segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Um poema de Domingos Guimaraens


É foda por que

São milhões de orgasmos

Pessoas gritando

Morrendo nascendo

Tudo está acontecendo

Agora

A cada letra que digito

Na tela nervosa

Rachada do celular

Agora

A cada dígito que roda

Na bolsa

Nas apostas

Na máquina registradora

Caça níquel

De cada bala perdida

Camisinha

Croissant

Cruzando os céus

Bilhões de gemidos

Estrelas que explodem

E depois a vida com suas esquinas

Encruzilhadas esquisitíssimas

Aquelas perguntas

Tudo

Agora

Ao mesmo tempo

Quantos tiros disparados?

Mensagens disparadas

Quantas bombas detonadas?

Agora

Milhões de pessoas

Que não param de trepar

Crianças sem mãe

Com mãe também

Ou mães

Sem pai nem comento

Pessoal tá nem aí

Mas as crianças estão

Chorando

Querendo mamar

Sugar algo de vida

Nessa esquina

Pós apocalíptica

Estranhíssima

Um letreiro neon

Até hoje o futuro

Tem um letreiro neon

Piscando frenético

Meio queimado

Aproveitando dessa luz

Uma mãe limpa a bunda da criança

No próprio joelho

Usa a espiga de milho

Que comeu no jantar

Pra limpar o coco na perna

Agora

Milhões dessas coisas

Que parecem bizarras e

Banais

Acontecem ao mesmo tempo

Eu cagando no banheiro

Você lendo

É como se estivéssemos

Sempre no mesmo lugar

Mas tem a vida

Esse caminho franzino

Entre o céu e o inferno

Ou o ar e o subsolo

Enfim

Qualquer coisa que você acredite

Porque

Agora

Tem um tanto de gente rezando

Abaixando a cabeça

O tambor comendo

E o medo

O gozo

A fé

Ainda bem que tem algo depois

Daquelas encruzilhadas

Esquisitíssimas

E daquelas perguntas

Ainda bem que alguém

Sabe responder

Tem alguém respondendo

Agora

Mas eu não escuto muito bem

Se falassem todos a mesma língua

E ao mesmo tempo

Agora

Eu escutaria

Não importa onde estivesse

No cu do mundo

Escuro

Imundo

Cu também é legal

Mas enfim

Eu escutaria a resposta

Mas é tudo um som

Indistinto

Esse ruído de fundo

No contrário do olho

Um montão de gente

Vendo

Agora

Qualquer coisa acontecer

No olho do cu

Na TV

Na tela de amoled

No relógio

Na laranja mecânica

Daquela encruzilhada

Cheia de perguntas

Que me perseguem

O que tem para comer?

O que você vai fazer

No final de semana?

Quanto sobrou do troco?

E eu não sei

O que dizer

Agora

Porque parece tudo banal

Mas é seríssimo

Os gritos de cada morte

Os gritos de cada gozo

Os gritos de cada choro

E a cigarra cantando alto

Até explodir

Em um verão incomum

Frio nos trópicos

Tanta gente com calor

Agora

O suor que escorre

Da parede da sauna

O sangue que escorre

Da menstruação

O samba

O sal

O semba

A cumbia

O tamborzão

Agora

alguém que te chama

Que me chama

A encruzilhada

A esquina

A pergunta

Mas eu não escuto muito bem

Queria que fosse diferente

Mais devagar

Mas

Tudo está

acontecendo

Agora Domingos Guimaraens

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