradas, junto com o nariz adunco e os olhos fundos: Se me ama tanto, como sei que ama... Se é tão boa filha, como sempre foi... Não faria mal se preparasse hoje, em vez da maldita sopa, um coelho ao vinho, como nos bons tempos. Hein?

Não teve como pensar. Ocorreu-lhe imediatamente a cena do coelho de estimação dos netos da vizinha de cobertura. Num salto, alcançou o terraço, noutro a mureta, avançou sobre o apartamento ao lado, até agora não sabe como. Se acaso a tivessem pego... Aurora se considerava valente o necessário. E na verdade foi. Capturou o animal enquanto ele saboreava morangos rasteiros em um vaso comprido que margeava o muro. O ar ficou rarefeito embora fossem apenas oito os andares do edifício. Talvez por isso ou qualquer pretexto, o coelho não ofereceu resistência. Talvez. Ou porque lhe fora conveniente se abrigar das perseguições desenfreadas das crianças travessas nos braços de Aurora. Com o coelho espremido nas mãos, ela desceu à cozinha de seu apartamento. Mas a dificuldade maior estava por vir. Preparar a receita. Primeiro foi ao quarto avisar a mãe que esperasse, o banquete chegaria a tempo. Perguntava-se como liquidar o bicho. Não poderia usar a coleção de armas do pai. Um descalabro, além do estrondo que despertaria a atenção. Naturalmente passou pelo estômago a idéia do tanque. Alguns segundos submersos seriam suficientes e assim foi feito. Um, dois... quatro, cinco...oito...dez... dezesseis... Aurora segurava firme com uma das mãos a cabeça do coelho debaixo d’água; com a outra apalpava o peito, e não conseguia mais parar de contar...vinte... e dois... e três... Ela ainda tem diante dos olhos os traços sarcásticos do animal. Durante esta etapa do preparo, encarava-o, e depois, já sobre a pia, aquelas pupilas transpareceram a morte. Uma baba espessa e restos de morangos saíram da boca. Melhor do que tudo isso, porém, foi levá-lo de bandeja à mãe. Assado, ao vinho, conforme desejara. Alguns não entenderiam, se a vissem. Esse foi o último desejo. Tão bem satisfeito, que a mãe se contentou em continuar tomando a maldita sopa pelos dias que lhe restaram.

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Beatriz Castanheira

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Beatriz Castanheira ficou em segundo lugar na categoria Prosa do 3º Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia, organizado pelo PET-Let da PUC-Rio.
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terça-feira, 15 de novembro de 2011

Cobra

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.............................................Y
............................................Tu
........................................és cobra
.....................................encouraçada.
.......................................Só és dobra,
...........................................Nada sobra,
..............................................És selada:
................................................Trancafiada
..................................................No teu claustro
....................................................Sem parede
..................................................Que se mede
...............................................Só no rastro
.............................................Da sua crosta.
..........................................Toda costas,
........................................Nada frente,
.....................................És serpente
....................................Intraçável.
......................................
Não dolente,
.........................................
Não doente,
...........................................
Só um ente
............................................
Impermeável.
..............................................
-Inefável?-
.................................................
Que não para
...................................................
Ou se refuta,
.....................................................
Tu que és clara,
........................................................
Tu que és rara,
.........................................................
Tu que és tara
..........................................................
Absoluta.
........................................................
Nada glosa
.....................................................
Toda mote
.................................................
Que me mata
...............................................
E me resgata
..............................................
Sinuosa
............................................
Dá-me
..........................................o bote

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Breno Cesar de Oliveira Góes

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Breno Cesar de Oliveira Góes ficou em segundo lugar na categoria Poesia do 3º Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia, organizado pelo PET-Let da PUC-Rio.

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domingo, 13 de novembro de 2011

Mesa-redon​da Zohar: a alma da cabala



A alcoviteira

Avistei a estância. As luzes estavam apagadas. Eu havia caminhado muito para chegar até lá. A estrada, intricada, acabara. Agora, faltava pouco. Bastava eu andar por uma trilha que serpenteava até a varanda. Tirei os sapatos, como haviam me dito. Meus pés, descalços, pisaram sobre as folhas que pareciam me impulsionar até o meu destino. Toda a dificuldade que antes me fizera pensar em recuar, agora se esvaecia.

Uma luz foi acesa dentro da casa. Devia ser ela. Provavelmente ouvira meus passos. Já tinham me avisado que seria assim. E me falaram mais. Caso a luz fosse apagada, era para eu recuar. Contudo, se outras luzes acendessem, eu poderia prosseguir. No silêncio crepuscular, as batidas de meu coração tamboreavam meus ouvidos. Enquanto meus olhos, presos ao cenário à frente, esperavam por um sinal.

Outra luz acendeu. Depois outra. E mais outra. Era para eu seguir em frente. Andei até sentir meus pés tocarem a madeira do piso da varanda. Então, a porta foi aberta e ela apareceu. Era uma mulher de mais idade. Magra. Alta. Pele alva. Cabelos e olhos negros. Aqueles eram volumosos; estes, penetrantes. Apenas com um gesto, ela me convidou para entrar. Eu segui sua indicação.

Dentro da casa, havia livros que cobriam todas as paredes, do chão ao teto. Também já tinham me avisado sobre isso. Eu só não imaginara que fossem tantos. Dava para ver, mesmo nos cômodos apagados, a sombra das obras nas estantes. Os livros, de cores e tamanhos diferentes, decoravam as paredes da casa.

- Sou compulsiva por histórias, como você já deve saber.

Sim, eu sabia. E era por isso que eu estava ali. Sua sabedoria a fizera conhecer as pessoas como ninguém. E, sendo assim, sabia, melhor do que outrem, escolher os pares. Eu era mais uma alma solitária à procura de uma companhia. O preço? Ela possuiria a minha história. E isso, depois, eu não poderia reclamar.

- Com certeza você já conhece as regras. Trouxe as folhas em branco?

Sim, eu as levara. As mil e uma páginas virgens. Entreguei a ela aquele bloco como quem selava um contrato. Faltava só a sua pergunta.

- O que busca nesse ser que tanto quer conhecer? Ele é ele? Ou ele é ela? Disso, eu preciso saber.

Amor. Somente amor era o que eu esperava. Queria ser amada por um homem.

- Volte para casa. Antes do adeus da lua, ele irá aparecer.

E assim eu voltei pelo mesmo caminho que agora não me parecia tão custoso. Já em casa, coloquei o meu melhor vestido. Branco. De cambraia bordada. E deitei-me com a janela aberta. O céu, aos poucos, foi coberto por uma cortina de nuvens cinza que rapidamente esconderam a luz do luar. Somente os raios brilhavam naquela escuridão. Levantei-me para fechar as janelas da casa, antes que a chuva começasse. Foi então que ouvi umas batidas à porta. Quando a abri, um homem me pediu para que eu lhe desse abrigo durante aquela noite, já que não conseguiria chegar ao seu destino com a tempestade que se formava.

- Por favor, entre.

Peguei alguns gravetos para acender a lareira. Ambos precisávamos de fogo para aquecer o nosso frio. E ele, gentilmente, ofereceu-se para a tarefa enquanto eu fui preparar um café.

Depois daquela noite, perdi as contas de quantos cafés preparei para nós dois. E de quantas lareiras o homem acendeu. Ele gostava de observar a madeira queimar, enquanto relembrava o dia em que nos conhecemos. Mencionava o destino como responsável pelo nosso encontro. Não desconfiava da armação. Quando pedia minha opinião, eu me calava. Justificava a minha atitude dizendo que gostava de ouvir suas versões. E ele continuava devaneando sobre o nosso encontro. Enquanto eu, taciturna, guardava o segredo daquela que o trouxera para mim. Fazia parte do contrato ele nunca saber da mulher que o fez me amar.

A cada dia, seu sentimento, por mim, tornava-se maior. Ao passo que eu sentia um vazio. Eu não o amava. No início, eu até me divertia com suas histórias, porém, depois, elas foram me cansando. Pareciam sempre iguais.

Sendo assim, eu resolvi voltar à casa da mulher. As luzes acenderam e ela, novamente, recebeu-me. Contei sobre a minha insatisfação. Supliquei-lhe que desfizesse o meu contrato. Só que isso era impossível. Não havia volta. Implorei, então, que ela atendesse a outro desejo, em que outro homem surgisse para que eu o amasse. Ela me preveniu que aquele seria o meu último pedido. E, sem mais avisos, cedeu à minha solicitação. Fez um novo contrato. E eu lhe entreguei mais mil e uma folhas em branco.

Já no caminho de volta, eu corri, envolvida em uma aura de ansiedade, para chegar logo a casa e colocar o meu vestido branco de cambraia. Já imaginava a tempestade se formando e o segundo homem batendo à minha porta. Mas o que eu faria com o primeiro? Imbuída em meus pensamentos, tropecei em um tronco atravessado na estrada. E torci o meu tornozelo. Um homem apareceu para me socorrer. Carregou-me em seus braços até a minha casa. Eu mal conseguia piscar de tão encantada com sua beleza. Mal conseguia respirar de tão embriagada com seu cheiro. Com certeza ele era o segundo e ele percebera o meu interesse.

Durante os dias seguintes, meus pensamentos eram todos sobre o segundo homem. Não conseguia realizar minhas tarefas. Pouco comia. Mal ouvia o que o primeiro tinha a dizer. Mal o olhava. Sonhava com o segundo quando estava dormindo; e, também, acordada. Alguns dias depois, logo após o primeiro sair de casa para trabalhar, o segundo apareceu. Queria saber se eu havia melhorado. Minha alma se encheu de alegria. Em meu rosto, um sorriso apaixonado surgiu. Ele percebera o meu interesse e o retribuiu. O encontro não foi como eu sonhara - nem dormindo, nem acordada -, mas eu não me importei. Continuei desejando aquele homem, o segundo. Só que ele não apareceu mais. Nada de notícias suas. E eu sofri. Durante dias e noites, afundei-me em prantos.

O primeiro homem deixou de trabalhar para cuidar de mim. Estava preocupado com meu martírio. Até que um dia, a verdade brotou em minhas palavras, eu disse a ele que amava outro. Pedi, inclusive, que partisse de forma que me deixasse livre para o segundo. E ele se foi. Seguiu com seu corpo languido o desejo da mulher que amava.

Assim, talvez, o outro me visitasse mais. Talvez até aceitasse morar comigo. Ocupar o lugar do primeiro. Eu poderia tratá-lo como um rei. Fazer sua comida, lavar suas roupas, engraxar seus sapatos. Esses eram meus novos desejos que acabaram se tornando realidade. O segundo homem reapareceu e passou a viver comigo.

Muitas foram as noites em que ele chegou à minha casa com o cheiro de outra mulher. Eu sofri calada e aceitei as condições cruéis. Tudo em nome do meu amor. Até que um dia, ele também se foi. Não atendeu ao meu pedido para que ficasse. Percebi que ele não me amava, portanto, não me ouvira.

Com dificuldades, voltei à casa da mulher. E, mais uma vez, eu vi as luzes acenderem. Joguei-me em seus braços e implorei que me ajudasse. Ela me disse que não tinha mais o que fazer, além de que sentia muito pelo meu sofrimento. Lembrou-me que havia realizado o que eu pedira. E me deixou sozinha na varanda. Eu não queria voltar para casa. Não tinha forças. Deitei-me no chão e adormeci. Acordei com a mulher em frente a mim. Ela segurava uma vassoura.

- Se quer ficar aqui, vai ter que trabalhar. Em troca, dou-lhe casa e leitura.

Os anos foram passando. Algumas pessoas apareceram com outros pedidos. Selaram seus contratos de desejos. Enquanto eu arrumava a casa, tirava o pó dos livros e os lia.

Um dia, ouvi uma voz me chamar. Era a mulher. Estava fraca. Pediu-me para subir. Para ir até o seu quarto. Recinto, até então, proibido para mim. Quando lá entrei, vi as folhas que tantas pessoas trouxeram. Só que não estavam em branco. Estavam escritas. Cheias de histórias. A mulher pediu que eu me aproximasse.

- Está chegando a minha hora. Eu preciso de alguém que continue o meu trabalho e eu só tenho você.

Assim que ela se foi, eu fiquei na companhia das suas narrativas. Li todas. E reli algumas, as que eu mais gostava. Durante as minhas noites solitárias, passei a preencher as páginas em branco da minha imaginação com uma história:

Eu ouvia passos amassando as folhas do lado de fora. Eu ia até a janela. Percebia um homem se aproximar. Eu descia pelas escadas usando meu vestido de cambraia, todo branco. Acendia as luzes, uma a uma. Quando eu chegava à varanda, lá estava ele. Nossos olhares, cruzados, mal piscavam. Ele não esperava por alguém tão nova. Eu não esperava por um homem. Ele parecia confuso e falava primeiro. Procuro pela alcoviteira, ela está? Eu abria um enorme sorriso. Ele sorria também. Meus olhos liam seus desejos. Ele sonhava com uma mulher dotada de sabedoria. Eu o convidava a entrar. Pegava as folhas, as mil e uma, de sua mão. E as lançava ao vento. As folhas voavam, subiam cada vez mais alto. Lá embaixo, eu ficava a espreitá-las, até perdê-las de vista. Depois, nós dois entrávamos.

Nesse momento de minha criação, eu dormia. E sonhava. A cada noite, uma continuação diferente para a minha história. Mas sempre com ele. Até que um dia, eu sonhei e não acordei mais. Eu ouvi passos sobre as folhas do lado de fora. Fui até a janela. Percebi alguém se aproximar. Desci pelas escadas. Acendi as luzes. Uma a uma. Cheguei à varanda. Não havia ninguém. Só folhas. Muitas. Que dançavam com o vento. Eu passei entre elas. E um caminho se abriu à minha frente. Imaginei, lá no fim, encontrar o homem dos meus sonhos. Aquele que iria me amar e ser amado por mim. Segui em frente, com pés descalços. E com meu vestido de cambraia. Amarelado.

Cacau Vilardo



Maria Claudia de Andrade Cardoso Vilardo ficou em terceiro lugar na categoria Prosa do
3º Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia, organizado pelo PET-Let da PUC-Rio.

sábado, 12 de novembro de 2011

Tradição


Luzes em Neon
Sob a Tóquio high-tech
jaz um haicai

Tomás Duque Estrada Rosati



Tomás Duque Estrada Rosati ficou em terceiro lugar na categoria Poesia do
3º Prêmio Paulo Britto de Prosa e Poesia, organizado pelo PET-Let da PUC-Rio.

terça-feira, 8 de novembro de 2011