segunda-feira, 2 de outubro de 2023

Drummond & Aninha: os poetas do ordinário

A literatura brasileira é marcada por grandes escritores, assim como nossa história está marcada por grandes fatos. Apesar de tamanha grandiosidade, é possível encontrar a simplicidade em meio aos versos, a vida comum encontrando a vida extraordinária e criando o que há de mais belo: a poesia. 

Não é raro encontrar poemas falando sobre eventos extraordinários, tais quais um amor à primeira vista, a perda de um amigo, um encontro com as estrelas etc., porém, é ainda mais frequente encontrar poemas sobre o dia a dia, a vida comum, uma pedra, alguns pássaros ou uma criança que brinca. A verdade é que essa é a matéria da poesia: o ordinário é o substrato trabalhado no poema, aquele que será lapidado para tirar o fôlego do leitor e levá-lo a refletir sobre suas pequenas ações diárias ou sobre as fases comuns de sua vida.

Carlos Drummond de Andrade e Ana Lins dos Guimarães Peixoto, os grandes poetas do ordinário, como carinhosamente os chamarei a partir de agora, são esses mestres da literatura poética brasileira que têm o poder  de, com papel e caneta, fazerem, a partir das coisas simples, um verso que revela aquilo que a vida quer nos mostrar.

Carlos Drummond de Andrade, um dos maiores poetas brasileiros do século XX, era mineiro de Itabira do Mato Adentro e foi um representante da segunda fase do Modernismo brasileiro. Além de poeta, foi contista e cronista e, entre suas publicações, destaco aqui o livro de 1930 intitulado Alguma poesia onde o poeta das sete faces dá ênfase à vida cotidiana, às paisagens e às lembranças que o marcaram. Sua escrita foi marcada pela sua visão crítica do mundo, assim como por sua postura irreverente. 

Ana Lins dos Guimarães Peixoto viveu grande parte da sua vida como doceira, apesar de escrever versos desde seus 14 anos. “Poeta por acaso e doceira por convicção e necessidade”, Cora Coralina, nome adotado por Ana, nasceu em Villa Boa de Goyaz e viveu grande parte de sua infância na Casa Velha da Ponte, onde hoje existe o Museu Cora Coralina. Apesar de seu longo tempo de escrita, Cora passou anos impedida de publicar por conta de seu marido, com quem ficou casada por 20 anos. Nesse tempo, a poeta escreveu pouco e, apenas aos 75 anos, publica seu primeiro livro Poemas dos becos de Goiás e estórias mais trazendo para o leitor “um modo diferente de contar velhas histórias”

Antes de falar sobre a poesia e seu encontro com o cotidiano, é preciso falar de um encontro especial e único: o encontro entre Drummond e Aninha. Esse encontro se deu de maneira distante, como o encontro entre o olhar e a pena do poeta, através de uma carta escrita por Drummond para Cora Coralina, então com 90 anos. Essa carta foi transcrita na orelha de um de seus livros. É a partir deste contato, desta primeira carta, que se inicia uma relação entre Drummond e Aninha, Aninha esta que já não nos pertence, segundo as palavras do próprio poeta, mas é patrimônio de todos nós.  

Carlos Drummond de Andrade, a partir do achado da poesia de Cora, se torna seu maior divulgador no Brasil, sendo um incentivador de seu trabalho. Além da amizade, os grandes poetas compartilham o amor pela poesia privilegiam a presença do cotidiano em seus versos. Os temas ordinários entraram na poesia com o modernismo e Aninha seguiu esse caminho, mesmo não pertencendo ao Movimento.

Nos poemas é possível vislumbrar as coisas mais simples e corriqueiras, o desejo por explorar o que estava ao redor em seu pequeno mundo, como podemos ver neste trecho da menina Ana: "Sempre gostei de olhar carreirinha de formiga. Seus movimentos. Suas constâncias. Acho que aprendia muito com elas, que formiga muito ensina. Aquele vaivém continuado, aquele poder... O quintal era grande, o meu mundo.”

Tal qual Cora, Drummond também sabe aproveitar as situações e os locais comuns para extrair o que eles têm de mais profundo ou o que eles carregam escondido sob suas aplicações diárias. É essa Aninha, que diante de uma fileira de formigas consegue obter aprendizado, assim como Drummond diante de uma pedra. Brunna Gomes Correia

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